Da matéria de Andrés Beltramo Alvarez para o Vatican Insider:
O bispo de Roma permanecerá no territorio mexicano por três dias, mas sua agenda será muito reduzida, sendo previsto apenas cinco atos públicos. Descansará em boa parte do tempo, para se recuperar da viagem de 14 horas que fará na sexta-feira, 23 de março, quando o avião papal deixará a capital italiana com destino ao estado central de Guanajuato.
Não seria difícil, então, encontrar um momento livre no qual se poderia inserir um breve encontro com as vítimas do fundador da Legião de Cristo, uma obra religiosa que por muitos anos gozou de grande prestígio. Mas os obstáculos a este gesto do pontífice são muitos, e de grande peso.
Entre os que sofreram os ataques de Maciel há diversas posições [sobre a ausência do encontro], emboras todas críticas. Alguns ex-legionários pensaram ser possível que o Papa recebesse as vítimas, mas rapidamente se decepcionaram. No entanto, outros rechaçaram qualquer possibilidade de se encontrar com ele.
“A verdade é que era algo esperado. Eu interpretei a recente viagem ao México do delegado pontifício (para a reforma da Legião, Cardeal Velasio de Paolis), que não se reuniu com as vítimas, como uma resposta oficial de um não encontro com o Papa”, disse ao Vatican Insider Patricio Cerda, membro da congregação por 17 anos e atualmente um dos propulsores da Associação de Ajuda às Vítimas da Legião de Cristo.
“Para mim, por um lado, é triste, porque de Bento XVI se espera mais do que o politicamente correto, se espera que seja verdadeiramente um pastor. Por outro, estão em jogo interesses de vários cardeais, inclusive o primaz do México (Cardeal Norberto Rivera Carrera), que defendeu Maciel até o fim. As vítimas diretas do fundador tampouco querem ser parte de um mero jogo midiático”, acrescentou.
E criticou ainda as palavras de [Padre Federico] Lombardi [porta-voz da Santa Sé], segundo o qual este problema não seria “sentido pela sociedade”. “Os casos reconhecidos de pederastia clerical, como o do fundador dos Leginários, foram de alcance mundial e continuam perseguindo a Igreja e a mesma instituição”, ponderou.
Com efeito, o caso de Marcial Maciel Degollado é emblemático, um escândalo de grande envergadura. Não só pelos abusos do sacerdote contra seus oito ex-alunos que, em 1998, tiveram a coragem de denunciá-lo publicamente e receberam, em troca, uma campanha de descrédito de alto impacto. Mas porque, durante anos, várias personalidades da Igreja mexicana e também do Vaticano tiveram conhecimento das acusações, mas simplesmente as ignoraram.
O caso está longe de se tratar de um simples episódio de pederastia. O sacerdote teve uma vida dupla, e até tripla. Por um lado, construiu uma congregação religiosa modelo e adquiriu o apoio de altos prelados, enquanto, por outro, cometeu diversos abusos sexuais, fez uso sistemático de drogas e teve amantes com as quais teve filhos.
Foi um verdadeiro choque quando, em maio de 2010, o Vaticano declarou que “os gravíssimos e objetivamente imorais comportamentos do padre Maciel, confirmados por testemunhos inquestionáveis, representam, em alguns casos, verdadeiros crimes e manifestam uma vida sem escrúpulos nem autêntico sentimento religioso”.
O reconhecimento formal dos abusos do sacerdote mexicano se converteu na conclusão simbólica do processo iniciado em 1998, quando um jornal do sul dos Estados Unidos difundiu pela primeira vez o testemunho das vítimas.
Desde aquele momento, e durante os anos seguintes, o caso Maciel foi motivo de divisão, a pedra de escândalo para a Igreja no México. Uma sombra que se estendeu até a Santa Sé e até mesmo a João Paulo II. Atualmente, interpela o próprio Bento XVI que, em maio de 2006, obrigou o sacerdote a se retirar em “uma vida de oração e penitência, afastado de todo ministério público”.
Nem depois desta sanção e da morte de “Nuestro Padre” (como o chamavam seus seguidores) os bispos mexicanos pronunciaram um claro “mea culpa”. Nem sequer aqueles que o defenderam. Pelo contrario, sua figura se tornou inconveniente, embaraçosa. Por outro lado, as vítimas se converteram, lentamente, nos principais acusadores – duríssimos – da Igreja.
Encabeçadas por José Barba Martín, agora se preparam para dar um novo golpe, em plena visita papal ao México. No sábado, 24 de março, enquanto Bento XVI descansa na residência do Colégio Miraflores de León, eles apresentarão na mesma cidade o livro “A vontade de não saber”. Trata-se de uma compilação de 212 documentos supostamente em poder da Congregação para os Religiosos da Santa Sé e que demonstrariam o acobertamento institucional dos delitos do fundador dos Legionários.
Excluindo da agenda papal no México o possível encontro com os abusados por Marcial Maciel, a Sé Apostólica deixará nas mãos deles mesmos o “monopólio” de um assunto capaz de criar numerosos problemas. E perderá a oportunidade de sair definitivamente de baixo da sombra do indigno fundador. Porque no futuro todos poderão reclamar que o Papa ignorou as vítimas. E terão razão.