Fratres in Unum entrevista Dom Manoel Pestana Filho, bispo emérito de Anápolis (Goiás).

Excelência Reverendíssima, primeiramente, obrigado por ter atendido a nosso pedido. O senhor louvou a atitude de certos bispos em falar abertamente contra candidatos que defendem posições contrárias à Lei de Deus. Por que raríssimos membros do episcopado se pronunciaram de maneira enérgica durante as eleições?

Dom Manoel Pestana Filho, bispo emérito de Anápolis (Goiás)
Dom Manoel Pestana Filho, bispo emérito de Anápolis (Goiás)

Agradeço-lhes a confiança e as orações. Entretanto devo confessar que não me sinto juiz de meus irmãos. Sei que muitos apelam, com sinceridade ou sem ela, não julgo, que a prudência deve acompanhar todos os nossos passos. Reconheço, no entanto, como dizia o Cardeal Pie, que há uma prudência que nos mata. Não ladramos, quando seria necessário, para defender o rebanho. E, hoje, muito menos, quando é hora de morder, para afastar o inimigo.

Alguns regionais da CNBB publicaram instruções aos fiéis para as eleições passadas, sem, no entanto, condenar de maneira enfática os projetos daquela que o Papa João Paulo II qualificou como “cultura de morte”. Por que tanta tibieza por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil?

Volto a dizer que não sou juiz da consciência dos meus irmãos. Mas sou obrigado a reconhecer, com Leão XIII, que a covardia dos bons, (se é que são bons os covardes) alimenta a audácia dos maus. Não sou ninguém para condenar, pois o mesmo Dante colocou alguns, não dentro, mas às portas do inferno… E observou: não perca tempo com eles: olhe e segue adiante.

Excelência, como o senhor avalia a situação da Igreja com todas as dificuldades do pós-concílio?

Na Revista Italiana Cristianitá (nº 346 – marzo-aprile 2008 pag 3), Massimo Introvigne faz uma recensão de “Roma, due del mattino”, de Mons. Helder Câmara, citando o autor, quando diz que as imprecisões dos textos conciliares serão explicadas depois, abrindo-se assim a porta ao Concílio Vaticano III que aprovará, certamente, entre outras coisas, diz ele, os anticoncepcionais e o sacerdócio das mulheres. É apenas um exemplo para a afirmação de que uma coisa é o que se disse no Concílio e, pior, o que se disse do Concílio, e o que o Concílio disse. Infelizmente, muitos se aproveitaram do “espírito” do Concílio para espalhar o que ele não disse. Graças a Deus e à sua providência que não falha, o Santo Padre Bento XVI vem luminosamente corrigindo os desvios.

A obra de Monsenhor Brunero Gherardini — Concilio Ecumenico Vaticano II, un discorso da fare — levanta questões importantes e julga necessário um debate sobre os textos do Concílio Vaticano II. O senhor considera possível tal discussão nas circunstâncias atuais?

Certamente. E, o Santo Padre, em suas homilias e documentos, de clareza incomparável, deixa o campo aberto, apesar das ruínas lamentáveis nas áreas da Teologia e da Liturgia, a uma renovação do Espírito.

Qual a relação entre a mensagem de Fátima e o Concílio Vaticano II?

Lamentavelmente, o ambiente conturbado não permitiu, explicam, a mínima referência à Rússia e a condenação expressa do comunismo. Ora, isto era, até como condição de tempos melhores, expressamente pedido pela mensagem de Fátima.

Seria possível dizer que o Concílio Vaticano II é responsável pela crise em que vivemos hoje?

Não pelo Concílio, mas pelo que, desgraçadamente, se fez dele.

O então Cardeal Eugenio Pacelli disse, certa vez, que na mensagem de Fátima a Santíssima Virgem alertava para o perigo da mudança no culto da Igreja. A mensagem de Fátima alertava sobre a reforma litúrgica? Que avaliação fazer dela?

