Nota da Sala de Imprensa da Santa Sé sobre a polêmica envolvendo as palavras do Papa Bento XVI sobre a camisinha.

Publicamos abaixo a nota de esclarecimento do Pe. Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, publicada hoje, domingo, 21.

Ao fim do capítulo décimo do livro Luz do mundo, o Papa responde a duas questões sobre o combate à AIDS e o uso de camisinhas, questões que remontam a discussões que seguiram algumas palavras ditas pelo Papa a respeito no curso de sua viagem à África, em 2009.

O Papa claramente reafirma que não pretendeu [em 2009] tomar uma posição sobre o problema das camisinhas em geral, mas simplesmente quis afirmar firmemente que o problema da AIDS não pode ser resolvido somente com a distribuição de camisinhas, pois muito mais tem de ser feito: prevenção, educação, auxílio, conselho, estar próximo das pessoas — tanto para que não se adoentem, mas também quando estão doentes.

O Papa observou que mesmo em meios não eclesiais há semelhante consciência, como ocorre com o chamado método “ABC” (abstinência – fidelidade – camisinhas), no qual os dois primeiros elementos (abstinência e fidelidade) são muito mais determinantes e fundamentais para a luta contra a AIDS, ao passo que a camisinha, em última análise, aparece como um atalho quando os outros dois elementos estão ausentes. Deve ficar claro, portanto, que a camisinha não é a solução do problema.

O Papa então amplia o foco, insistindo que concentrar-se apenas na camisinha é equivalente a tornar a sexualidade algo banal, perdendo seu sentido como uma expressão de amor entre pessoas, e tornando-a uma espécie de “droga”. Combater a banalização da sexualidade é “parte de um grande esforço para ver que a sexualidade é posivitamente compreendida, e pode exercer seus efeitos positivos na pessoa humana em sua totalidade”.

À luz desta ampla e profunda visão da sexualidade humana, e seus desafios modernos, o Papa reafirma que “naturalmente, a Igreja não considera a camisinha como uma solução autêntica e moral” ao problema da AIDS.

Logo, o Papa não está reformando ou mudando o ensinamento da Igreja, mas reafirmando-o, ao colocá-lo em um contexto do valor e da dignidade da sexualidade humana enquanto uma expressão de amor e responsabilidade.

Ao mesmo tempo, o papa considera uma situação excepcional na qual o exercício da sexualidade representa um verdadeiro risco à vida de outrem. Neste caso, o Papa não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas sustenta que o uso de uma camisinha a fim de diminuir o risco de infecção é “uma primeira hipótese de responsabilidade” e “um primeiro passo em direção a um modo diferente, um modo mais humano, de viver a sexualidade”, em vez de não usar a camisinha e expor a outra pessoa a uma ameaça à sua vida.

Neste sentido, o pensamento do Papa certamente não pode ser definido como uma guinada revolucionária. Numerosos teólogos morais e personalidade eclesiásticas de autoridade sustentaram, e ainda sustentam, posições semelhantes. Todavia, é verdade que, até agora, elas não foram ouvidas com tal clareza da boca de um Papa, mesmo se de forma coloquial, e não magisterial.

Bento XVI, portanto, corajosamente nos dá uma importante contribuição de esclarecimento e aprofundamento de uma questão que há muito é debatida. É uma contribuição original, pois, por um lado, permanece fiel aos princípios morais e demonstra lucidez em rejeitar a “fé na camisinha” como um caminho ilusório; por outro, mostra uma visão compreensiva e ampla, atenta a descobrir os pequenos passos — mesmo se apenas iniciais e ainda confusos — de uma humanidade muitas vezes empobrecida espiritual e culturalmente, em direção a um exercício mais humano e responsável da sexualidade.

30 comentários sobre “Nota da Sala de Imprensa da Santa Sé sobre a polêmica envolvendo as palavras do Papa Bento XVI sobre a camisinha.

