Apresentamos a tradução da preleção de Monsenhor Brunero Gherardini no Congresso sobre o Vaticano II realizado em Roma, em dezembro de 2010, pelos Franciscanos da Imaculada.
Por Monsenhor Brunero Gherardini
Fratres in Unum.com | Com a generosa contribuição de Gederson Falcometa – Era uma vez a ave Fênix. Todo mundo falava dela, mas nunca ninguém a havia visto. E hoje há uma versão sua aggiornata, da qual todos também falam e ninguém sabe dizer do que se trata: chama-se Pastoral.
1 – A Palavra – Sejamos bem claros: a palavra em si não é um problema, sendo evidente a sua derivação de pascere: verbo que vem do latim pabulum (pasto, alimento), da qual surge uma família não muito numerosa, mas bem identificável em seus componentes: pascere, precisamente, no sentido de conduzir à pastagem e dar de comer; pastum, do qual uma clara tradução é o italiano pasto [alimento, comida], mas que também pode se traduzir com cibo [pasto, comida] ; pastor, indicando que conduz ao pabulum, dá alimento e mantém rebanhos e manadas. Pastor se torna, por sua vez, o pai de pastoricia ars, em italiano pastorizia, ou a arte de quem cria animais; de pastura, com o significado de pasto aberto, e de pastu — ou pastoral, já presente no latim tardio para descrever o “vestuário, os alimentos, os costumes, a linguagem do pastor. Não descende, todavia, a pasteurização, ou procedimento de conservação de elementos líquidos, como o leite, porque a palavra vem do francês pastoriser, derivando por sua vez de L. Pasteur (1822-1895), seu inventor.
[…] [O termo] Pastoral entrou cedo no jargão eclesiástico, para qualificar três das cartas paulinas, ou a atividade dos evangelistas e de seu ensino, ou as insígnias episcopais, como o anel, o báculo, as cartas. Mais recente, mas não moderno, é o uso de pastoral em referência à teologia e com abordagem não-dogmática; originalmente, de fato, foi anti-dogmático. Aos que desconhecem o jargão eclesiástico, no entanto, um homem da média cultura muito facilmente associará pastoral à mocinha da poesia arcádica, à composição poética de origem provençal e de conteúdo amoroso, à écloga virgiliana, à tragédia “Aminta” de T. Tasso e à música de caráter simples e terno, com específica tipificação na “sexta” de Beethoven.
2 – O termo no Vaticano II – Depois de um espectro semântico de tal amplitude, a alusão à desconhecida e invisível ave fênix poderia parecer insustentável por evidente contradição. A não ser que o condicional “poderia” esteja neutralizado pela ausência, nos documentos conciliares, de uma razão suficiente que o justifique. Digo “razão suficiente”, porque se dissesse que nos documentos conciliares está ausente a “palavra”, daria demonstração de uma ignorância crassa e imperdoável do Vaticano II. A “palavra” não só existe, mas é abundante; na realidade, caracteriza o Vaticano II em sua especificidade de Concílio ecumênico diante dos vinte Concílios que o precedem. O Vaticano II fala, de fato, de ação pastoral em gênero, e mais diretamente de atividades pastorais; identifica várias necessidades pastorais e, diante delas, pede a instituição e a recíproca colaboração de vários subsídios pastorais, não deixando de assinalar entre estes o planejamento e organização de “cursos, congressos, centros com bibliotecas conexas destinadas aos estudos pastorais, a serem confiados a pessoas altamente capazes”. A fim de expandir no mais amplo raio possível a sensibilidade pastoral e os conhecimentos conveninentes, o Vaticano II obriga os bispos a “estudar isoladamente ou em nível interdiocesano o melhor sistema” que assegure aos presbíteros, “sobretudo alguns anos após sua ordenação”, o adequado aprofundamento dos métodos pastorais. Dado que uma forte contribuição para a ação apostólica da Igreja pode vir também dos leigos, o Concílio convida aos bispos a escolher “sacerdotes dotados das qualidades necessárias e convenientemente formados”, que, por sua vez, dêem uma formação adequada aos leigos para então confiar suas especiais tarefas de ação pastoral. E porque “a unidade de propósito entre padres e Bispo torna sempre mais fecunda sua atividade pastoral”, encoraja-se uma periódica reunião do clero, estendida também a outros membros do organismo eclesial, “para tratar de questões pastorais”.
