Já mostramos que a Santa Igreja é infalível quando define solenemente verdades por si reveladas, isto é, verdades de fé e moral contidas formalmente no depósito da Revelação. Estas verdades constituem o objeto direto e primário da Infalibilidade.
Mas existem outras verdades que não foram formalmente reveladas. Elas têm, entretanto, um nexo tão íntimo com a Revelação, que são necessárias para que o depósito da fé seja conservado íntegro, seja devidamente explicado e seja eficazmente definido. Entre estas verdades estão os Decretos Disciplinares e as Leis Litúrgicas. Estão entre os objetos indiretos e secundários da Infalibilidade.
Esta tese assim globalmente considerada, não é de fé. Isto significa que quem a negar não é herege. Mas é uma tese “teologicamente certa”. Quem a negar é “temerário”.
INTRODUÇÃO: ALGUMAS EXPLICAÇÕES PRELIMINARES:
1º) Uma lei litúrgica só envolve infalibilidade quando, considerados o seu conteúdo e as suas circunstâncias, torna-se claro que ela contém uma definição infalível, isto é, que a Igreja quis servir-se deste meio para ensinar infalivelmente uma verdade. Portanto, os textos litúrgicos só envolvem a infalibilidade quando preenchem determinadas condições bem definidas e precisas.
Vejamos, então, embora resumidamente, quais são estas condições:
A) A Infalibilidade só se refere a leis e decretos promulgados para a Igreja Universal. Quando dizemos para a igreja universal, queremos significar para todo o “rito latino” que é próprio da Sé Romana, cabeça de todas as igrejas. Existe também o “rito oriental católico”.
B) A Infalibilidade só atinge os assuntos de fé e moral.
C) Trata-se somente da infalibilidade da doutrina explícita ou implicitamente contida em tudo quanto a lei prescreve: atos, palavras, atitudes etc. Ou no terreno estritamente litúrgico: orações, cerimônias, rubricas, gestos, objetos etc.
Não há infalibilidade sobre a oportunidade ou conveniência da lei. Dizem grandes teólogos, como Hervé, Tanquerey, Wernz e Vidal que, quanto a aspectos prudenciais, podem haver erros nas leis eclesiásticas universais.
Diz o teólogo Hervé (adotado no nosso Seminário): “A Infalibilidade quanto as coisas disciplinares não parece por si exigir que a Igreja sempre atinja o sumo grau de prudência”.
Tanquerey diz: “Esta Infalibilidade consiste em que a Igreja num juízo doutrinal nunca possa estabelecer uma lei universal, que seja contrária a fé (isto é, herética) e aos bons costumes e a salvação das almas (isto é, uma lei escandalosa, pecaminosa e herética também) … “no entanto, em lugar algum foi prometido a Igreja um sumo grau de prudência para promulgar as melhores leis para todos os tempos, lugares e circunstâncias”.
Nota: Este sumo grau de prudência, ou seja, uma prudência heróica, vem da santidade, como explica o Papa Pio XII ao falar de São Pio X. Portanto, feliz o povo que tem um papa santo!!!
O célebre teólogo jesuíta o Padre Goupil diz o seguinte: “Embora, distinguindo os diversos graus de certeza, aceitar-se-á filialmente os costumes piedosos e as tradições que aprova, e ter-se-á outrossim a disposição de corrigir os erros que aí possam ser encontrados.” (evidentemente onde a Igreja não empenha a sua Infalibilidade). Nós podemos acrescentar que aqui tem lugar a lei da Igreja no cânon 212.