  1. “MEIO-TERMO DEUS VOMITA”. Não há moral ou moralização possível com a insistência numa vida pecaminosa. Leia Sidney Silveira. A opinião do papa apenas reflete a realidade da Igreja. Ambiguidade e confusão. Diante de Santo Tomás de Aquino, da Doutrina de sempre e de São João Batista, não há como se justificar a opinião do papa. A radicalidade da conversão se prende à radicalidade do ser. SÓ DEUS É. O pecado e o mal são ausências. Se o pecador não desiste de pecar, não lhe resta chancer de ser na dependência de Deus. Tentar justificar o injustificável só piora e cora mais ainda aqueles que sabem em quais alicerces se assenta a Verdade.

    Curtir

  2. Pelo que eu entendi o Papa Bento XVI disse simplesmente que a camisinha em alguns casos pode ser aceitável por ser um mal menor. O Papa não está liberando geral a camisinha. Não é nada disso. Vejam o exemplo que ele deu do prostituto. Enfim, o Papa não está dizendo nada contra a moral católica.

    Curtir

  3. Gente, vocês ainda não entenderam que, para o Papa a camisinha não é moralmente justificável? Ainda no caso que ele citou, do prostituto, não é moralmente correto como ficou bem claro. O problema é que o demônio conseguiu distorcer as palavras do papa. O pior é ver até os católicos caindo..

    Curtir

  4. Sinceramente, acho muito profundo o que foi dito pelo Papa. Não está defendendo o preservativo. Está fazendo uma observação pastoral de um acontecimento: um prostituto resolve usar o preservativo para proteger a parceira. Não se trata de defender este ato em si mas observar de forma otimista que há um avanço do pecador em direção à moral, embora ele ainda esteja em pecado gravíssimo.
    Num colóquio, o Papa Ratzinger faz uma análise profunda e sincera de um fato, sem defender. Antes, o Pontífice sublinhou a imoralidade intrínseca no uso da camisinha.

    Curtir

  5. Ao mesmo tempo, o papa considera uma situação excepcional na qual o exercício da sexualidade representa um verdadeiro risco à vida de outrem. Neste caso, o Papa não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas sustenta que o uso de uma camisinha a fim de diminuir o risco de infecção é “uma primeira hipótese de responsabilidade” e “um primeiro passo em direção a um modo diferente, um modo mais humano, de viver a sexualidade”, em vez de não usar a camisinha e expor a outra pessoa a uma ameaça à sua vida.

    Gente, o Papa abriu uma exceção que justifica o uso de um meio intrinsecamente mau, que, por ser, intrinsecamente mau, não tem exceção…

    É isso que está dito e que a Nota reafirma com todas as letras. Não é só pastoral coisa nenhuma, o Papa usou a palavra “justificar”. É só ver o próprio post do fratres.

    Este é o método modrnista de evolução da doutrina mesmo.

    Curtir

  6. Na verdade, o Papa quis brincar de vaticano II. Disse duas frases contraditórias, uma tradicional e outra revolucionária uma depois da outra.

    Primeiro:

    “Pode haver casos PONTUAIS, JUSTIFICADOS, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por VIH/HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade”

    Depois:

    “não é uma solução verdadeira e moral”

    Mas tb não diz com todas as letras: IMORAL !!!

    O Povo de Deus e os teólogos que façama síntese para embasar o futuro magistério
    É o novo “magistério” liberal em substituição ao exercício de magistério verdadeiro de modo tradicional.