Às Conferências Episcopais de cada nação, recomenda-se calorosamente a atenção e promoção da formação pastoral do clero mediante “institutos pastorais em colaboração com paróquias oportunamente escolhidas, congressos periódicos, exercícios apropriados”. Não se podia evitar um chamado à “competente autoridade eclesiástica territorial” para o estabelecimento de um instituto “de pastoral litúrgica” que se valha de “especialistas em liturgia, música, arte sacra e pastoral”.
Estes dados demostram que a ave fênix está em casa no Vaticano II, mas o Vaticano II não disse o que é ou quem ela é.
Aquele que “governa e apascenta o povo de Deus” é, ademais, instigado a encarnar o Bom Pastor “que dá a vida por suas ovelhas (Jo 10:11)” e a seguir “o exemplo daqueles padres que também em nosso tempo não hesitaram a sacrificar-se a si mesmos pelo próprio rebanho”. Em suma, ao exortar o clero a se fazer dia após dia instrumento de um serviço sempre mais idôneo para o povo de Deus, o Vaticano II declara explicitamente que a sua finalidade pastoral se compromete com “uma renovação interna da Igreja, a difusão do evangelho em todo o mundo e no estabelecimento de uma relação dialógica com este”. Uma tal finalidade corresponde, evidentemente, a uma ideia de fundo, a uma noção de pastoral ao menos rudimentar e tão logo ofuscada: relação dialógica com o mundo da parte de uma Igreja renovada em seus métodos de evangelização e de apostolado. Aqui, um pouco vagamente, a ave fênix começa a se fazer conhecida.
Tal e tamanha insistência não surpreende. É, antes, um sinal de docilidade e fidelidade às linhas mestras que o Papa Roncalli, em 11 de outubro de 1962, apresentou aos Padres abrindo oficialmente a grande Assembléia conciliar: ao colocar a doutrina em primeiro lugar nos trabalhos conciliares, diversificou sua metodologia com relação ao passado. Antes, a Igreja não evitava a condenação, severa e firme. Hoje, à severidade prefere o remédio da misericórdia. Para o Papa Roncalli, então, especialmente diante de uma humanidade presa a tantas dificuldades, a Igreja deveria mostrar o rosto bom, benévolo, paciente da Mãe, fomentar a promoção humana expandindo os espaços da caridade, difundir a serenidade, paz, harmonia e amor. Desta forma, as características da ave fênix, embora permanencendo ainda indefinidas, se confundem com as da mãe paciente e boa.
Confirmando a orientação de Roncalli, o Papa Paulo VI, na homilia de 07 de dezembro de 1965, por ocasião da nona sessão do Concílio, declarou que a Igreja traz em seu coração, junto com o reino dos céus, o homem e o mundo, e mais, está toda a serviço do homem e do mundo, sendo íntima a ligação entre a religião católica e a vida humana, a ponto que a religião católica pode se dizer a própria vida do homem e do gênero humano graças à sua sublimedoutrina, ao cuidado materno com que acompanha o homem ao seu fim último e aos meios que lhes dá para que possam alcançá-lo. Enésima declaração de propósitos pastorais que, mantendo-se dentro dos limites do genérico, ainda não revelam o rosto ou as feições da ave fênix.
No entanto, não há nenhuma dúvida e nenhuma discussão sobre a pastoralidade do Concílio. O Vaticano II não foi, apenas porque não deveria sê-lo, um Concílio dogmático e, considerando tudo, nem mesmo disciplinar. Quis apenas ser pastoral. E mesmo assim, apesar das muitas intervenções internas e externas, o verdadeiro significado de sua declarada pastoralidade ainda está debaixo de um nevoeiro.
