Neste sábado, iniciamos uma série de publicações da obra de Dom Paul Nau, OSB, da abadia de Solesmes, originalmente intitulada “Um ensaio sobre a Autoridade dos Ensinamentos do Soberano Pontífice”, e reimpressa pela Angelus Press (1998) sob o título “O Magistério Ordinário da Igreja Católica”.
* * *
Prólogo
O livro de Monsenhor Guerry sobre a Doutrina Social da Igreja (Mons. Guerry, arcebispo de Cambrai, La Doctrine Sociale de l’Eglise, Paris: Bonne Press, 1957) se tornou um clássico. Por volta de seu fim, ele considerou apropriado chamar atenção para a importância do Magistério Ordinário (isto é, a autoridade magisterial da Igreja) que é geralmente exercido nas “encíclicas, alocuções e cartas que os Papas descreveram como sendo os documentos nos quais principalmente a doutrina social da Igreja é encontrada” (p. 172). “Nelas estão contidas uma verdadeira regra da fé que demanda o assentimento dos fiéis, um assentimento que pode se estender de um simples respeito a um verdadeiro ato de fé” (ibid.).
Como um guia para descobrir a qual grau a autoridade do Soberano Pontífice está envolvida nestes vários documentos, e, conseqüentemente, a espécie de assentimento que lhes é devido, Monsenhor Guerry remete seus leitores (p. 171, nota 264) a um artigo que foi publicado em 1956 na Revue Thomiste (pp. 389-412).
É este artigo de Dom Paul Nau que é reproduzido nas próximas páginas (ndt: e que, esperamos, aparecerá, capítulo a capítulo, semanalmente, no Fratres in Unum).
Introdução
Desde o Concílio Vaticano Primeiro, em 1870, os católicos já não têm mais nenhuma razão para hesitar sobre a autoridade a ser reconhecida nos julgamentos dogmáticos pronunciados pelo Soberano Pontífice: sua infalibilidade foi solenemente definida na Constituição Pastor Aeternus nos seguintes termos:
“Nós ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis” [1] .
Mas definições desta espécie são relativamente raras. Os documentos pontifícios que hoje mais freqüentemente chegam ao cristãos são encíclicas, alocuções, rádio-mensagens, que comumente derivam do Magistério Ordinário ou ensinamento comum da Igreja. Infelizmente, é aí que as confusões permanecem ainda possíveis e de fato ocorrem, ah!, com muita freqüência.
Recentemente, observou sobre isso o Padre Labourdette:
“Muitas pessoas guardaram idéias muito ingênuas sobre o que aprenderam a respeito da infalibilidade pessoal do Soberano Pontífice no exercício solene e extraordinário de sua potestade de ensinar. Para alguns, toda palavra do Supremo Pontífice de alguma maneira participará do valor de um ensinamento infalível, exigindo assentimento absoluto de fé teologal; para outros, os atos que não são apresentados com as condições manifestas de uma definição ex cathedra parecerão não ter outra autoridade senão a de qualquer doutor privado” . [2]
Há duas maneiras úteis com que estas reflexões podem ser recebidas. Primeiro, elas indicam o erro fundamental que impede os fiéis compreender a verdadeira natureza do Magistério Ordinário: há confusão entre a autoridade que o ensinamento traz consigo e a forma que toma: se apenas os julgamentos pronunciados ex cathedra pelos Soberanos Pontífices são vinculantes aos fiéis, todas aquelas intervenções doutrinais dos Papas que não cumprem as condições para tal solenidade podem ser vistas como não mais que atos do Papa como uma pessoa privada. Não seria deixado lugar, de maneira intermediária entre tais atos privados e os julgamentos papais solenes, para um ensinamento que, embora autêntico, não fosse igualmente garantido, por toda sua extensão, em todas as suas várias expressões. Se as coisas forem vistas por este ângulo, a própria noção do Magistério Ordinário se torna, propriamente falando, impensável.
Segundo, há outra confusão cuja causa o Padre Labourdette ainda mais convincentemente indica: idéias sobre a infalibilidade pessoal muito ingenuamente concebidas. Ao mesmo tempo, ele sugere o remédio para isso: tais falsas simplificações podem vir apenas de uma leitura muito apressada dos textos dos decretos do Vaticano I, nos quais está inscrita a bem conhecida definição de infalibilidade. É necessário que estes sejam lidos com a maior atenção. Talvez nos seja permitido realizar o desejo implícito no artigo que acabamos de citar ao fornecer os princípios sob os quais o Magistério ordinário pontíficio é apropriadamente empregado.
Continua…
[1] Constituição Apostólica Pastor Aeternus em Acta et decreta: sacr: concil: recent: Collectio lacensis. T. VII Friburgi Brisgoviae 1890 (doravente indicada pela sigla CL). c. 487 b. — nesta tradução, usada a versão portuguesa publicada pela Associação Cultural Montfort em http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=vaticano1&lang=bra.
[2] Revue Thomiste (doravente indicada pela sigla R.T.). LIV, (1954) p. 196.
Dom Paul Nau, The Ordinary Magisterium of the Catholic Church, em Pope or Church? Essays on the infallibility of the Ordinary Magisterium, Angelus Press, 1988, pp 1-4.