Um exemplo: Quanto à Missa de Paulo VI, que é chamada de Missa Nova, D. Antônio de Castro Mayer dizia o seguinte: Não podemos dizer que é inválida, porque, para isso acontecer o papa teria que alterar substancialmente a matéria e/ou a forma do sacramento e do Sacrifício da Santa Missa. Neste ponto o Papa é infalível. Ele não pode mudar o que é de fé divina e/ou definida. Também, dizia ele, não podemos dizer que é herética pelos mesmos motivos, ou seja, aí entra a Infalibilidade. O Papa não pode impor a toda Igreja uma coisa que seja heresia. D. Antônio de Castro Mayer dizia que, pelas suas ambiguidades, a Missa Nova deu azo a que os inimigos internos (os modernistas) e os inimigos externos (os protestantes) dessem interpretações heterodoxas. E ele faz o paralelo com a atitude do Papa Honório I que, com relação a defesa da verdade contra os monotelitas, foi ambíguo e negligente, e consequentemente por isso, foi terrivelmente imprudente. Foi favorecedor da heresia, como tal, foi condenado pelo Papa São Leão II. Honório não ensinou a heresia, mas a favoreceu pela sua negligência. O mesmo aconteceu com a Missa Nova de Paulo VI.
Gostaria de citar aqui o cardeal Gagnon: “Não se pode entretanto ignorar que a reforma (litúrgica) deu origem (sublinhado nosso) a muitos abusos e conduziu em certa medida ao desaparecimento do respeito devido ao sagrado. Esse fato deve ser infelizmente admitido e desculpa bom número dessas pessoas que se afastaram de nossa Igreja ou de sua antiga comunidade paroquial”. É preciso lembrar que o ponto central da Reforma Litúrgica querida pelo Vaticano II foi justamente uma nova Missa. E quando dizemos Missa Nova, devemos entender todas as outras novidades que estão ligadas a ela, como por exemplo a comunhão na mão, o altar em forma de mesa e voltado para o povo, os ministros e ministras da Euccaristia etc., etc.
É preciso notar também que este cardeal Gagnon não está sozinho. Muitos outros afirmam, mais ou menos, o mesmo. E mais importante ainda é o fato de a Santa Sé não os ter censurado por suas afirmações. Pelo contrário.
Caríssimos e amados leitores, não é amor a Santa Madre Igreja, querer tapar o sol com a peneira ou voluntariamente fechar os olhos. Oh! como é triste a gente constatar que autoridades da Igreja têm os olhos e ouvidos bem abertos para se defenderem de ofensas pessoais e, no entanto, se fazem cegos e surdos voluntários diante das ofensas que são feitas a Nosso Senhor Jesus Cristo!!!
Depois destes parênteses, continuemos apresentando as condições para que as Leis Litúrgicas sejam infalíveis:
D) A quarta condição é importantíssima porque dada por Pio IX, hoje beato. Podemos chamá-lo “O Papa da Infalibilidade”. Guardai bem o que ele diz quando definiu o dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima: “O que pertence ao culto está absoluta e intimamente ligado com o objeto deste, e não pode tornar-se RATIFICADO E FIXO (grifos nossos) se este objeto for DUVIDOSO E AMBÍGUO” (grifo nosso).
Pio IX está falando de um culto universal. Mas mesmo sendo universal este culto não poderá ser ratificado e fixo (o que significa ser proposto infalivelmente), enquanto o seu objeto, no terreno dogmático, for duvidoso e ambíguo. Eis a explicação que deste texto de Pio IX, dá o célebre teólogo jesuíta o Revmo. Padre Manuel Pinto: “Importa, pois, muito saber distinguir o que é que no culto (=liturgia) se pode dizer “ratificado e fixo”ou, por outra, propriamente “lei de oração”.
Com base em dois documentos de São Pio V, o Revmo. Padre Manuel Pinto, S.J. observa: “Liturgias particulares que se mantiveram duzentos anos em comunhão com Roma, não deve facilmente presumir-se que contenham erros de fé e costumes”.