3 – Um conceito não definido – Pouco acima, indiquei as facetas da pastoralidade conciliar. A pastoral como adjetivo qualificativo ou como adjetivo substantivado dá, na verdade, dezenas e dezenas de voltas. Nenhuma, porém, para lhes dar, senão a definição, ao menos um indício de explicação. Reconheço que, analisando criticamente as diversas declarações, é possível ter uma vaga idéia; mas, no entanto, não seria uma expressão direta do ensinamento conciliar.
O exemplo mais probatório é dado pela Gaudium et Spes, qualificada como “Constituição Pastoral”, sendo inteiramente um fermento intelectual e proativo em favor do homem, da sua liberdade e dignidade, da sua presença na família, na sociedade, na cultura e no mundo, com o objetivo de conferir à vida privada e pública um sopro e uma dimensão à medida do homem. A união das duas palavras-chaves – Constituição Pastoral – é a mais recente novidade de todo o Vaticano II; o foi para os próprios Padres conciliares que, antes de aprová-la, discutiram várias outras denominações. A única justificativa para a união está na nota que acompanha o incomum documento, definido como “pastoral” seja porque, “baseado em princípios doutrinais, pretende apresentar a atitude da Igreja em relação ao “mundo e aos homens de hoje”, ou porque atitude e princípios doutrinais permeiam um ao outro. Se deveria inferir que a atitude em questão é sempre a aplicação e a tradução prática dos princípios doutrinários. Mas permanece um problema, a descobrir a origem: talvez dos princípios sociológicos, políticos, econômicos, mas, pelo menos diretamente, não dos princípios evangélicos.
A referência ao homem e ao mundo recorda de ambos a finitude original, a condição de criaturas, a temporalidade, o dinamismo, o constante evoluir, sobre o quais paira a espada de Dâmocles de uma sempre possível involução. Isto evidencia suas condições variáveis e contingentes, mas também a problematicidade da aplicação prática desses princípios doutrinais que são em grande parte absolutos irreformáveis.
Também a nota adverte uma tal aporia e a assinala; mas não a resolve. Antes, a complica no exato momento no qual estabelece que “a Constituição deverá ser interpretada segundo as normas gerais da hermenêutica teológica, tendo em conta… as circunstâncias mutáveis intrinsecamente conexas às matérias tratadas”. Na realidade, se a pastoral devesse consistir nesse balé de dizer sim-e-não, uma definição sua seria impossível. Diz-se que ao contingente vai aplicada a indiscutibilidade da doutrina; mas se essa aplicação reduzisse a doutrina à contingência, ou tornasse indiscutível e absoluto o contingente, perverteria um e outro elemento: o sim de mãos dadas com o não. Compreendo porque, já na Aula conciliar, Gaudium et Spes foi o texto mais discutido e mais obstaculizado, para o qual pouco valeu a sua designação a comissões e subcomissões, como também a passagem por bem quatro reformulações: a dificuldade, para chegarmos no limite da presunção, está na afirmação simultânea do sim e do não.
E talvez dependesse desta aporia não resolvida a problemática que ainda acompanha, após cerca de meio século de pós-concílio, todo discurso sobre a pastoral. Na prática, ela serve para legitimar um pouco de tudo e o seu próprio contrário. As duas hermenêuticas conciliares, as quais frequentemente se referiu a análise do Santo Padre, aquela que faz do Vaticano II o início de um novo modo de ser Igreja e aquela que, pelo contrário, o conecta à Tradição eclesial vivente, são ambas legitimadas pela aporia não resolvida. Nas duas hermenêuticas, na realidade, o Vaticano II:
- assume, no âmbito doutrinário, a aparência e o valor de um Concílio dogmático: uma [corrente] faz dele um super Concílio, enquanto a outra faz dele a síntese doutrinal de todos os concílios precedentes;
- no âmbito pastoral, ele surge como um recipiente sem diferenciação pela sua própria qualidade de pastoral, uma espécie de “franco atirador” ao qual, por razões pastorais, é concedido dizer simultaneamente o sim e o não.