Não me consta nenhuma referência clara à Liturgia na mensagem de Fátima. Mas, como se sabe, de tempos imemoriais, que a liturgia expressa a fé e a revela (é só pensar no Arianismo e no abalo da fé na Eucaristia que tantos abusos litúrgicos causaram), e levando-se em conta a confissão de lamentáveis manobras de Mons. Bugnini, em acolhida a sugestões do Grão Mestre da Maçonaria Italiana, não se pode negar que a Liturgia, objeto do primeiro documento solene, foi gravemente comprometida por assessores conciliares.

A consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria já foi realizada?

É ainda assunto de muitas divergências, mas creio que o que se fez até agora não leva em conta as principais exigências do pedido de Maria. Entretanto, continuo confiando na sua promessa: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”.

A próxima Campanha da Fraternidade tratará do problema do meio ambiente, relegando ao ostracismo as verdades da nossa fé católica para tratar da “mãe terra” e da ideologia ecológica hoje em voga. O que pensar sobre tais campanhas?

Penso que algumas, mais do que às necessidades inadiáveis dos nossos fiéis, curvaram-se às tendências ou até exigências dos chamados meios de comunicação. Em certos casos, é mesmo gritante o desgaste de tempo, comissões, entrevistas e recursos para temas que não trouxeram nada de relevante para a nossa vida eclesial e até cívica, deixando a autêntica evangelização e formação religiosa em quase abandono.

Por fim, Excelência, fique à vontade para dirigir a nossos leitores uma mensagem final.

Dom Manoel Pestana com o fundador dos Franciscanos da Imaculada, Pe. Stefano Manelli; a ordem foi a responsável pela publicação da obra de Mons. Brunero Gherardini.
Dom Manoel Pestana com o fundador dos Franciscanos da Imaculada, Pe. Stefano Manelli; a ordem foi a responsável pela publicação da obra de Mons. Brunero Gherardini.

Que posso dizer, uma voz quase a extinguir-se, no meio da cultura do barulho, que pouco permite o silêncio necessário para ouvir e entender? Nós, católicos, precisaríamos conhecer, de fato, cada vez mais a nossa religião, que não é apenas uma entre tantas. Jesus disse:

Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.

“Os poderes da morte e do inferno não hão de derrubá-la.”

“Eu estarei convosco até a consumação dos séculos.”

Nossas igrejas terão sempre, enquanto permitirmos, Alguém à espera dos abalados na fé, dos que perderam a esperança e o rumo na vida, para confiar-nos, a qualquer momento, sem cansar: “Eu sou o Caminho (para os perdidos), a Verdade (para os enganados), a Vida (para os agonizantes, à falta de Amor e solidariedade).

Enquanto a luz do sacrário estiver acesa, sabemos que Alguém nos espera. Não estamos sozinhos. E podemos ajudar, com a graça do Senhor, a salvar os irmãos!

21 comentários sobre “Fratres in Unum entrevista Dom Manoel Pestana Filho, bispo emérito de Anápolis (Goiás).

  1. eria possível dizer que Concílio Vaticano II é responsável pela crise em que vivemos hoje?

    Não pelo Concílio, mas pelo que, desgraçadamente, se fez dele.
    O que tem de bom no CVII?

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  2. Infelizmente, muitos se aproveitaram do “espírito” do Concílio para espalhar o que ele não disse.

    E isso não vale só para os modernistas. Tradicionalistas que o digam.

    Ferreti, onde posso encontrar referência a esta fala do Cardeal Pacelli, citada na sétima pergunta?