Nós observamos: Se Leis particulares que se mantiveram duzentos anos em comunhão com Roma, não foram abrogadas por São Pio V (quando canonizou o Missa de Sempre), quanto mais as leis universais com muitos séculos de Tradição como é a Missa canonizada por ele mesmo, São Pio V. Por isso que o Santo Padre Bento XVI, gloriosamente reinante, disse que a Missa de São Pio V nunca foi anulada. Hoje, depois de 30 anos, digo: na época de D. Navarro nós tradicionalistas éramos felizes. Felizes por sofrermos pela Verdade, ou seja, por amor a Jesus. Não por nossos merecimentos, mas unicamente pela misericórdia e graça divinas.
E) Quinta condição para que as leis litúrgicas sejam infalíveis: outro indicativo de infalibilidade é quando certas verdades expressas pelo culto público vão aumentando ininterruptamente sua autoridade à medida que os doutores da Igreja as vão corroborando com mais interesse e que elas vão penetrando na persuasão dos fiéis.
Nota: constatamos com clareza que é justamente o contrário que se dá com relação a Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II. E isto apesar de os modernistas serem ainda maioria na Igreja.
F) Esta sexta condição para que as leis litúrgicas sejam infalíveis, compõe-se de três regras importantíssimas. Como aquilo que, na liturgia, o Magistério da Igreja propõe à adesão dos fiéis e estes aceitam, é proposto com grau de autoridade dogmática diversíssimo conforme os casos, então devem-se seguir três regras a saber:
1ª REGRA: (geral) “O fiel deve dar a cada proposição do magistério uma adesão do grau e da natureza – nem mais nem menos – que o magistério dele exige”.
2ª REGRA: “Praticamente, só mediante o estudo teológico completo de cada uma das questões se pode determinar o grau autoritativo de qualquer ponto da liturgia, tanto histórica quanto atual”.
3ª REGRA: “Para poder arguir com absoluta certeza que uma doutrina é proposta pela Igreja como de fé divina e católica apenas pelo Magistério ordinário e universal, não basta mostrar que, no propor tal doutrina, existe unanimidade moral entre os bispos unidos com o Romano Pontífice, mas é necessário provar que eles, a propõem precisamente como de fé. A unanimidade moral deve versar sobre o fato de ser essa doutrina proposta como de fé.” (Teólogo Pe. Vagaggini).
EXEMPLOS: Seguindo estas três regras, podemos dar um exemplo de infalibilidade na liturgia: o Cânon da Missa de São Pio V; e podemos dar um exemplo de não infalibilidade : os textos da Missa Nova, enquanto tais e tomados na sua totalidade.
1º exemplo: O Cânon da Missa de São Pio V foi definido como dogma pelo Concílio de Trento. Pois, como explica o Catecismo do Concílio de Trento II, IV, § 19 -24, todo o Cânon da Missa de São Pio V é tirado das duas fontes da Revelação, ou seja, da Tradição e da Sagrada Escritura.
NOTAS: O arranjo atual das orações que formam o Cânon vem do tempo do Papa São Gregório Magno, ano 600. Mas São Gregório já encontrou o cânon praticamente formado. O que São Gregório fez, foi confirmá-lo e fixá-lo, dando-lhe assim um cunho oficial.
A ausência de São José no Cânon é mais uma demonstração da antiguidade desta parte invariável e intocável da Santa Missa de São Pio V. É, pois sabido que o culto dos santos-mártires precedeu o culto dos santos-confessores. Este foi uma consequência do culto dos santos-mártires. No Cânon há duas listas dos santos-mártires; uma antes da Consagração, e outra depois da Consagração. Logo no início da lista dos santos-mártires está a Gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Os títulos que aí a acompanham estão mostrando porque Maria Santíssima deve ser invocada no Cânon, e em primeiro lugar. E, outrossim, Maria Santíssima é Corredentora; é Rainha dos Mártires. Esteve ao pé da Cruz de Seu Divino Filho oferecendo-O e também oferecendo seu Coração Imaculado para ser transpassado por aquela espada de dor predita pelo velho Simeão. São José com certeza, morreu antes de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Santa Igreja declarou-o patrono da boa morte porque foi assistido pelo próprio Jesus e pela Santíssima Virgem Maria. Outra prova: Jesus antes de morrer entregou Nossa Senhora a São João que a levou para sua casa. “Eis aí a tua Mãe; eis aí o teu filho”.