Se impõe, sobre este ponto, um juízo sereno e objetivo sobre a qualidade geral do Vaticano II, que apressada e ingenuamente foi encerrado na área pastoral.
4 – Os quatro níveis do Vaticano II – Quem tem familiaridade não só com a Gaudium et Spes, mas com todos os dezesseis documentos conciliares, tem consciência de que a variedade temática e a co-respectiva metodologia colocam o Vaticano II sobre quatro níveis, qualitativamente distintos:
- o genérico, do Concílio ecumênico enquanto Concílio ecumênico;
- o específico, do âmbito pastoral;
- o nível do evocar outros Concílios;
- e os das inovações.
No âmbito genérico, o Vaticano II satisfaz todas as condições para ser um autêntico Concílio da Igreja Católica; o 21º da série. Provém dele um magistério conciliar, isto é, supremo e solene. O que, por si mesmo, não depõe pela dogmaticidade e infalibilidade de suas assertivas; antes, nem mesmo a comporta, tendo, de início, afastado-a de seu próprio horizonte.
No âmbito especifico, a qualificação de pastoral lhe justifica os vastíssimos interesses, dos quais não poucos excedem o âmbito da Fé e da teologia: por exemplo, a comunicação social, a tecnologia, o eficientismo da sociedade contemporânea, a política, a paz, a guerra, a vida econômico-social. Mesmo este nível pertence ao ensinamento conciliar e é, então, supremo e solene, mas não pode reivindicar, pela matéria tratada e pelo modo não dogmático de tratá-la, uma validade por si infalível e irreformável.
A evocação de alguns ensinamentos dos Concílios precedentes constituem o terceiro nível. É uma evocação por vezes direta e explícita (LG 1: “praecedentium Conciliorum argumento instans”; LG 18: “Concili Vaticani primi vestigia premens”; DV 1: “Conciliorum Tridentini et Vaticani I inhaerens vestigis”), por vezes indireta e implícita, que recorda a verdade já definida: por exemplo, a natureza da Igreja, a sua estrutura hierárquica, a sucessão apostólica, a jurisdição universal do Papa, a encarnação do Verbo, a redenção, a infalibilidade da Igreja e do magistério eclesiástico, a vida eterna dos bons e a eterna condenação dos maus. Sob este aspecto, o Vaticano II goza de uma incontestável validade dogmática, sem ser por isso um Concílio dogmático, sendo sua uma dogmaticidade de reflexo, própria dos textos conciliares citados.
As inovações constituem o quarto nível. Se olharmos para o espírito que guiou o Concílio, seria possível afirmar que o Vaticano II foi todo ele um quarto nível, animado como era de um espírito radicalmente inovador, mesmo onde buscava o seu enraizamento na Tradição. Algumas inovações são, porém, específicas: a colegialidade dos bispos, o absorvimento da Tradição na Sagrada Escritura, a limitação da inspiração e inerrância bíblica, as estranhas relações com o mundo hebraico e islâmico, o irromper da assim chamada liberdade religiosa. Por fim, é muito claro que, se existe um nível ao qual a qualidade dogmática absolutamente não é reconhecível, é propriamente este das novidades conciliares.