    Leiam “A Candeia…” de Pe. Calderón

    Curtir

  7. Estão dando muita ênfase a um livro qualquer e tratando isso como Magistério Eclesiástico!

    Vamos ter cuidado com os juízos…

    Curtir

  8. “Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo POR UM PROSTITUTO, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer” Bento XVI

    Sempre entendi que o pecado do preservativo consiste em controlar a natalidade artificialmente. Como o Papa fala de um prostituto, não há chance de gravidez. Logo, o fato de usar camisinha não agrava o pecado de prostituição masculina.
    Óbvio que eu quero ouvir o Papa falando de abstinência, falando contra qualquer tipo de prostituição, e esclarecendo o mundo do mal que o preservativo causa.
    Mas não penso que o Papa mudou algo no Magistério, pois o prostituto não comete um pecado ao utilizar a camisinha. Diferente dele seria um casal, que mesmo em se tratando de prostituição de uma das partes, teriam no preservativo um método de evitar a concepção. Esses estariam pecando.

    No mais, concordo que nesse caso o melhor seria a abstinencia. Abstinencia do Papa a certos comentarios infelizes…

    Curtir

  9. Bem,
    Já que o livro-entrevista previu essa pergunta, e já que o papa quis reafirmar a doutrina católica, e ao mesmo tempo mostrar que a Igreja é compreensiva e humana, então faltou algo que a nota de esclarecimento afirmou falsamente:

    Faltou CLAREZA.

    E sobrou o ranço de tentar agradar ao mundo sem ferir o dogma.

    Sim, sim. Não, não. Como tem sido difícil extorquir essas sentenças dos lábios vaticanos!

    Por causa desta ambiguidade, os mundanos agora saem espalhando inverdades ao léu.
    Isso só demonstra a grande confusão que tomou conta do Vaticano… Nos tempos de Pio XII ninguém tinha medo de proclamar verdades, gostassem ou não os ouvintes.

    Curtir

  10. Caríssimos, o santo padre não disse nada contra a moral católica. Se faz necessário, antes, usarmos de um princípio de boa educação: “Desculpe, mas eu não entendi”. Ou seja, é mais fácil nos enganarmos quanto a compreensão do que é dito pelo santo padre, do que ele enganar-se em suas palavras.

    O que o papa disse não foi nada mais e nada menos do que muitos autores medievais, tal como Santo Tomás, fizeram ao tirar luz de trevas. Com sua genialidade teve um insight sobre o real que é: Independente do que a Igreja fale as pessoas continuaram em considerável número a usar preservativos.

    Mas será que Bento XVI incentivou isso? Certamente não. Ele trouxe em seu texto novamente a refutação a partir da moral católica de um meio que é em si mesmo mal. Não obstante a isso algumas das pessoas que usam desse acessório em sua prática sexual, mesmo que praticando um ato mal, não o fazem por completo.
    (Lembrando que um ato para ser bom deve ter todas as disposições boas e um ato para ser mal, basta faltar alguma). Isso tudo claro, como o próprio pontifice falou “Hipótese”.

    Em sua reflexão ele trouxe algo que nunca tinha visto sobre o assunto: aqueles que usam do preservativo, mesmo que preocupados somente consigo, no fundo atestam que o que fazem, mesmo que natural (sexo) o fazem em desordem ferindo a natureza e portanto tendo que buscar esse acessório de ordem artificial, ou não natural.

    Além do mais não há contradição na frase do santo padre. Em momento algum ele diz e não diz, algo sobre uma coisa sob o mesmo aspecto. (Afinal isso é contradição – segundo as definições clássicas). Ele em nenhum momento defende o uso desses métodos.

    O que há na verdade é confusão nos termos. Pois, justificar não é moralizar. Por exemplo: É justificável que alguém em virtude de sua loucura mate outra pessoa? Certamente sim. Mas isso não torna o ato moral. Tal como o uso da camisinha para as prostitutas. É justificável que alguém que não compreende o dado da graça e que leve uma vida a margem da existência efetiva de Deus, tal como ele se revelou, e que tenha essa mesma vida mergulhada na promiscuidade use preservativos. Mas isso não torna o ato moral.

    Curtir

  11. O problema que este “livro qualquer”, reporta as
    opiniões do Papa, mesmo não sendo a palavra
    do Magistério, não deixa de transmitir a falsa
    impressão de ensino oficial.
    Foram palavras dele. E a imprensa vai deturpar
    à vontade.
    Vá explicar isso para o povo, agora.