Vou contar-vos um fato histórico muito significativo: Quando em 1847 o Papa Pio IX, hoje beato, declarou São José, padroeiro da Santa Igreja Universal, os bispos da Santa Madre Igreja pediram a ele para aproveitar e introduzir São José no Cânon da Missa.
Pio IX respondeu taxativamente: “Não, porque o Cânon é intocável”. Na verdade, São Pio V apenas canonizou as cerimônias e orações da Santa Missa; ele não inovou nada. Por isso não introduziu São José no Cânon. É claro que teologicamente seria possível, porque seria um acréscimo que não afetaria em nada a substância do Cânon. São Pio V e o Bem-aventurado Pio IX, porém, acharam por bem não modificar em nada o que vinha desde os primeiros séculos.
Foi o Papa João XXIII, beato, que introduziu São José no Cânon. É claro que o fez com a melhor das intenções. Mas, na época, lembro-me que alguns progressistas (cardeais, bispos e padres) se alegraram dizendo que “agora o Cânon não é mais intocável!!!”
Nós dizemos na Filosofia: “Quidquid recipitur, ad modum recpipientis recipitur”. O que é recebido, é recebido a modo do recipiente. Aliás, constantamo-lo nos comentários dos blogs. Quanta diversidade!!!
Vamos ver agora o exemplo de não Infalibilidade: os textos da Missa Nova, enquanto tais e tomados na sua totalidade. Num discurso que o Papa Paulo VI fez no dia 19 de novembro de 1969, referindo-se à Missa Nova, ele diz: “O rito e a respectiva rubrica por si NÃO SÃO UMA DEFINIÇÃO DOGMÁTICA; SÃO SUSCEPTÍVEIS DE UMA QUALIFICAÇÃO TEOLÓGICA DE VALOR DIVERSO, segundo o contexto litúrgico a que se referem…” (grifos nossos).
Portanto, se o próprio Papa Paulo VI declarou explicitamente que os ritos e as rubricas da nova Missa “são susceptíveis de uma qualificação teológica de valor diverso”, não parece ser possível sustentar que os textos do novo Missal, enquanto tais e tomados na sua totalidade, envolvam a Infalibilidade da Igreja.
Portanto, pelo cânon 212 temos o direito e até o dever de mostrar as falhas, omissões, ambigüidades e “sombras” do “Novus Ordo Missae”.
Ninguém, nem os bispos todos, podem exigir de nós o que o Santo Padre o Papa não exigiu e não exige.
Podemos dizer que a situação atual na Igreja é a seguinte: Vira progressista quem quiser; e vira sedevacantista também só quem quiser. Deus nos livre de ambas estas coisas!!!
Pe Élcio,
Quisera eu, que a maioria dos sacerdotes tivessem este notável saber que o senhor tem, e que poucos do clero possuem ou não se interessam em aprofundá-los, só se preocupando em falar de AMOR.
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“Vira progressista quem quiser; e vira sedevacantista também só quem quiser. Deus nos livre de ambas estas coisas!!!”
Que bom Pe. Élcio, que bom ouvir, ou melhor, ler, essa afirmação do senhor…
Por isso o melhor caminho para os padres ditos “tradicionalistas” de Campos, se não querem aderir, de fato, à FSSPX, sem querer julgá-la, é caminhar junto e sob D. Fernando Rifan que não cessa de mostrar a prudência e a fidelidade em seu pastoreio, mesmo sendo taxado de traidor e de dúbio em suas posições…
Mais claro e fiel à Doutrina milenar da Santa Igreja, que a sua Orientação Pastoral o “Magistério Vivo da Igreja”, é difícil de encontrar.