5 – Conclusão – A adesão ao Vaticano II é, pelo acima exposto, qualitativamente distinta. Enquanto todos os quatro descritos níveis exprimem um magistério conciliar, todos os quatro colocam ao individuo e à comunidade cristã-católica o dever de uma adesão que não necessariamente será sempre “de Fé”. Esta só vale para as verdades do terceiro nível e apenas enquanto provêm de outros Concílios, seguramente dogmáticos. Aos outros três níveis, é necessário reservar uma religiosa e respeitosa acolhida, até que qualquer uma de suas assertivas não se choque contra a perene atualidade da Tradição por evidente ruptura com o “eodem sensu eademque sententia” de qualquer variante formal sua. O dissenso neste caso, particularmente quando sereno e fundamentado, não caracteriza nem heresia, nem erro. Quanto ao segundo nível, aquele pastoral, como observei na nota n.19, é necessário pensar que os Padres conciliares não conheceram a hipoteca iluminista paga por eles mesmos com a abertura do Concílio a uma pastoral que, desde o começo, segundo a lógica iluminista da qual dependia, havia expulsado a Deus para substituí-lo pelo homem e por vezes para identificar no homem o próprio Deus. Foi, de fato, a pastoral do século XVIII quem deu as costas para as motivações, as fontes, os conteúdos e o método da teologia dogmática. E para abrir as portas da fortaleza teológica ao primado do natural, do racional, do temporal e do sociológico.
Com isto não digo, absolutamente, que a pastoral do Vaticano II seja a mesma pastoral do século XVIII. Mas seria ingênuo ou desinformado quem, para não afirmar-lhe a identidade, negasse todo o seu parentesco. Também no Vaticano II a matriz da pastoral permaneceu aquela iluminista, embora diversamente expressa e motivada. Coube a Paulo VI retirá-la da areia movediça do iluminismo e, na abertura do segundo período conciliar, transferí-la para uma esfera romântica, para fazer dela “uma ponte para o mundo contemporâneo”, comunicando a ele “a sua vitalidade interior… como fenômeno vivificante e instrumento de salvação do próprio mundo”. A ave fênix tornava-se assim uma ponte, um coeficiente de vida, um instrumento de salvação. Sem perder, porém, o seu parentesco com a matriz iluminista, através da inspiração neomodernista dos seus apoiadores. Não à toa, a partir de uma teologia pastoral assim entendida tem origem a secularização que, mais tarde, triunfará na presente fase pós-conciliar. E se da ignorância dos seus precedentes depende a indecisa noção de pastoralidade, de seu originário parentesco com eles dependeria o absurdo da dogmática de um concílio que se auto-definiu simplesmente pastoral. A ave fênix, dessa forma, revela o seu rosto. Somando tudo isto, teria sido melhor se ela tivesse continuado a escondê-lo.
Brunero Gherardini
Acho estranho dizer que “o mundo está dentro da Igreja” ou coisa parecida. Jesus disse claramente no seu último discurso no Evangelho segundo São João que “o mundo não pode receber o Espírito Santo porque não O conhece nem pode conhecer”. E depois pede por nós ao Pai mas sem que sejamos retirados do mundo. A única conclusão é que o mundo deve entrar na Igreja para ser convertido e de que devemos estar no mundo, porém, sem sermos do mundo. E no mesmo Evangelho Jesus repete 11 vezes que o mundo O odeia e que também odiará os seus discípulos. Aqui, para mim, existe todo óbice à inculturação da Igreja, porém, uma exigência de que as culturas sofram a injeção do cristianismo no aproveito do que veio naturalmente de Deus. Ou seja, algo ou alguém não deve entrar senão para se converter ou se já convertido e, assim, tudo deve sair da Igreja e ser colado para sempre. É o caminho inverso do ecumenismo atual propiciado pela liberdade religiosa que inclui a de consciência mesmo antes de formada e informada, já que nossa consciência (como a das nações) sempre seria e será informada pela medicina (infalível) de Deus, como está no último versículo do Apocalipse. Houve um erro de foco desde a abertura do concílio.
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Aqui sim vai uma contribuição louvável para o Ano da Fé.
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Prezados,
tenho uma duvida recorrente. Leio, leio e me parece que algo que deveria ser simples, não é.
O Concílio Vaticano II é infalível ou não? Li na Monfort que não, porque é pastoral, exaustivamente provado que é pastoral. Mas por fim, talvez pastoral não seja oposto de infalível!.