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    1. Caro Rafael:

      “Suponha , meu caro amigo, que o comunismo seja apenas o mais visível dos órgãos de subversão contra a Igreja e contra a tradição da revelação divina, então nós vamos assistir à invasão de tudo o que é espiritual, a filosofia, a ciência, o direito, o ensino, as artes, a imprensa a literatura, o teatro e a religião. Estou obcecado pelas confidências da Virgem à pequena Lúcia de Fátima. Essa obstinação de Nossa Senhora diante do perigo que ameaça a Igreja, é um aviso divino contra o suicídio que representaria a alteração da fé, em sua liturgia, sua teologia e sua alma

      http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=pacelli_3segredo&lang=bra

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  3. “Lamentavelmente, o ambiente conturbado não permitiu, explicam, a mínima referência à Rússia e a condenação expressa do comunismo. Ora, isto era, até como condição de tempos melhores, expressamente pedido pela mensagem de Fátima”, bem disse Dom Pestana.

    O Pedido da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria foi pedido oficialmente por Dom Antônio de Castro Mayer e pelos bispos do Coetus Internationalis, aproveitando o ensejo de estarem os bispos do mundo inteiro reunidos em Concílio. Bem, sua petição… SUMIU!!

    Quanto à condenação do comunismo foi-lhe dito que o Concílio não se deteria em anátemas ou condenações. Depois, soube-se que houve um acordo Roma-Moscou para que não tocasse no assunto.

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  4. caros irmaos , muito me alegrei , quando abri esse site e encontrei a figura saudoza , de Dom pestana , um santo bispo de nosso tempo , fadigado pelo peso dos anos , continua a nos inspirar pelo exemplo e pelas palavras , rendo graças a deus por pertencer a diocese de anapolis e por o conheçer.
    gostei das obsevaçoes de dom pestana , vejo nele o anseio por ver a doutrina sagrada da igreja mais uma vez restaurada !!!!!
    ad multus annus !!!

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  5. Muito obrigado caro Ferreti.
    Bem, gostaria de deixar aqui então uma contra-pergunta:
    A mensagem de Fátima alertava sobre os crônicos abusos litúrgicos?
    E minha pré-resposta:
    Sabes que defendo o CVII, e de certa forma a reforma litúrgica, embora reconheça nesta última algo que poderia ser novamente modificado/restaurado.
    Isto posto, a alteração da fé de enorme quantidade de ‘católicos’ descrentes, com a banalização da liturgia, teologias estranhas (p. ex.: TL) e almas corrompidas no seio da Igreja poderia ser também aquilo de que falava Fátima. Isso sem perder de vista a fé humana que devemos dar a revelações privadas, e mais ainda às conclusões que se podem tirar delas (incluso a minha, óbvio).

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  6. Caro Rafael,
    Salve Maria!

    Você disse, comentando a opinião de Dom Pestana:

    “Infelizmente, muitos se aproveitaram do “espírito” do Concílio para espalhar o que ele não disse.

    E isso não vale só para os modernistas. Tradicionalistas que o digam.”

    Enquanto muitos se aproveitavam do “espírito” do Concílio, o que faziam os 2500 Bispos que participaram dele, que não defenderam, o que ele realmente disse? E o magistério, o que fez para defender o que realmente ensinou? É possível a existência de duas hermenêuticas, para um só Concílio?

    Fique com Deus.

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  7. Que bom encontrar por aqui este bispo tão querido. Tive a alegria de conhecê-lo e confessar-me com ele. Nunca esqueço-me das orientações vocacionais de amor e entrega a Igreja, o doce pedido de fidelidade ao chamado. Quanta lucidez!

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  8. Engraçado.
    Eu não vi D. Manoel Pestana, em momento algum, apodar ou apelidar seus irmãos no Episcopado, sejam eles modernistas, neoconservadores ou coisa que o valha. Deve ser assim que os santos defendem a verdade. Com a serenidade e firmeza dos que privam da intimidade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Admirável esse D. Pestana.

