Cúria romana: falta-nos um Secretário de Estado!

Por Vini Ganimara –  Osservatore Vaticano

O cada vez mais isolado Bento XVI.
O cada vez mais isolado Bento XVI

Uma estranha atmosfera ganha as esferas da cúria romana. Poder-se-ia enumerar os muitos exemplos (em particular, a anarquia surreal da comunicação vaticana), mas três casos recentes, cada um de ordens muito diferentes, serão suficientes para qualificá-la.

1) Em primeiro lugar, pensemos no fato do Cura d’Ars não ter sido proclamado patrono dos padres do mundo, em conclusão ao ano sacerdotal, como previsto e anunciado. Em si, tal decisão pode ser justificada sob a alegação de que um cura diocesano francês do século XIX não é necessariamente um modelo diretamente imitável para os religiosos, para os padres missionários.

Todavia, o prejuízo considerável produzido por este caso advém do fato de que ele apareceu como um recuo precoce do governo romano diante das pressões de última hora. Pois a decisão da proclamação era conhecida de longa data; em 16 de março de 2009, quando se tinha realizado a plenária da Congregação para o Clero, a Sala de Imprensa vaticana havia declarado: « No curso deste Ano Jubilar, o Papa Bento XVI proclamará São João Maria Vianney ‘Patrono de todos os padres no mundo’. Será publicado igualmente um Diretório para os Confessores e Diretores Espirituais, bem como uma coletânea de textos do Soberano Pontífice sobre as questões fundamentais da vida e missão sacerdotais na época atual ». Numa entrevista dada pelo Cardeal Hummes, em 17 de junho de 2009, ao Avvenire, o Prefeito da Congregação para o Clero reiterava a informação. Ela se espalhou ao redor do mundo durante um ano, sem nunca ter sido desmentida. Em 8 de junho de 2010, três dias antes do acontecimento, a Rádio Vaticano ainda a confirmava: “[Em 11 de junho], o Papa celebrará uma missa solene onde proclamará o Cura d’Ars patrono dos padres” [o Fratres in Unum noticiou o fato em 5 de junho].

Ora, na véspera, 10 de junho, a agência de imprensa francesa IMedia informava: o Cura d’Ars não será proclamado patrono dos padres do mundo. O blogue Vu de Rome, de Frédéric Mounier (correspondente do La Croix), bem informado sobre as manobras e os manobreiros, explicava: “O Vaticano está à escuta das igrejas locais” que não encontram João Maria Vianney suficientemente representativo do padre contemporâneo. E o Pe. Lombardi, diretor da sala de imprensa da Santa Sé, lacônico: “Há muitas outras figuras de padres que podem servir de inspiração e de modelo para os que realizam outras formas o ministério sacerdotal”.

2) Praticamente ao mesmo tempo, desenrolava-se o segundo episódio romano do caso de Thiberville. Sem recontar a história deste caso francês, podemos recordar que na diocese de Évreux, uma das mais sombrias de nosso país, Dom Nourrichard, bispo-síndico da massa falida (igrejas fechadas, catecismos abandonados, vocações desencorajadas, finanças exauridas…) tinha decidido suprimir o conjunto paroquial de Thiberville (14 campanários), e demitir o seu cura, o Padre Francis Michel, que mantinha as igrejas cheias, catecismos, multidão de crianças no coro, confrarias, confissões, vocações… Ao obter sobre o lugar a rendição deste cura muito “Summorum Pontificum”, o bispo se defrontou com a revolta violenta dos paroquianos afrontados. Seguiram-se uma série de “apelos” ao tribunal de Roma.

Parecia evidente a todos que os órgãos da Santa Sé conviriam, no mínimo, que o caso teria “sido mal administrado” pelo bispo e que, supondo que não eles tenham julgado oportuno mera e simplesmente invalidar a sua decisão mortífera, iam encontrar algum acordo.

Ora, no espaço de apenas três meses, os três primeiros recursos do cura e de seus paroquianos foram pura e simplesmente  rejeitados pelas Congregações interrogadas, enquanto que tais caso são examinados normalmente em anos inteiros. Evidentemente, o efeito de riscar assim o último grupo vivo e missionário de uma diocese e lançar o seu pastor ao alçapão para a Roma de Bento XVI, no fim do ano sacerdotal, é desastroso. O mínimo que se pode dizer é que a um tal dossiê, relativo à França, a propósito da qual se discute nem mais nem menos a supressão de certas dioceses (Mende), realmente “não foi dado continuidade”.

