O Papa na festa de São Pedro e São Paulo: “A nossa batalha, de fato, não é contra a carne e o sangue, mas contra os Principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso”.

Na primeira leitura é narrado um episódio específico que mostra a intervenção do Senhor para libertar Pedro da prisão; na segunda, Paulo, com base em sua extraordinária experiência apostólica, diz-se convencido de que o Senhor, que já o havia libertado “da boca do leão”, o libertará “de todo o mal” abrindo-lhe a porta do Céu; no Evangelho, por sua vez, já não se fala dos Apóstolos individualmente, mas da Igreja como um todo e de sua segurança com relação às forças do mal, entendidas em sentido amplo e profundo. De tal modo vemos que a promessa de Jesus – “os poderes do inferno não prevalecerão” sobre a Igreja — compreende sim a experiência histórica de perseguição sofrida por Pedro e Paulo e por outras testemunhas do Evangelho, mas vai além, querendo assegurar a proteção sobretudo contra as ameaças de ordem espiritual; como o próprio Paulo escreve na sua Carta aos Efésios: “A nossa batalha, de fato, não é contra a carne e o sangue, mas contra os Principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal que habitam os lugares celestes” (Ef 6,12).

O Papa Bento XVI deixa a Basílica de São Paulo Fora dos Muros ao fim das primeiras vésperas, 28 de junho de 2010. AFP PHOTO / TIZIANA FABI
O Papa Bento XVI deixa a Basílica de São Paulo Fora dos Muros ao fim das primeiras vésperas, 28 de junho de 2010. AFP PHOTO / TIZIANA FABI

Com efeito, se pensarmos em dois milênios de história da Igreja, podemos observar que — como havia preanunciado o Senhor Jesus (cf. Mt 10,16-33) – não faltam nunca para os cristãos as provações, que em alguns períodos e lugares assumiram o caráter de verdadeiras e próprias perseguições. Estas, no entanto, apesar do sofrimento que causam, não constituem o mais grave perigo para a Igreja. O maior dano, de fato, ela sofre dos que corrompem a fé e a vida cristã dos seus membros e de suas comunidades, danificando a integridade do Corpo Místico, enfraquecendo a sua capacidade de profecia e de testemunho, obscurecendo a beleza de sua face. Esta realidade é atestada já no epistolário paulino. A Primeira Epístola aos Coríntios, por exemplo, responde a alguns problemas de divisões, de incoerência, de infidelidade ao Evangelho que ameaçam seriamente a Igreja. Mas também a Segunda Carta a Timóteo – da qual ouvimos um trecho — fala dos perigos dos “últimos tempos”, identificando-os com atitudes negativas que pertencem ao mundo e que podem contaminar a comunidade cristã: o egoísmo, a vaidade, o orgulho, o apego ao dinheiro, etc. (cf. 3,1-5). A conclusão do Apóstolo é reconfortante: os homens que fazem o mal — escreve ele – “não vão muito longe, porque a sua insensatez será manifesta a todos” (3,9). Há, portanto, uma garantia de liberdade assegurada por Deus à Igreja, liberdade seja dos laços materiais que procuram impedir ou coagir a missão, seja dos males espirituais e morais, que podem afetar sua autenticidade e credibilidade.

O tema da liberdade da Igreja, garantida por Cristo a Pedro, tem também uma ligação específica com o rito da imposição do Pálio, que hoje renovamos para trinta e oito arcebispos metropolitanos, aos quais dirijo a minha mais cordial saudação, estendendo-a com afeto a todos aqueles que quiseram acompanhá-los nesta peregrinação. A comunhão com Pedro e seus sucessores, na verdade, é a garantia de liberdade para os Pastores da Igreja e para as próprias comunidades a eles confiadas. O é sobre ambos os planos colocados em destaque nas reflexões anteriores. Sobre o plano histórico, a união com a Sede Apostólica assegura às igrejas particulares e às conferências episcopais a liberdade para com os poderes locais, nacionais ou supranacionais, que em certos casos podem dificultar a missão da Igreja. Além disso, e mais essencialmente, o ministério petrino é garantia de liberdade no sentido da plena adesão à verdade e à autêntica tradição, de modo que o Povo de Deus seja protegido dos erros concernentes à fé e à moral. O fato de que a cada ano os novos metropolitas venham a Roma para receber o Pálio das mãos do Papa deve ser compreendido em seu significado próprio como gesto de comunhão, e a questão da liberdade da Igreja nos oferece uma chave de leitura particularmente importante. Isso aparece claramente no caso das igrejas marcadas pela perseguição, ou sujeitas a ingerências políticas ou a outras duras provas. Mas isso não é menos relevante no caso de comunidades que sofrem a influência de doutrinas enganosas ou de tendências ideológicas e práticas contrárias ao Evangelho. O Pálio, portanto, torna-se, neste sentido, um penhor de liberdade, analogamente ao “jugo” de Jesus, que Ele convida cada um a tomar em seus ombros (cf. Mt 11:29-30). Como o mandamento de Cristo – embora exigente — é “suave e leve” e, em vez de pesar sobre quem o carrega, o alivia, assim o vínculo com a Sé Apostólica – embora exija empenho – sustenta o Pastor e a porção da Igreja confiada a seu cuidado, tornando-os mais livres e mais fortes.

Excerto da homilia do Santo Padre, o Papa Bento XVI, na festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo de 2010.