A decisão de um Papa que governa.

A nomeação de Scola demonstra a autonomia de um pontífice que escuta a todos, mas imediatamente decide. Sem se deixar influenciar pelos equilíbrios “políticos”. A análise de um experiente vaticanista.

Andrea Tornielli – Vatican Inside

Tradução: Fratres in Unum.com

O Patriarca de Veneza, Angelo Scola, foi nomeado por Bento XVI arcebispo de Milão e sucessor do Cardeal Diogini Tettamanzi. Uma designação destinada a influenciar o equilíbrio da Igreja italiana e mundial: embora Scola tenha diante de si um episcopado não muito grande, o Papa Ratzinger quis enviá-lo à diocese ambrosiana, entre as maiores do mundo em número de sacerdotes.

Fê-lo porque estima o Patriarca de Veneza, a quem conhece há 40 anos, quando ainda era um jovem sacerdote, no nascimento da revista Communio. E o fez contribuindo para derrubar um tabú, o da impossibilidade de ter um arcebispo proveniente de CL (movimiento milanês Comunhão e Libertação) na cidade que viu nascer, não sem contrastes, o movimento fundado por Don Giussiani. Fê-lo, colocando no centro das atenções a figura do Patriarca de Veneza, para o qual se lançava até mesmo a hipótese da presidência da CEI (Conferência Episcopal Italiana), designação que se esvaiu devido aos diferentes projetos da Secretaria de Estado, intencionada a colocar sob a égide vaticana os rumos das relações com a política italiana.

A nomeação, anunciada oficialmente após semanas de investigações, representa mais uma prova de que Bento XVI é um Papa que governa. Um Papa que consulta a todos, mas que ao fim decide com plena autonomia, sem deixar se influenciar. Demonstrou-o a menos de um ano com a nomeação do novo Arcebispo de Turim e o demonstra agora com a decisão de Milão.

Muitos consideram que Bento XVI tinha a idéia de nomear Scola como sucessor de Tettamanzi há muito tempo. Outros pontífices antes dele, no século passado, nomearam os arcebispos de Milão sem passar por fases normais de consultas ou sem que discutissem nem votassem os cardeais membros do dicastério que colabora com o Pontífice nestas nomeações. Ratzinger, por sua vez, quis que Milão tivesse o mesmo tratamento que qualquer outra diocese, sem atalhos. Ao mesmo tempo, alguns de seus colaboradores mais próximos da cúria romana, conhecendo a idéia do Papa, apoiaram a candidatura de Scola, por muitos dada como certa. Ao fim, foi o único nome que o Cardeal Marc Ouellet entregou à congregação dos bispos, justamente o nome que o Papa desejava.

A tarefa do novo Arcebispo de Milão não é fácil. A diocese ambrosiana atravessa um período com mais de um mal-estar, devido a duas decisões irreversíveis: o agrupamento de paróquias em comunidades pastorais, causado pela diminuição do clero, e a promulgação do novo missal ambrosiano (que introduziu na liturgia passagens das Sagradas Escrituras difíceis de serem assimiladas). Além disso, há a relação com a política. Cada vez mais, nos últimos anos, o Cardeal Tettamanzi se converteu em alvo da Lega Nord (partido do norte da Itália), que chegou a defini-lo “Imã” por suas aberturas para com os fiéis islâmicos que buscavam lugares de oração e por suas declarações em defesa dos ciganos.

De um lado, em certos ambientes políticos e culturais, alguns expoentes da grande e estruturada cúria ambrosiana temem ou esperam uma “normalização” do estilo que caracterizou os episcopados de Martini e Tettamanzi. Mas de lado, os que esperam a “restauração” arriscam sobrepor esquemas e slogans à realidade. Basta, de fato, recordar a experência pastoral de Scola em Veneza para compreender que seu episcopado milanês não será, em nada, “reacionário”. « Me empenho, disse o novo arcebispo, em desenvolver este serviço favorecendo a pluralidade dentro da unidade. Sou consciente da importancia que a igreja ambrosiana tem para os desenvolvimentos do ecumenismo e do diálogo interreligioso ».

15 comentários sobre “A decisão de um Papa que governa.

  1. “Sou consciente da importancia que a igreja ambrosiana tem para os desenvolvimentos do ecumenismo e do diálogo interreligioso ». (Angelo Scola, nomeado arcebispo de Milão).

    Digo eu: “bella roba” !

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  2. Não conheço o tal movimento “comunhão e libertação”. Eles são progressistas, tradicionais, em cima do muro??? Alguém poderia explicá-lo??