Cum Petro e sub Petrus semper!!!
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Estimado Rev. Pe. Murucci, Salve Maria!
Corrija-me o senhor, por caridade, se me equivoco, mas me parece que tem havido, sobretudo desde 1970 (ensaio “A Infalibilidade das leis eclesiásticas universais”, do Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira), confusão entre duas coisas bem distintas neste tema da infalibilidade das leis litúrgicas:
Pois os teólogos, salvo melhor juízo, concordam em distinguir DUAS modalidades da infalibilidade nesse campo:
1. A infalibilidade propriamente dita, ou infalibilidade absoluta, pela qual a liturgia vale, somente em certas condições, como proposição do objeto da fé.
Claro que a liturgia nem sempre é objeto dessa assistência infalível absoluta, que é dada ao poder declarativo do Papa somente quando ele cumpre uma série de condições, como o senhor recorda neste seu artigo.
Mas os teólogos não param aí: eles acrescentam que há também a chamada…
2. infalibilidade negativa, pela qual a liturgia não tem como ser nociva aos fiéis. Nunca.
Essa infalibilidade negativa (diferentemente da Infalibilidade absoluta, que é positiva) abrange totalmente toda e qualquer liturgia da Igreja universal, e não exige nenhuma condição especial para existir: basta, por exemplo, a mera promulgação, ato do poder canônico do Papa (e não do poder declarativo) que goza sempre de assistência prudencial infalível (diferentemente da assistência absoluta, que exige condições).
Assim, uma liturgia pode ser mais ou menos prudente, claro, mas me parece que teólogo nenhum jamais disse que poderia ser imprudente; e, como quer quer seja quanto a isto, tenho certeza de que tanto os teólogos quanto o Magistério concordam em ensinar que uma liturgia universal não tem como ser nociva aos fiéis!.
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Dois exemplos, para ajudar a compreender a distinção:
(a) Sobre aquela primeira Infalibilidade, a absoluta ou estritamente dita, São Bellarmino aconselhava o Papa:
“Se não se fizer agora uma definição formal, dever-se-ia pelo menos preceituar a todos os eclesiásticos seculares e regulares que recitassem o Ofício da Imaculada Conceição como o recita a Igreja: pois assim, sem definição, obter-se-ia o que se procura”.
(São Roberto BELLARMINO, Parecer lido na Sagrada Congregação do Santo Ofício, em presença do Papa, sobre a eventual definição do dogma da Imaculada Conceição).
Ou seja, destarte se cumpririam aquelas condições para que a liturgia exprima um dogma mesmo não tendo sido este definido ainda de modo solene. Pois, nesse caso, a liturgia seria infalível, da Infalibilidade absoluta, e atestaria assim um objeto de fé.
(b) Já o seguinte texto do Magistério trata, não desta primeira Infalibilidade, mas da segunda infalibilidade mencionada acima, a chamada infalibilidade prudencial ou negativa:
Papa Pio VI, em sua constituição Auctorem Fidei, sobre a 78.ª proposição de Pistoia: “Como se a Igreja, que é governada pelo Espírito de Deus, pudesse estabelecer uma disciplina não somente inútil e mais onerosa do que a liberdade cristã pode tolerar, mas que seria ainda perigosa, nociva, própria a induzir à superstição ou ao materialismo.” – proposição que ele condenou como “falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva aos ouvidos pios etc.”
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A declaração de Paulo VI sobre a chamada “missa nova” refere-se, como é patente, à primeira dessas infalibilidades. Aliás, ele está apenas dizendo (sobre o N.O.M.) algo que os teólogos sempre disseram de todas as liturgias sem exceção: cf. o livro do Pe. Manuel Pinto, que o senhor cita, onde há muitos exemplos de afirmações semelhantes.