3) Não menos desastroso veio o anúncio quase concomitante da “recusa” do Cardeal Pell. A nomeação do Arcebispo de Sidney, um dos mais sólidos ratzingerianos do Sacro Colégio como Prefeito da Congregação dos Bispos, no lugar do Cardeal Re, era esperada de um dia para o outro, o Cardeal Pell se via já destinado a uma residência na via Rusticucci, quando, repentinamente, o blogue espanhol de Francisco José Fernandez de la Cigoña anunciava, em 8 de junho, que o Cardeal de Sidney alegara estar enfermo e declinava a sua nomeação.

Na verdade, as acusações de “má gestão” de um caso de pedofilia, conhecido há muito tempo, orquestradas por artigos de jornais irlandeses, e que até então não tinham sido consideradas inquietantes pela Secretaria de Estado, acabavam de ser oportunamente relembradas, nos primeiros dias de junho, no seio desta mesma Secretaria de Estado, por parte, dizem, da Seção de Assuntos Gerais (o Substituto Filoni).

Apesar desta sucessão de fracassos muito prejudiciais à imagem e à autoridade da máquina curial, o efeito Bento XVI não deixa de continuar a se propagar no seio de uma paisagem católica ocidental sempre mais devastada e a prosperar a “ratzingeria” romana. Mas os casos com falta de renovação pastoral se acumulam. Poderia se evocar o caso determinante das nomeações episcopais: é evidente que o personagem-chave neste domínio, o núncio apostólico, diplomata de formação, de função e quase de alma, por mais bem disposto que seja, não tomará nunca as decisões de designações importantes sobre o fronte dos episcopados nacionais se não se vêem sustentados e garantidos por uma Secretaria de Estado determinada. Ou ainda, tal Prefeito de Congregação ligeiramente tímido não se comprometerá sem cobertura, por ações corajosas e difíceis, se ele pressente que será abandonado à mínima dificuldade, e deixará, como resultado, para a maior parte dos casos, seus subordinados agir segundo as suas sensibilidades e seus partidos.

A necessidade do Santo Padre de moderar as suas forças, por exemplo, reduzindo de maneira drástica o número de suas audiências privadas, as atenções vigilantes pelas quais ele é cercado, mas que são também são filtros (há dois meses, por exemplo, o número de pessoas – até então uma centena – que ele saudava com algumas palavras no fim das audiências públicas foi reduzido a uma simples fileira de cadeiras), o peso de seu intenso trabalho intelectual solitário, a necessária concentração em alguns âmbitos de decisões — geralmente amadurecidas longamente – a serem tomadas por ele mesmo, faz que a exigência de um verdadeiro “primeiro ministro” seja vital.

Independentemente das críticas que lhes possam ser dirigidas, homens como o Substituto Benelli, o Secretário de Estado Casaroli ou o seu sucessor Sodano, ocupavam fortemente o terreno curial e imprimiam uma linha – por certo altamente discutível, mas legível – a este pesado e complexo organismo. Ora, é todo o contrário de um Richelieu que ocupa hoje o posto de Secretário de Estado.

2 comentários sobre “Cúria romana: falta-nos um Secretário de Estado!

  1. Urge aumentarmos nossas orações. Cada Ave Maria a menos é um avanço do “outro”. De terço em punho, então, para apoiar o nossa Papa, a nossa Igreja. E expurgá-la dos que a querem destruir, de dentro para fora.

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  2. Eu sei que desde de Pio XII a Santa Sé tem problemas com os secretários de Estado. Pelo que sei o secretário, é praticamente o homem do poder temporal, ou sejs, ele é o defensor do outro fim último para homem na esfera temporal, dentro da Cúria Romana. Quero dizer que a relação entre o secretariado de Estado com o Papa, refletem o funcionamento prático da tese dos dois fins de Dante Alighieri na Cúria Romana. Talvez possa se dizer, que é, onde começa o processo de autodemolição…

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