    Curtir

  12. Uma amiga minha fez um paralelo muito lucido. Se alguem for roubar um banco e estiver determinado a usar uma arma, seria melhor para essa pessoa usar uma arma que nao tivesse municao. Isso reduziria o risco de ferimentos fatais. Mas nao e a tarefa da Igreja instruir ladroes sobre como roubar bancos com mais seguranca. No entanto, a intencao de um assaltante de bancos em roubar um banco de uma maneira que e mais segura para os funcionarios e clientes do banco podem indicar um elemento da responsabilidade moral que poderia ser um passo para a compreensao da eventual imoralidade em assaltar um banco fazendo com que futuramente o ladrao abandonasse a pratica de vez.
    E para este lado que o Santo Padre leva sua argumentacao em sua ENTREVISTA. Este livro nao e uma enciclica, uma constituicao apostolica, uma bula papal, ou qualquer coisa do tipo. Isso nao passa de uma entrevista com o Papa e ele mesmo deixa claro no livro que: “o Papa pode ter opinioes privadas que sejam erradas”. Ainda que haja algo no livro que possa ir contra a doutrina de sempre da Igreja ele ainda assim nao passa de um livro/entrevista.

    Curtir

  13. Que juízo fazer sobre as recentes declarações do Papa a respeito dos preservativos?

    Por: Gian Paulo Ruzzi.

    No dia 20 de novembro vários veículos de comunicação publicaram manchetes bombásticas do tipo “Uso de preservativo pode ser justificado, diz Papa”; “Papa diz aceitar uso de preservativo ‘em certos casos’”; “Papa admite pela primeira vez uso da camisinha ‘em certos casos’”; etc. Naturalmente, as supostas alegações do Sumo Pontífice suscitaram as mais calorosas e contraditórias reações e, como costuma acontecer quando se trata de declarações do Papa, poucas pessoas realmente se dão trabalho de ler o que de fato foi dito.
    A polêmica partiu de extratos do livro-entrevista Light of the World: The Pope, the Church and the Signs of the Times (Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo), que será lançado dia 23 na Alemanha, com o jornalista Peter Seewald. O autor tem ainda em seu currículo outros dois volumes de entrevistas com o então Card. Ratzinger: ‘Sal da Terra’ e ‘Deus e o mundo’ de 1997 e 2001, respectivamente.
    Deixo a seguir o trecho em questão disponível no site Fratres in Unun. Em seguida, apesar de minhas limitações, farei algumas reflexões e esclarecimentos que me parecem convenientes. Desde já peço perdão pelas falhas no Português e, eventualmente, alguma inconsistência na teologia.

    “Em África, Vossa Santidade afirmou que a doutrina tradicional da Igreja tinha revelado ser o caminho mais seguro para conter a propagação da SIDA/AIDS. Os críticos, provenientes também da Igreja, dizem, pelo contrário, que é uma loucura proibir a utilização de preservativos a uma população ameaçada pela SIDA/AIDS.”

    «Em termos jornalísticos, a viagem a África foi totalmente ofuscada por uma única frase. Perguntaram-me porque é que, no domínio da SIDA/AIDS, a Igreja Católica assume uma posição irrealista e sem efeito – uma pergunta que considerei realmente provocatória, porque ela faz mais do que todos os outros. E mantenho o que disse. Faz mais porque é a única instituição que está muito próxima e muito concretamente junto das pessoas, agindo preventivamente, educando, ajudando, aconselhando, acompanhando. Faz mais porque trata como mais ninguém tantos doentes com sida e, em especial, crianças doentes com sida. Pude visitar uma dessas unidades hospitalares e falar com os doentes.
    Essa foi a verdadeira resposta: a Igreja faz mais do que os outros porque não se limita a falar da tribuna que é o jornal, mas ajuda as irmãs e os irmãos no terreno. Não tinha, nesse contexto, dado a minha opinião em geral quanto à questão dos preservativos, mas apenas dito – e foi isso que provocou um grande escândalo – que não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos. É preciso fazer muito mais. Temos de estar próximos das pessoas, orientá-las, ajudá-las; e isso quer antes, quer depois de uma doença.
    Efectivamente, acontece que, onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. Tem de se fazer mais. Desenvolveu-se entretanto, precisamente no domínio secular, a chamada teoria ABC, que defende “Abstinence – Be faithful – Condom” (“Abstinência – Fidelidade – Preservativo”), sendo que o preservativo só deve ser entendido como uma alternativa quando os outros dois não resultam. Ou seja, a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias. É por isso que o combate contra a banalização da sexualidade também faz parte da luta para que ela seja valorizada positivamente e o seu efeito positivo se possa desenvolver no todo do ser pessoa.
    Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por VIH/HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade.»