Pelo seguinte. O Concílio Vaticano II é no mínimo magistério ordinário. Como foi dos bispos do mundo inteiro reunidos e foi aceito por toda a Igreja, é no mínimo magistério ordinário e universal. Portanto, infalível, segundo o Concílio Vaticano I, também infalível. Isto, sinceramente, é mais absolutamente crível do que em heresias, que requerem algum grau de conhecimento teológico.
Parece que há um consenso em todo o mundo “tradicionalista”que o Concílio Vaticano II e o magistério posterior contém erros. Isto é uma contradição que não sei como reslolver.
Se alguém puder postar o “estado da arte da questão”, em socorro, fico imensamente agradecido.
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Prezado Flávio,
O Concílio Vaticano II não é Infalível, mas não pode falhar sendo herético. Que o Concílio Vaticano II não pode ser herético, é Dogma de Fé. Diríamos que as falhas do Vaticano II não podem constituir heresias.
A Igreja Católica nunca ensinou, não ensina, e nunca vai ensinar heresias.
Dessa forma, mesmo quando o ensinamento pode conter falhas, essas falhas não podem ser heresia. Heresia é um tipo de falha, mas nem toda falha é heresia.
Espero que essas citações te ajudem a compreender melhor a verdade da questão:
“Pois, o Magistério da Igreja, por decisão divina, foi constituído na terra para que as doutrinas reveladas não só permanecessem incólumes perpetuamente, mas também para que fossem levadas ao conhecimento dos homens de um modo mais fácil e seguro.”(Pio XI, Mortalium Animos, n.15).
Peço que repare o “permanecessem incólumes perpetuamente”.
“Pois, a mística Esposa de Cristo jamais se contaminou com o decurso dos séculos nem, em época alguma, poderá ser contaminada, como Cipriano o atesta: “A Esposa de Cristo não pode ser adulterada: ela é incorrupta e pudica. Ela conhece uma só casa e guarda com casto pudor a santidade de um só cubículo” (De Cath. Ecclessiae unitate, 6).”(Pio XI, Mortalium Animos, n.16).
“E como a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja [Mt 16,18] não pode ser vã, os fatos a têm confirmado, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e santa a doutrina. Por isso, não desejando absolutamente separar-nos desta fé e desta doutrina, […] esperamos merecer perseverar na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a religião cristã”(Solene Profissão de Fé do IV Concílio de Constantinopla).”(Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus, cap. IV).
Peço que repare o “na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e santa a doutrina” e o “na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a religião cristã”.
“Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos.”(Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus, cap. IV).
Peço que repare o “conservassem santamente”. Se o Magistério da Igreja pudesse ensinar heresia, então é claro que ele não conservaria o Depósito da Fé.
O Concílio (Vaticano I) diz que o Magistério do Papa, que é o fundamento do Magistério da Igreja, conserva o Depósito da Fé (revelação herdada dos Apóstolos)!!!
Todos os Ensinamentos Não-Infalíveis da Igreja não podem ser falhas de heresia, isto é, não podem ser heréticos, ainda que possam ser falhas prudenciais ou não sejam absolutamente seguros. Não existe Pastoral Herética aprovada e promulgada pela Igreja!!!
É preciso, ainda, tomar muito cuidado quando se critica uma falha em alguma Intervenção (Ensinamento) do Magistério da Igreja.
Disciplina não é Ensinamento Infalível, no entanto, olha o que diz o Magistério sobre isso:
“pela generalidade das palavras compreende e submete ao exame prescrito até a disciplina constituída e aprovada pela Igreja – como se a Igreja que é governada pelo Espírito de Deus pudesse constituir uma disciplina não só inútil e mais onerosa do que o suporta a liberdade cristã, mas também perigosa, nociva e que induza à superstição e ao materialismo – é falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva aos ouvidos pios”, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus pelo qual ela é governada, e pelo menos errônea”(cf. Papa Pio VI, Const. Auctorem fidei, condenação dos erros do Sínodo de Pistóia, jansenista, Denz. 2678, apud. Dom Fernando Arêas Rifan, Orientação Pastoral “O Magistério Vivo da Igreja”).
