Da entrevista à agência Zenit do intrépido Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Maria Santíssima em Astana, Cazaquistão, sobre a nova Catedral de Karaganda, arquidiocese da qual foi bispo auxiliar até o ano passado. Dom Athanasius, já conhecido dos leitores de Fratres in Unum, coordenou a construção dessa nova Catedral dedicada a Nossa Senhora de Fátima: um verdadeiro exemplo de como a Arte Sacra pode e deve ser um poderoso instrumento na propagação da Fé, em tempos em que novas construções esdrúxulas desprezam o Belo em nome de uma falaciosa adaptação aos tempos hodiernos.
Qual é o significado histórico e espiritual da construção desta catedral em Karaganda?
A primeira razão é esta: termos uma catedral num local mais digno e visível. Na verdade, a diocese de Karaganda utilizava até aos dias de hoje um edifício que tinha sido construído ainda durante os tempos da perseguição, encontrando-se este edifício nos arredores da cidade, além de não se reconhecer exteriormente que é uma igreja.
Um catedral situada num local mais central e construída num estilo de tradição inconfundivelmente católica, isto é, o estilo neogótico, vai ser um sinal silencioso mas poderoso, e um meio de evangelização, num mundo em que os católicos são cerca de 1 ou 2% da população, e em que a maioria da população é muçulmana, com uma minoria forte de ortodoxos. Quanto ao resto, uma parte considerável da população não pertence a qualquer religião, são pessoas em busca de Deus.
A arquitectura da catedral, e o mesmo se diga dos objectos no seu interior, tudo foi feito com o maior cuidado possível, para que expressem uma verdadeira beleza artística, e ao mesmo tempo a sacralidade e o sentido do sobrenatural. Tudo isto é adequado, tanto para incitar o sentimento religioso e da fé nos fiéis e em todos quantos a visitem, como para exprimir o acto de adoração da Santíssima Trindade. E, por conseguinte, tudo se torna assim adequado para vir facilitar a execução do primeiro mandamento, que é a finalidade última da criação: a adoração e glorificação de Deus.
Mas o significado histórico e espiritual tem ainda esta outra dimensão: a nova catedral é um lugar sagrado em memória das inúmeras vítimas do regime comunista, já que perto de Karaganda existia um dos maiores e mais terríveis campos de concentração – chamados Gulag –, no qual sofreram pessoas pertencentes a mais de 100 etnias diferentes. Assim, a nova catedral será ao mesmo tempo um santuário para orações de expiação pelos crimes do regime ateísta e comunista.
A beleza arquitectónica, as obras de arte, o órgão desta nova catedral são também um meio de promoção cultural.
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A arte é seguramente um instrumento de evangelização eficaz, como nos recorda o Magistério, e o Santo Padre insta-nos e encoraja-nos para que a usemos. Pode contar-nos a sua experiência de promotor de obras, que tanta arte e tanta beleza quis na sua diocese como sinal do testemunho da fé católica?
A construção de uma nova catedral com uma estética verdadeiramente sacra e recheada com obras de arte é também uma proclamação daquele que é o primeiro dever da Igreja: dar a Deus, a Deus encarnado, o primeiro lugar, um lugar visível, pois Deus fez-se visível com a Encarnação e na Eucaristia; dar a Deus o primeiro lugar também no sentido de oferecer a beleza artística em sua honra, pois é Deus o autor de toda a beleza e merece receber em sua honra, da parte dos fiéis, obras verdadeiramente belas.
Além disso, uma catedral como esta pode ser uma concreta manifestação do terno amor de uma comunidade fiel, a esposa de Cristo, para com o Corpo de Cristo, que, em certo sentido, oferece em honra deste mesmo Corpo de Cristo a prodigalidade da mulher pecadora, que em honra de Cristo ofereceu aquele vaso de perfume precioso cujo preço era extraordinariamente grande («mais de trezentos denários», cf. Mc 14, 4). A fim de ungir o corpo de Cristo, a mulher pecadora gastou uma soma de dinheiro com a qual poderia sustentar uma família ao longo de um ano inteiro. As pessoas presentes indignaram-se diante de tamanho desperdício. Jesus, porém, louvou este santo desperdício dizendo: «Fez para comigo uma obra boa» (Mc 14, 6). Também hoje se deve continuar a fazer o “santo desperdício” para com Jesus.