    “Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização de preservativos?”

    «É evidente que ela não a considera uma solução verdadeira e moral. Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.»

    Antes de entrar na problemática da declaração em si, gostaria de salientar algo muito importante: O TEXTO EM QUESTÃO DO SANTO PADRE NÃO CONSTITUI UMA DECLARAÇÃO MAGISTERIEL, PORTANTO NÃO É DOTADA DA PRERROGATIVA DE INFABILIDADE. Trata-se simplesmente de uma opinião pessoal do Papa. Aliás, a ideia destes livros de Peter Seewald é justamente dar a conhecer o pensamento de Joseph Ratzinger ao público em geral. A natureza do conteúdo destes escritos, ou mesmo das publicações do Papa como teólogo, é completamente distinta de uma posição oficial da Igreja, mais ainda de uma declaração dogmática.
    Entretanto, o que foi exposto por Bento XVI é fruto de uma profunda reflexão sobre o tema. Pessoas de boa fé, principalmente quem se diz católico, devem evitar juízos temerários e procurar conhecer as motivações do Papa e a lógica interna de seu pensamento.
    Faço um parêntesis para manifestar minha profunda decepção com comentários que li em sites de pessoas pretensamente católicas. Muitos deles, até o dia 19 de novembro, viam no Papa Bento a resposta de suas súplicas ao Divino Pai Eterno. Acaso ser fiel à Tradição significa adular o Sucessor de Pedro enquanto ele concorda com minhas convicções e rechaçá-lo ou criticá-lo sem um mínimo de caridade quando alguma coisa escapa ao meu entendimento ou ultrapassa o limite da minha inteligência – no caso, mera capacidade de interpretar textos?
    Retomando. Em 2006 foi encaminhado para Congregação para a Doutrina da Fé um documento sobre o uso da camisinha na luta contra a AIDS. Este documento foi encomendado pelo próprio Bento XVI ao Card. Javier Lozano Barragán, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde. O texto não continha nenhuma reflexão moral ou teológica, apenas dados e estatísticas de ordem sanitária.
    Em 2009, quando o Papa esteve na África, afirmou que a mera distribuição de preservativos não ajudaria a controlar a epidemia de AIDS naquele continente, pelo contrário, poderia agravar o problema. De fato, é plausível afirmar que os métodos anticoncepcionais e, mais tarde, os preventores das DST são, provavelmente, o principal catalizador da revolução sexual de meados dos anos 1960 e início dos anos 1970. Enfim, a percepção do Santo Padre é que distribuir preservativos, dentro de um contexto sociocultural que desvincula o binómio sexo-amor, ou seja, sexo-responsabilidade pelo outro, pode incentivar um comportamento sexual irresponsável. Segundo suas palavras: “a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias”.
    Na época, o Papa foi massacrado por todos os lados simplesmente por dizer o óbvio: somente distribuir camisinhas não resolve o problema da AIDS! Hans Küng, oportunista e rancoroso como sempre, chegou a dizer que Bento XVI ficará na história como um dos responsáveis pela propagação da AIDS na África e morte de milhões de pessoas.