A declaração de Paulo VI, porém, não se refere (seria absurdo!) à segunda modalidade da infalibilidade: ele não está “admitindo” aí que a “missa nova” possa ser nociva! (Interpretação das palavras dele, aliás, que não vejo como possa não soar assaz inverossímil, mesmo a quem não considere a teologia envolvida.)
Por isso, caríssimo Padre, que aqueles que cremos ser manifesta a nocividade da “missa nova” (a palavra “protestantizante”, quase consagrada, vem à mente) não vemos alternativa à conclusão de que Paulo VI, que o promulgou, não tinha como ser Papa.
Claro que permaneço aberto a correções, mormente do Sr. Padre, estudioso da matéria.
(A propósito, peço ao Rev. Pe. Murucci o favor de me passar seu e-mail, para eu poder lhe enviar uma longa objeção, repleta de citações de Papas e os mais diversos teólogos em apoio, respaldando e desenvolvendo essa distinção que acabo de tentar resumir aqui com a terminologia de Mons. Journet; objeção esta, que aliás permanece irrespondida, que tive a oportunidade de enviar recentemente ao Autor do ensaio que citei no início deste comentário, bem como, antes disso, ao Rev, Pe. Calderón, da FSSPX, que no IV cap. de seu livro “Candeia” segue também a mesma tese, assim como o Sr. Pe. Murucci, se não me equivoco.)
* * *
Concluo com uma citação que encontrei depois, de um grande Comentador da Suma, com a bendita distinção que me parece não ser feita pelos tradicionalistas sedeplenistas há mais de quarenta anos:
“A autoridade de governo, no Soberano Pontífice, deve ser considerada absoluta. Quando o Papa comanda, e sob qualquer forma em que ele comande, todos na Igreja devem obedecer. Mas é necessário dizer que o Papa, quando comanda, mesmo como Papa e enquanto chefe da Igreja, não pode enganar-se? Cumpre falar aqui de infalibilidade? Não pode se tratar, em todo o caso, de um infalibilidade idêntica à Infalibilidade doutrinal. Ninguém admite que o Papa, quando comanda, ordene necessariamente tudo o que há de melhor e de mais excelente para o bem dos indivíduos, dos diversos grupos, ou da Igreja inteira. Não se trata de uma infalibilidade positiva. Trata-se somente de uma INFALIBILIDADE NEGATIVA; e isso equivale a dizer que o Papa não tem como ordenar nada que vá contra o bem definitivo daqueles a quem ele se dirige. Nesse sentido, será dificílimo de não admitir que o Papa é infalível, ao menos quando se trata de leis ou de medidas disciplinares que obrigam toda a Igreja. Mas, como se vê, não se trata mais da Infalibilidade em sentido estrito”
(Rev. Pe. Thomas PÈGUES, O.P., L’Autorité des Encycliques pontificales, d’apres saint Thomas [A autoridade das Encíclicas pontifícias segundo Santo Tomás de Aquino], in: Revue Thomiste, XII, 1904, pp. 513-32, cit. à p. 520-1).
Atenciosamente,
Em JMJ,
Felipe Coelho
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Deo Gratias, é muito bom ver um assunto que era tabú na Igreja, já começa a frutificar! Que Deus nos ajude para que daqui a alguns anos a Igreja deixa esta terrível crise.
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O R. P. Elcio é um digno representante da outrora UNIÃO SACERDOTAL S. João Maria Vianney, fundada por Dom Antônio de Castro Mayer para os Padres de Campos e fiéis leigos.
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Sr. Felipe,
Não especialista no assunto. Portanto, sem pretensões de definição mas apenas a título de especulação, proponho o seguinte problema que, talvez por ignorância, me veio ao ler suas considerações.
Infalibilidade negativa: “a liturgia é sempre assistida pela infalibilidade”.
Infalibilidade positiva: “A liturgia nem sempre é assistida pela infalibilidade”.