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  9. http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=unidade&lang=bra

    “No Concílio, empregaremos uma linguagem diplomática, [ambígua]. Depois do Concílio, saberemos tirar dessa linguagem dupla as conseqüências implícitas” (Schillebeecks à revista De Bazuin, n.16, 1965 e traduzida em Itinérairès, n. 155, 1971, p40. Apud Romano Amerio, Iota Unum, Ricardo Ricciardi editori, Milano – Napoli, 1985, p.93)).

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  10. Caríssimo Ferretti,

    Eu fico com dificuldade para compreender sobre o que Pio XII queria dizer com as “confidências da Virgem à pequena Lúcia de Fátima”. Que confidências seriam?
    Pergunto isto, pois 1936, ao que me consta, os segredos de Fátima não haviam sido revelados. A irmã [Santa] Lúcia só revelou os segredos na década de 40.
    Antes disso, o que tinha sido divulgado era o pedido de consagração da Rússia ao Imaculado Coração.
    Se os segredos não tinham sido escritos ainda em 1936, a que confidências realmente Pio XII estava se referindo?
    Ao mesmo tempo, Pio XII diz sobre as confidências: “do perigo que ameaça a Igreja”.
    Sinceramente, eu fico confuso com isso. Afinal, é como se ele já conhecesse o conteúdo do segredo.
    Abraços

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  11. No inicinho deste ano eu fiz uma visita vocacional aos Franciscanos da Imaculada.

    Na primeira fila, da esquerda para a direita: Pe. Stefano Maria Manelli, fundador do Franciscanos da Imaculada, Dom Manuel Pestana Filho, bispo emérito de Anápolis, Pe. Boaventura, superior dos Franciscanos da Imaculada no Brasil e o Pe. João Paulo, superior do convento. E atrás, o frade que segura a imagem de Nossa Senhora de Fátima é o Pe. Claro (esse nome Claro é o masculino de Clara).

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  12. Caro Eduardo Monteiro,
    Salve Maria!

    É exatamente este o ponto: De onde teria tirado PioXII esta informação? Claro, ou é mentira, ou ele de fato leu ou teve acesso ao terceiro segredo.

    A irmã Lúcia teria contado ao Papa, e o Papa comentado com os (alguns) cardeais. Não há nenhuma restrição da Virgem Maria para que a Irmã Lúcia escrevesse somente após certa data. E contar ao Papa provavelmente ela poderia.

    Um leitura fantástica e indispensável para qualquer católico que queira relacionar as aparições de Fátima com a crise da Igreja, é o livro/documentário “O Derradeiro combate do demônio” do padre Kramer.

    http://www.devilsfinalbattle.com/port/content.htm
    (voce encontra alguns capitulos para leitura)

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  13. Bem James, Santo Atanasio, São Gregório Nazianzeno, Santa Catarina de Sena, e outros eram muito mais enérgicos que D. Pestana…

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  14. Há 16 anos atrás fui ordenado sacerdote por Dom Manoel Pestana Filho. Uma graça que não vou esquecer jamais. Tive a honra de conviver com ele e posso dizer que, depois de ter conhecido muitas pessoas, “tradicionais e modernistas”, não encontrei um espírito mais católico do que o de Dom Pestana. Equilibrio que chocou ambos os lados: por sua vida de profunda espíritualidade e piedade e de outro a sua ortodoxia, sem nunca perder o senso de humor. Eu o vi várias vezes arrancar sorrisos de crianças emburradas com sua inocencia e também abalar a segurança de muitos sinicos que não puderam sustentar seus erros ante a clareza com que expunha a Doutrina Católica. Quem tiver a oportunidade corra para conhece-lo!!!

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  15. Prezado Vladimir,
    Ave Maria Puríssima!

    O que eu queria dizer é que em 1936 (data que o então futuro Pio XII declarou aquela frase) simplesmente é anterior ao momento que a Irma Lúcia escreveu o segredo. Ela só foi escrever o segredo na década de 40. E até onde sei, antes disso ela não havia contado a ninguém nem escrito. Por isso, torno a fazer a pergunta da minha mensagem anterior.

    Abraços

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