    Entrando no problema propriamente dito: a resposta da segunda pergunta de Peter Seewald, ou seja, de que “é evidente que ela não a considera – a utilização de preservativos – uma solução verdadeira e moral” deixa bastante claro que, da parte do Papa, não existe nenhuma mudança no juízo moral que a Igreja faz tanto dos anticoncepcionais como dos preservativos. O padre Federico Lombardi S.J., diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, esclarece: “o Papa não reforma ou muda o ensinamento da Igreja, mas o reafirma, colocando-se na perspectiva do valor e da dignidade da sexualidade humana, como expressão de amor e responsabilidade”.
    Os princípios postos por Paulo VI na Humanae Vitae têm validade perene: “É de excluir (…), como o Magistério da Igreja repetidamente declarou, a esterilização direta, quer perpétua quer temporária, tanto do homem como da mulher. É, ainda, de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação” (HV 14).
    A grande confusão que muitos fazem, por limitação ou por malícia, é falsear o discurso do Magistério de modo que pareça com algo semelhante a ‘faça sexo, apenas não use camisinha, por que camisinha é pecado’. Ora essa! Quem reduz o ato sexual à sua dimensão unitiva reduze-o, na verdade, à dimensão meramente egoística e já vive à margem da compreensão que a Igreja tem da sexualidade humana!
    A proibição Magisterial do uso de anticoncepcionais é derivada – ou seja, secundária – da antropologia cristã que não identifica sexualidade apenas com genitalidade, mas a entende como elemento constitutivo da identidade da pessoa, como complementariedade e comunhão, como amor fecundo e abertura à vida.
    Alguém poderia propor: quem não entende ou não concorda com estes princípios está dispensado da proibição em relação à anticoncepção? Um ‘raciocínio’ como este é simplesmente um atentado à razão humana! Quem rejeita o antecedente, rejeita também o consequente! Quem rejeita de forma contumaz os princípios fundamentais da moral sexual cristã já se auto exclui, ao menos parcialmente, da comunhão de fé da Igreja – note-se bem que eu não disse exclusão da Igreja.
    Mas, e a justificativa que o Papa enxerga em casos como os de prostitutas, como entender? Não se trata aqui de uma exceção à regra. Quem se prostitui, independentemente de grau de culpabilidade que tenha, já não vive – como é evidente de se notar – o que o católico entende por sexualidade plenamente humana.
    A declaração de Bento XVI se fundamenta em um princípio geral da moral: “um mal que realmente está aí não se pode combater à custa de uma desgraça ainda maior” (DZ 4453). O que poderá estar em jogo no intercâmbio sexual com garotas ou garotos de programa – além da real dimensão da sexualidade que já está comprometida pelo ato em si – será a vida de ambas as pessoas.
    A afirmação do Papa é uma questão de bom senso! Entretanto, sua genialidade e magnanimidade conseguem vislumbrar ainda a possibilidade de “um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer”.
    Quem interpreta as palavras do Santo Padre como uma possível revisão da moral da Igreja – tanto os que veem algo de positivo em qualquer mudança nesse sentido, como Michel Sidibé, diretor do programa Unaids criado pela ONU para combater a propagação do vírus da AIDS, que celebra de modo claramente provocativo a colocação do Papa, como seus críticos fariseus que arrotam tradição sem entender a autenticidade da Tradição da Igreja – deixam transparecer seus preconceitos e ignorância sobre o verdadeiro sentido da Moral e da Fé, que é O Amor, que é Deus.