Pergunto:
Se a liturgia nem sempre é assistida, é portanto vulnerável a imprecisões e ambigüidades nocivas. Neste sentido, parece existir uma negação da infalibilidade negativa. Entretanto, se a vulnerabilidade referida não é admissível, parece existir uma negação da infalibilidade positiva, que só se aplica em certas condições como proposição do objeto da fé, e não apenas pelo simples ato de promulgação.
Poderia elucidar a questão, ainda que proposta sem primor teológico?
Robson.
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Prezado Robson, Salve Maria!
A liturgia promulgada pelo Papa, ou por ele tolerada na Igreja inteira, essa liturgia sempre é assistida pela assistência prudencial infalível, que garante que ela não será nociva para os fiéis.
Além dessa assistência sempre presente, a liturgia pode ser assistida também pela assistência infalível absoluta, que garante que a doutrina contida nela é, não somente uma doutrina mais ou menos provável mas sempre segura e não nociva, mas, sim, uma doutrina verdadeira, infalivelmente certa, dogma de fé.
(Mas, para que a liturgia sirva assim como lugar teológico, é preciso que se preencham certas condições, nem sempre presentes. O livro do Pe. Manuel Pinto S.J. trata somente desse segundo caso de infalibilidade, não do primeiro, que vai de si.)
Uma citação que talvez ajude a elucidar ainda mais o ponto que está lhe causando dificuldade, caro Robson:
“Esses dois termos, verdade infalível e segurança infalível, não são idênticos, haja vista que, do contrário, nenhuma doutrina provável ou mais provável poderia ser dita sã e segura.” (Cardeal FRANZELIN, Tractatus de divina traditione et scriptura, 3.ed., Romae, ex typographia polyglotta S.C. de Propaganda Fide, 1882, p. 127).
Ficou mais claro? Senão, por favor, não hesite em escrever novamente!
Abraços,
Em JMJ,
Felipe Coelho
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“União Sacerdotal S. João Maria Vianney” que é hoje, graças a Deus, muito bem representada e continuada pela AASJM, fundada pelo Beato João Paulo II, de feliz memória, que teve como seu primeiro e feliz Pastor D. Licínio Rangel, padre que havia sido indicado por D. Castro Mayer, nas indicações que os Bispos fazem para Nunciatura de tempo em tempo, sobre a possibilidade de algum de seus padres serem Bispos, e hoje tem como digno e fiel Pastor, D. Fernando Rifan.
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Caro Lucas Lima, perdoe-me, mas este não é um espaço para se solicitar uma dissertação (ou apologia) sobre o sedevacantismo.
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“Vira progressista quem quiser; e vira sedevacantista também só quem quiser. Deus nos livre de ambas estas coisas!!! [2]
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Pe Élcio,
Já que o Sr. abordou a infalibilidade, por gentilza, me responde se possível, as seguintes perguntas:
1) – O concílio de trento (infalível) ANÁTEMATIZOU que celebrasse a missa no vernáculo, exceto as partes didáticas.
2) Estariam os Papas pós-conciliares e os bispos do mundo inteiro em heresia por declararem o vernáculo na celebração da missa?
3) Como resolver esse problema insolúvel?
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Muito prezado Osires, Salve Maria!
Sua pergunta não foi dirigida a mim, mas me atrevo a responder mesmo assim, citando um texto que traduzi há um tempo mas nunca publiquei:
“Quem quer que pretenda que unicamente a língua vernácula pode ser conveniente para a Santa Missa, especialmente para o Cânon da Missa, atentaria contra a doutrina irreformável da Igreja [que consta do anátema de Trento a que você se refere]. Mas isso não exclui que a Igreja possa autorizar uma Missa, e mesmo um Cânon, em vernáculo: exemplos disso existiam já no tempo do Concílio de Trento.”
Atenciosamente,
Em JMJ,
Felipe Coelho
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