Demonstrada a Ortodoxia do Vaticano II, não se pode parar por aí, é ainda necessário que se dê ao Vaticano II a adesão que lhe é devida, assim como é necessário que se dê ao Magistério do Papa reinante a adesão que lhe é devida, pois o Dogma manda:
“E a ela [à Igreja Romana] devem-se sujeitar, por dever de subordinação hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao regime da Igreja, espalhada por todo o mundo”(Pastor Aeternus).
Isso significa que se a Santa Sé insiste que se tem que aceitar determinada Pastoral, não há outro caminho que mantenha a comunhão.
Não posso me alongar mais neste espaço, qualquer coisa fique a vontade para me enviar e-mails:
vitorjosefaria@yahoo.com.br
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Não tenho autoridade nem capacidade de resolver um problema tão grave quanto o gerado pelo Concílio.
No entanto, a título de colaborar com a discussão, vejo que um católico – para ser católico – tem de crer e aderir a todos os dogmas definidos pela Igreja, pelos Papas e pelos Concílios anteriores. Mas o Concílio Vaticano II não definiu nenhum dogma.
Portanto, em se definindo como “pastoral”, o concílio pretende ensinar a forma de agir e pensar em relação aos dogmas e todas as verdades de Fé. É mais uma questão comportamental e disciplinar do que de Fé e Doutrina.
Dessa maneira, embora não haja salvação fora da Igreja, o Concílio pede que se deixe de acusar os erros das demais religiões, e se use os fragmentos de Verdade que existem nas mesmas para atraí-los para a Fé Católica. Assim, as pessoas fora da Igreja poderiam ser salvas pela sua religião APENAS se essa as levasse a aderir a Fé Católica. O Concílio pretende, na verdade, que haja um diálogo água-com-açucar que não condene os erros que separam, mas ressalte as verdades comuns (ainda que poucas) nas diversas confissões, com a romântica esperança de que todos virariam católicos se ela fosse uma grande Mãe (Joana).
Outro exemplo é a colegialidade dos Bispos. É de Fé que o Papa é o soberano da Igreja, e detém, sozinho, as Chaves de Pedro e a superioridade hierárquica em relação a todos os outros católicos. O Concílio pede, no entanto, uma participação maior dos Bispos nesse governo, mas sempre dependendo do poder que apenas o Sumo Pontífice possui. Na palavra, não contraria dogma algum. Mas sabemos que na prática isso enfraqueceu o papado, especialmente com a criação das CNBs.
Quanto a liberdade religiosa, ao que me consta, não há dogma de Fé que obrigue um católico a crer que outra pessoa não possa escolher a religião segundo sua vontade. É diferente uma pessoa ser livre para escolher sua religião, e uma religião ser livre para escolher as pessoas. Assim, a questão da liberdade religiosa me parece mais uma questão política ou disciplinar, que poderia ser lida como tolerância religiosa. Isso está intrinsicamente ligado a ascenção do “Estado laico”: se os países não são mais confessionais católicos, então a busca por uma liberdade religiosa se torna necessária para proteger a própria Igreja. Essa é a triste realidade.
Portanto, a discussão sobre os erros do concílio não se dá no nível de heresia ou dogma. Os erros que se discutem são relativos aos pedidos que o Concílio faz aos católicos quanto ao seu comportamento e seu pensamento, e se esses levam os católicos não agir conforme a Tradição: é bom e correto deixarmos de acusar os erros dos hereges? É bom permitir que as religiões arrebanhem “fieis” livremente? É melhor que os Bispos participem do poder do Papa?
Qualquer católico poderia responder tanto sim quanto não para qualquer uma dessas questões, sem deixar de ser católico, pois não estaria negando nenhum dogma de Fé. No entanto, pode facilmente estar no erro, uma vez há apenas uma resposta certa – que ainda é aguardada para pôr fim a confusão reinante.
Enquanto o Papa não dá a resposta definitiva, podemos obtê-las observando o atual Inverno Conciliar.
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