    Curtir

  14. Charles, Le Magne, meu amigo, não se trata disso. Não é “instrumentalizar as palavras do Papa numa entrevista qualquer”, mas ter em vista que até mesmo numa conversa informal as palavras expressam idéias equivocas sobre temas que são cláusula pétrea.
    Numa tentativa de “aproximar e/ou `arredondar` conceitos”, atitude mui cara aos modernos, o Papa mostra que ainda não se desvencilhou por completo dos afectos & perceptos da modernidade.
    D. Felay nos alertou sobre isso: O Papa tem cabeça modernista, mas uma coração tradicionalista; e não há distancia maior que entre esses dois pontos.
    A escolha de palavras com um viés, digamos, demasiado otimista em relação a “preocupação do prostituto” não condiz com a possibilidade de “germe de bem”, já que a prostituição masculina é a mais abjeta, tanto pela “mecânica” quanto pela colaboração, isto é, é a celebração do sexo no esgoto com o incentivo de um “parceiro”.
    Rezemos.

    Mais detalhes aqui http://contraimpugnantes.blogspot.com/2010/11/camisinha-do-prostituto-e-o-papa.html

    Curtir

  15. A questão não é se o papa acha certou ou não a camisinha.

    O maior problema é que ele deu margem ao erro. Ele econtrou uma brecha onde nem os ativistas anti-cristãos encontraram.

    Poderia ter sido pior, caríssimos irmãos. Ele poderia ter dito isso em uma encíclica ou até mesmo em um concílio. Embora tenha se aproximado da Humanae Vitae.

    Curtir

  16. Justificação do injustificável.

    Não faltam dizer mais nada, uma vez que o prostituto e o assaltante de bancos podem “pecar com segurança”. Quanta loucura!

    Era só o que faltava, confudir ignorância invencível, que é um ato do qual o individuo pensa ter razão com o pecado que é um ato contra a razão. E vem falar do livro do Padre Calderon como se a Igreja jamais servisse dos seus teólogos para dirimir questões complexas. Como se o Papa nunca precissasse deles. Tá aí, a FSSPX de Padre Calderon mais uma vez fazendo história e ajudando a tirar a água do navio que afunda a mais de 40 anos.

    Curtir

  17. Não importa se é um caso excepcional, válido para o Zé que mora na Zélandia, no país dos Zés, que ninguém conhece! O maior problema nesta entrevista foi a imprudência, pois por mais que saibamos que o Papa não seja infalível quando fala como teólogo privado, a maioria das pessoas está na ignorância disso. A estas, “o Papa falou”. E o que o Papa fala é lei. E todos sabemos a influência da mídia sobre a população. Os que vão direto à fonte são uma minoria da minoria. Logo, sabendo disso, é inconcebível o que o Papa disse na entrevista. Que ele acredite nisto enquanto opinião privada sua, que seja; que isto destoe ou pareça destoar do ensinamento da Igreja, é lamentável, mas possível; daí a dizê-lo publicamente é uma imprudência tremenda, pois as conseqüências de um ato da pessoa do Papa, mesmo como teólogo privado, são enormes. Está em jogo não o Papa em si, mas a imagem do Papa que as pessoas consideram. Elas não sabem teologia.

    Por outro lado, a nota é extremamente ambígua e abarrotada de adjetivos. Como não há o que dizer, associam-se idéias brilhantes e adjetivos bonitos ao nome do Papa para fazer com que sua declaração pareça ser o que não foi. Vejam:

    corajosamente
    esclarecimento e aprofundamento
    contribuição original
    demonstra lucidez
    visão compreensiva e ampla, atenta

    Isto só no último parágrafo. Nos comentários há quem tenha utilizado a mesma tátiva, chegando a comparar o Papa com S. Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. Um absurdo.

    Seja o vosso falar sim, sim, não, não.

    Só mesmo em nossa época o ESCLARECIMENTO precisa ser esclarecido. O APROFUNDAMENTO precisa ser aprofundado.

    Se o esclarecimento precisa ser esclarecido, enquanto o que havia antes era já claro e não precisava de esclarecimento, o que tivemos foi um OBSCURECIMENTO da doutrina.