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  3. ANA,

    Bento XVI é de formação modernista e faz o possível dentro do quadro que se apresenta. Acredito que se ele usasse o chicote como Cristo fez com os vendilhões do tempo, haveria um racha na igreja, pois o cisma silencioso já existe. Ele é bem melhor do que João Paulo II, que foi e é o Papa da mídia. Outrora ( eu, o pitaqueiro) disse aqui, no frates, que um sacerdote me falou o seguinte: A Igreja parece uma Babel.

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  4. Off: gostaria de saber como faço para falar com as pessoas que coordenam o site. Enviei um email recente sobre um assunto importante e não obtive resposta até o momento.

    Se já leram meu email, mas não tiveram tempo ainda de responder; peço perdão.

    Em Jesus e Maria,

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  5. Penso que a melhor definição do reinado de Bento XVI quem deu foi o Sr. Osires.
    De fato a caminhada que o Papa vem fazendo é de fato cambaleante.
    Ora dobra a esquerda, ora se vira para direita.
    Porem a estrada é boa.
    A decepção de alguns se deu mais pela expectativa de seu governo que no inicio inspirava uma ruptura concreta e imediata com o modernismo.
    E não foi assim.
    Devemos entender que a Igreja tem o seu tempo de definir as coisas, separando o joio do trigo na hora certa.
    Nesse meio tempo devemos é estar unidos e atrelados a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse jamais abandonar a Sua Igreja.
    Sim, mas alguem pode argumentar E os hereges que vivem encastelados em Roma?
    Respondo: Se o Papa Leão XIII disse que no vaticano havia uma legião de demônios, criando com isso até uma oração a São Miguel Arcanjo, fica obvio que a convivência com os modernistas seria inevitável.
    E se até Pe Gabriele Amorth disse que ali vivem uma duzia de satanistas, que dira dos modernistas ao redor de Bento…
    A luta do bem contra o mal existe desde o nascimento da Igreja.
    E O Papa não veio romper com isso.

    Olegario.

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  6. Salve Maria!

    É preciso ter em mente que o próprio modernismo não é algo homogêneo, de modo que os modernistas de CL, moderados, geralmente são apontados pelos progressistas mais extravagantes como “conservadores”.

    Uma boa análise histórica dessa divisão foi dada pelo prof. Orlando, certa vez:

    http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=vaticano2b&lang=bra

    Se o modernismo radical de Loisy, que distingue o “Cristo histórico” do “Cristo da fé”, ainda é capaz de provocar algumas sanções para seus adeptos, como Boff, o modernismo moderado de Blondel e do Pe. Lagrange* (e posteriormente de Henri de Lubac), que faz da ordem sobrenatural uma exigência da natureza humana parece ter deixado de ser problema hoje em dia.

    Cito um caso: um sociólogo italiano chamado Salvatore Abbruzzese escreveu um livro insuspeitíssimo sobre CL no qual a ligação entre o movimento e a ala moderada do modernismo ficam patentes. Ele, inclusive, chegou a afirmar explicitamente a existência de tal ligação em uma palestra de apresentação deste livro, feita num encontro promovido pelo próprio movimento e…foi aplaudido!. Viva a “plena comunhão”, não é, Ana!

    Vale a pena ler também esse texto de um ex-membro do movimento sobre o modernismo de lá:

    http://communioettraditio.wordpress.com/2010/12/28/modernismo-giussani-e-cl/

    Leonardo Brum

    * Por favor, não o confundam com o grande teólogo Pe. Garrigou-Lagrange!

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  7. Muito bem lembrado pelo sr. Olegário quanto a composição do pequeno exorcismo peo Papa Leão XIII, e da ordem de se rezar a oração a S. Miguel contra as manifestações do demônio na sociedade (inckuindo a Igreja). A diferença é que Leão XIII mandou rezá-lo, e após o Concílio Vaticano II, caiu em desuso.

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  8. Prezado Leonardo, Salve Maria!

    Note, porém, que o Pe. Garrigou cita favoravelmente o exegeta Padre Lagrange em seu artigo de 1947 “Para onde vai a nova teologia?”, contra os neomodernistas De Lubac e sua turma.

    Note também que, na controvérsia sobre se o método histórico-crítico poderia ou não ser usado pelos católicos antimodernistas, voltando assim a própria arma dos modernistas contra esses hereges, São Pio X deu razão aos que sustentavam que poderia, sim.

    Foi o que fez com maestria o exegeta Pe. Pratt, S.J., por exemplo, que me foi recomendado justamente pelo… Prof. Orlando Fedeli. Pelo que sempre lhe serei grato.

    Por isso, incluir o Padre Lagrange entre os hereges modernistas, ainda que da mais mitigada versão da heresia, é um grande exagero!

    Abraços,
    Em JMJ,
    Felipe Coelho

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