Já visitaram a nova catedral muitas pessoas. Na maioria foram pessoas não católicas, e até mesmo não cristãs. Foram atraídas pela beleza e exprimiram de modo claro a sua admiração. Houve mesmo algumas mulheres não cristãs que até choraram de comoção à minha frente. Uma vez, durante meia hora, mostrei e expliquei a catedral a um jovem casal não cristão, com todos os pormenores da arte e das coisas sacras. Quando terminei e depois de sairmos da catedral, esta mulher não cristã disse-me: «Nesta meia hora purifiquei a minha ama. Posso vir cá outra vez sozinha? É que quero admirar no silêncio estas coisas belas?» Ao que eu respondi: «Certamente. Pode voltar todas as vezes que quiser.» Nessa meia hora, com a minha explicação de uma arte que é sacra e bela, consegui dar uma lição sobre a verdade da fé católica. A reacção de quase todas as pessoas que até agora visitaram a catedral, e especialmente das pessoas não cristãs, foi espontânea e neste sentido: admiração, silêncio, abertura ao sobrenatural. Constatei em todos estes casos que a verdade da alma humana é naturalmente cristã, como disse Tertuliano, isto é, Deus inscreveu na alma humana a capacidade para o conhecer e para o venerar. O dever dos católicos é o de conduzir estas almas, assim abertas em relação à fé e à adoração sobrenatural, para a adoração de Cristo, da Santíssima Trindade, é o de conduzir as almas para o céu. Nas grandes portas de bronze à entrada da catedral estão escritas estas palavras da Sagrada Escritura: «Esta é a casa de Deus, esta é a porta do céu» (Domus Dei-porta coeli). Estas palavras sagradas são, por isso, um mote muito adequado para esta catedral, isto é, para esta obra visível de evangelização, como o são também para toda a obra da evangelização.
Poderia indicar-nos o significado espiritual e teológico das pinturas que mandou fazer na cripta?
Queria expressar na Catedral de modo particularmente profundo o mistério da Santíssima Trindade, uma vez que a Eucaristia constrói espiritualmente a Igreja, a Eucaristia faz a Igreja viver continuamente até ao fim dos tempos. O verdadeiro fundamento da Igreja é a Eucaristia. Por isso, pus na cripta, quase mesmo nos alicerces da Catedral, um ciclo de 14 imagens sobre a Eucaristia, numa analogia com as 14 estações da via sacra da nave principal. Toda a Sagrada Escritura nos anuncia Cristo feito carne, Cristo feito homem. Mas Cristo fez-se Eucaristia, deixou-nos a sua carne real, verdadeira e substancialmente presente no mistério eucarístico. Num certo sentido, podemos dizer: toda a Sagrada Escritura nos anuncia o mistério da Eucaristia. Escolhi imagens eucarísticas da Sagrada Eucaristia mais conhecidas, ou seja, a simbologia eucarística mais conhecida: o sacrifício de Abel, o sacrifício de Melquisedec, o sacrifício de Abraão, o cordeiro pascal, o maná do deserto, o alimento do profeta Elias no caminho para o monte de Deus, o templo de Jerusalém, Belém como “casa do pão”, o milagre das bodas de Canã, a multiplicação dos pães, o discurso eucarístico do Evangelho de São João, a última ceia, Emaús, o Cordeiro da Jerusalém Celeste.
O tipo de relação entre um bispo e um artista é talvez o segredo do êxito de uma obra tão importante, Poderia contar-nos a sua experiência na qualidade do promotor da obra que encomendou estas 14 telas ao artista e teórico da arte Rodolfo Papa? Como nasceu a vossa colaboração e como se foi desenvolvendo a relação de confiança necessária para o nascimento de qualquer obra-prima?
O “ciclo eucarístico” foi o meu último sonho para a catedral. Sabia bem que ficaria a faltar alguma coisa se não houvesse aí este “ciclo eucarístico”. Pedi ao Senhor que me mandasse um artista que, antes de mais, fosse profundamente crente, um artista que amasse a Eucaristia, que soubesse pintar de modo verdadeiramente sacro e edificante para os fiéis. Através de um conhecido, encontrei o Prof. Rodolfo Papa. Quando vi algumas das suas obras religiosas, e depois de falar com ele sobre a fé e sobre a Eucaristia, compreendi que este era o artista que o Senhor me queria mandar. E a minha convicção foi depois consolidada ao ler o seu livro sobre a teologia da arte sacra: Discorsi sull’arte sacra (com introdução do Cardeal Cañizares, Cantagalli, Siena, 2012).