    Curtir

  18. Luiz, perfeito,perfeito!

    “Se o esclarecimento precisa ser esclarecido, enquanto o que havia antes era já claro e não precisava de esclarecimento, o que tivemos foi um OBSCURECIMENTO da doutrina.” [2]

    Nunca, na história da Igreja Católica, houve uma chance tão grande de um papa ficar calado.[3]

    Vamos agora por diante apenas lamentar toda uma avalanche de ‘caóticos’ inflados e de peito aberto a vomitar essa nova “autorização” e “liberação” do uso da camisinha…

    É muita sujeira pra limpar!

    et nisi breviati fuissent dies illi non fieret salva omnis caro sed propter electos breviabuntur dies illi

    Curtir

  19. Desculpem todos os que querem justificar Bento XVI mas ele errou e feio demais mesmo. E a prostituição? Ela é que leva ao inferno, não a AIDS que só mata o corpo. Um prostituto que usa preservativo, preserva o outro da AIDS, mas nem o outro, nem a si mesmo da prostituição, nem do caminho para o Inferno. O preservativo nesse caso só dará meios para que continue se prostituindo. Nunca pensei em ler tamanho absurdo.

    Curtir

  20. Lassance obrigada pelo texto!
    Estou exultando de alegria, pois vejo que não estou louca…

    Destaco do texto um detalhe que ninguém até agora comentou, mas que estou soluçando desde então de susto:

    “Eu poderia arrolar aqui todos os princípios metafísicos da ordem moral para provar cabalmente o que se disse acima: que não se pode dar o primeiro passo para a moralização pecando. Mas prefiro chorar de tristeza e rezar:

    Veni, Domine Iesu.

    “Em tempo: É claro que os modernistas católicos de todas as tendências tentarão justificar as palavras do Papa dizendo que, segundo ele, “o preservativo não é a solução verdadeira e moral para a sexualidade”, pois, nas palavras mesmas do Sumo Pontífice, deve haver uma “humanização da sexualidade”. Mas aí a coisa piora deveras: não se pode humanizar o que de per si já é humano! O que a Igreja sempre ensinou foi a necessidade de divinizar a sexualidade (e não de humanizá-la) colocando-a sob o Sacramento do matrimônio instituído por Cristo. Ou seja: tornar a união sexual entre homem e mulher sagrada (ou não é esta é a função do Sacramento?).

    Em tempo 2: Não sou sedevacantista, ou seja: não sairei por aí dizendo que o Papa não é Papa, por razões que já foram arroladas no blog em outras ocasiões. Mas estou com o Pe. Calderón: está na hora de os Papas voltarem a exercer o Magistério ex cathedra, e deixar de exercê-lo ex papamobile, dando entrevistas aqui e acolá…
    * Entre outras coisas, porque a consciência não é a sede da liberdade, como os filósofos liberais imaginam, mas sim a vontade. Sendo assim, o bem, enquanto um dos transcendentais do ser, não é objeto das operações emanadas da consciência, a não ser secundaria e derivativamente…”

    Curtir

  21. Se um papa ensina algo pelos meios oficiais, e num livro ensina outra coisa, abrindo brechas nesse ensinamento… para onde vai sua credibilidade?

    Curtir

  22. Sem qualquer fundamentação Filosófica ou Teológiaca, só repetindo -como papagaio, um animal irracional – o que houvem, muitos “católicos tradicionalistas” (ligados à FSSPX), nunca procuram entender o que o Papa fala, antes procuram algum erro; isto é, suas opiniões estão acima do magistério e já emitem sentença.
    Isso acontece porque estão contaminados pelo espírito da crítica e divisão próprias do demônio, e acabam criando confusão, dúvida, espalhando escândalo… Enfim, fazem – e muito bem – o trabalho do Eterno Inimigo. Pensando estarem ligados à Igreja, agem pior do que os Protestantes. Serve muito bem para eles o exemplo dos filhos de Noé (Gn 9, 20ss).
    Não há nada contra a moral católica no que o Papa disse, somente o demônio endurecendo os vossos corações.

    Curtir

Os comentários estão desativados.