O Padre Zuhlsdorf publicou em seu blog uma entrevista de Dom Malcolm Ranjith, secretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, ao jornal italiano La Repubblica, cuja tradução apresentamos.
“Porque Ratzinger está recuperando o sagrado”
Marco Politi
O sinal era claro. Primeiro Corpus Christi em Roma, depois visto ao vivo por todo o mundo em Sidney. Bento XVI está demandando que, diante dele, a Comunhão seja recebida de joelhos. É uma das muitas reclamações desse pontificado: latim, a Missa “Tridentina”, celebração de costas para o povo.
Papa Ratzinger tem um plano e o [Arcebispo] do Sri Lanka Malcolm Ranjith, quem o Pontífice quis consigo no Vaticano como Secretário da Congregação para o Culto Divino, o leva com eficácia.
Atenção à liturgia, ele explica, tem por objetivo uma “abertura ao transcendente”. A pedido do Papa, Ranjith adianta, a Congregação para o Culto Divino está preparando um Compendium sobre a Eucaristia para ajudar padres a “prepararem-se bem para a celebração e adoração Eucarística”.
A comunhão de joelhos aponta nessa direção?
“Na liturgia sente-se a necessidade de recuperar o sentido do sagrado, acima de tudo na celebração Eucarística. Já que cremos que o que ocorre no altar vai muito além do que nós podemos humanamente imaginar. E então, a fé da Igreja na Presença Real de Cristo nas espécies Eucarísticas é expressa através de gestos e comportamentos adequados diferentes daqueles da vida diária.”
Indicando uma descontinuidade?
“Nós não estamos diante de uma figura política ou de um personagem da sociedade moderna, mas diante de Deus. Quando a presença do Deus eterno desce no altar nós devemos nos colocar numa postura mais apta para adorá-Lo. Na minha cultura, no Sri Lanka, nós devemos nos prostar com a cabeça no chão como os budistas e os muçulmanos fazem em oração.”
Colocar a hóstia na mão diminui o sentido de transcendência da Eucaristia?
“Sim, num certo sentido. Arrisca-se que o comungante a sinta como um pão normal. O Santo Padre fala freqüentemente da necessidade de salvaguardar o sentido do “outro” na liturgia em todas as suas expressões. O gesto de tomar a Sagrada Hóstia e colocá-la nós mesmos na boca e não recebê-la reduz o significado profundo da Comunhão”.
Existe um desejo de se opor a tendências que banalizam a Missa?
“Em alguns lugares o sentido do eterno, sagrado ou celestial foi perdido. Existia uma tendência de colocar o homem no centro da celebração, e não o Senhor. Mas o Concílio Vaticano Segundo fala claramente sobre a liturgia como actio Dei, actio Christi. Ao invés, em certos círculos litúrgicos, seja por ideologia ou um certo intelectualismo, como preferir, a idéia espalha uma liturgia adaptável a várias situações, na qual tinha que se deixar espaço à criatividade para que ela fosse acessível e aceitável por todos. Então, particularmente, existiram aqueles que introduziram inovações sem ao menos respeitar o sensus fidei e os sentimentos espirituais dos fiéis.”
Às vezes até mesmos bispos pegam o microfone e vão a seus ouvintes com perguntas e respostas.
“O perigo moderno é que o padre pense que ele está no centro da ação. Dessa forma o rito pode tomar um aspecto de teatro ou de uma perfomance numa rede de televisão. O celebrante vê o povo que o vê como o ponto de referência e existe o risco de , para ter o maior sucesso possível com o público, ele fazer gestos e expressões como se ele fosse a figura principal.”
Qual seria a atitude correta?
“Quando o padre sabe que não é ele no centro, mas Cristo. No serviço humilde ao Senhor e à Igreja respeitando a liturgia e suas regras, como algo a ser recebido e não a ser inventado, significa deixar maior espaço para o Senhor, pois através do padre como o instrumento Ele pode despertar a atenção dos fiéis”.
Os sermões por leigos são também desvios?
“Sim. Pois o sermão, como diz o Santo Padre, é a forma na qual a Revelação e a grande Tradição da Igreja são explicadas, para que a Palavra de Deus possa inspirar a vida dos fiéis em suas escolhas diárias e fazer a celebração litúrgica rica de frutos espirituais. A tradição litúrgica da Igreja reserva o sermão ao celebrante. Aos bispos, padres e diáconos. Mas não aos leigos.”
Absolutamente não?
“Não porque eles não são capazes de fazer uma boa refelxão, mas porque na liturgia as funções devem ser respeitadas. Existe, como disse o Concílio, uma diferença “em essencial e não apenas em grau” entre o sacerdócio comum dos fiéis de todos os batizados e aquele dos padres”
Algum tempo atrás o Cardeal Ratzinger estava lamentando uma perda do sentido de mistério nos ritos.
“Freqüentemente a reforma conciliar foi interpretada ou considerada numa forma não inteiramente em conformidade com a mente do Vaticano II. O Santo Padre define essa tendência como o “anti-espírito” do Concílio.”
Um anós após a plena reintrodução da Missa Tridentina, qual é a avaliação?
“A Missa Tridentina tem seu profundíssimo valor interno que reflete toda a tradição da Igreja. Existe mais respeito pelo sagrado através de gestos, genuflexões, os períodos de silêncio. Existe maior espaço reservado à reflexão sobre a ação do Senhor e também para o senso de devoção pessoal do celebrante, que oferece o sacríficio não apenas para os fiéis mas também por seus próprios pecados e por sua própria salvação. Alguns elementos importantes do antigo rito podem ajudar também numa reflexão sobre a maneira de celebrar o Novus Ordo. Nós estamos no meio de uma jornada.”
Algum dia no futuro está previsto um rito que toma o melhor do antigo e do novo?
“Poderia ser,… mas talvez eu não vejo isso. Penso que nas próximas décadas nós iremos em direção a uma avaliação compreensiva tanto do antigo como do novo rito, salvaguardando o que for eterno e sobrenatural acontecendo no altar e reduzindo todo desejo de estar nos holofotes afim de deixar espaço para o contato efetivo entre os fiéis e o Senhor através da figura, mas não predominantemente, do sacerdote”.
Com posições alternativas do celebrante? Quando o padre se viraria para o abside?
“Você poderia considerar o ofertório, quando as oferendas são trazidas ao sacerdote, e dali em diante todo o caminho para a oração Eucarística, que representa o momento culminante da “transsubstantiatio” e “communio”.
O padre que volta suas costas desorienta o povo.
“É um erro falar dessa forma. Pelo contrário, ele está voltado para o Senhor junto com o povo. O Santo Padre, em seu livro O espírito do Concílio [ntd: creio ser um erro de digitação do pe. Zuhlsdorf. O livro do Cardeal Ratzinger chama-se O Espírito da Liturgia] explicou que quando o povo está sentado olhando cada um para si mesmo, um circulo fechado está formado. Mas quando o padre e os fiéis olham juntos ao Leste, em direção ao Senhor que vem, essa é uma forma de se abrir para o eterno”.
Nessa visão você coloca também a reabilitação (recupero) do Latin?
Eu não gosto da palavra ‘reabilitação’. Nós estamos implementando o Concílio Vaticano Segundo que explicitamente afirmou que o uso da língua Latina, exceto em caso de direito particular, era para ser preservado nos ritos Latinos. Então, se foi deixado também espaço para a introdução das línguas vernáculas, o Latim não era para ser completamente abandonado. O uso de uma língua sagrada é uma tradição em todo o mundo. No Hinduísmo a língua de oração é o sânscrito, que não está mais em uso. No Budismo o Pali [?] é usado, uma lingua que apenas os monges budistas estudam. No Islã o Árabe do Corão é usado. O uso da língua sagrada nos ajuda a viver uma experiência do “outro”.
O Latim como a língua sagrada da Igreja?
Claro. O próprio Santo Padre fala em sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis no parágrafo 62: “Afim de expressar mais claramente a unidade e a universalidade da Igreja, desejo endossar a proposta feita pelo Sínodo dos Bispos, em harmonia com as diretrizes do Concílio Vaticano Segundo, que, com exceção das leituras, homília e oração dos fiéis, é adequado que tais liturgias sejam celebradas em Latim”. Claro, “durante encontros internacionais”.
O que Bento XVI quer atingir dando nova força para a liturgia?
“O Papa quer oferecer a possibilidade de chegar à maravilha da vida em Cristo, uma vida que já na vida aqui na terra já nos leva a um sentido de liberdade e eternidade próprio dos filhos de Deus. E esse tipo de experiência é vivida poderosamente através de uma renovação autêntica da fé que pressupõe um antegozo da realidade celestial na liturgia em que se crê, se celebra e se vive. A Igreja é, e deve tornar-se, o poderoso instrumento e os meios para essa experiência litúrgica libertadora. E é sua liturgia que faz possível despertar tal experiência em seus fiéis”
Pois é… Estamos em um momento novo nesse “pós-concílio”, momento de rever os abusos litúrgicos e ver se neles, muitas vezes levados à cabo pelo fictício “espírito do concílio”, não nos afastamos do que realmente o concílio quis. Ratzinger, guiado certamente pelo Espírito, toma medidas claras em vista de uma maior sacralização da missa e do seu espaço. Enquanto não nos voltarmos para o sagrado com fervor, respeito e recolhimento, não conseguiremos nos manter como Igreja viva, apostólica e em vista do Reino…
Ótimo trabalho!
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