O Concílio Vaticano II, uma história nunca escrita (I): Apresentação.

Lançado em 2011 na Itália, a prestigiosa obra do Professor Roberto de Mattei, intitulada “O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita”, chega agora ao público lusófono. A Editora Caminhos Romanos, detentora dos direitos sobre a versão portuguesa do laureado livro — Prêmio Acqui Storia 2011 e finalista do Pen Club Italia — , concedeu ao Fratres in Unum a exclusiva honra de divulgar alguns excertos deste trabalho que é um verdadeiro marco na historiografia do Concílio Vaticano II.

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Um Concílio “pastoral” ou “doutrinal”?

A fórmula do Concílio à luz da Tradição — ou, se se preferir, da “hermenêutica da continuidade” — propõe indubitavelmente aos fiéis uma indicação autorizada, com vista ao esclarecimento do problema da adequada recepção dos textos conciliares; mas deixa em aberto um problema de fundo: dado que a correcta interpretação é a da continuidade, resta explicar porque foi que, na sequência do Concílio Vaticano II, aconteceu aquilo que nunca tinha acontecido depois de qualquer dos concílios da história, a saber, o facto de duas (ou mais) hermenêuticas contrárias se terem confrontado e terem, para usar a expressão do Papa, lutado entre si. Assim, pois, se a época pós-conciliar deve ser interpretada como uma época de “crise”, podemos perguntar-nos se uma errada recepção dos textos terá uma incidência tal sobre os factos históricos, que constitua razão suficiente e proporcionada para a vastidão e a profundidade da mesma crise.

Por outro lado, a existência de uma pluralidade de hermenêuticas atesta a presença de certa ambiguidade ou ambivalência nos documentos. Quando se torna necessário recorrer a um critério hermenêutico exterior ao documento para interpretar o próprio documento, é evidente que este não é suficientemente claro, que precisa de ser interpretado e que, na medida em que é susceptível de interpretação, pode ser objecto de crítica, histórica e teológica.

O desenvolvimento mais lógico deste princípio hermenêutico é o que foi proposto por um eminente especialista em eclesiologia, Mons. Brunero Gherardini. De acordo com este teólogo romano, o Vaticano II, enquanto concílio que se auto-qualificou como “pastoral”, esteve privado de um carácter doutrinal “definitório”; contudo, do facto de o Vaticano II não poder ter a pretensão de ser qualificado como dogmático, sendo antes caracterizado pelo seu carácter pastoral, não se pode naturalmente deduzir que esteja privado de doutrina própria. O Concílio Vaticano II teve indubitavelmente ensinamentos específicos, que não estão privados de autoridade, mas, como escreve Gherardini, “as suas doutrinas, quando não reconduzíveis a definições anteriores, não são, nem infalíveis nem irreformáveis, e, portanto, também não são vinculativas; quem as negar não será, por esse facto, formalmente herege. Assim, pois, quem as impusesse como infalíveis e irreformáveis iria contra o próprio Concílio” .

O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita, Roberto de Mattei, Ed. Caminhos Romanos, 2012, pp. 14-15

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Roberto de Mattei nasceu em Roma, em 1948. Formou-se em Ciências Políticas na Universidade La Sapienza. Atualmente, leciona História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma, no seu departamento de Ciências Históricas, de que é o director. Até 2011, foi vice-presidente do Conselho Nacional de Investigação de Itália, e entre 2002 e 2006, foi conselheiro do Governo italiano para questões internacionais. É membro dos Conselhos Diretivos do Instituto Histórico Italiana para a Idade Moderna e Contemporânea e da Sociedade Geográfica Italiana. É presidente da Fundação Lepanto, com sede em Roma, e dirige as revistas Radici Cristiane e Nova Historica e colabora com o Pontifício Comitê de Ciências Históricas. Em 2008, foi agraciado pelo Papa com a comenda da Ordem de São Gregório Magno, em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Igreja.

Onde encontrar:  Livraria Petrus – R$ 89,00.

10 comentários sobre “O Concílio Vaticano II, uma história nunca escrita (I): Apresentação.

  1. “…a existência de uma pluralidade de hermenêuticas atesta a presença de certa ambiguidade ou ambivalência nos documentos…” Esta frase resume bem o Concílio Vaticano II; em certa forma, o seu propósito foi bom, mas com uma ingenuidade exagerada. Foi muito mal aplicado, e seus documentos, como a realidade demonstra, não foram claros em suas propostas, e assim, os progressistas e os modernistas interpretaram ou melhor, fingiram interpretar, ao seu querer.
    Apedrejem-me quem quiser, mas não vejo tudo como algo ruim; acredito que tudo possa ser realizado dentro da tradição… ecumenismo por exemplo, pode ser perfeitamente ortodoxo se o objetivo for a evangelização… A missa de Paulo VI também, poderia ser inteiramente em latim seguindo estritamente a forma de São Pio V, excetuando apenas as leituras ou antífonas; ou que a santa batina pudesse ser substituída de ‘vez em quando’ por uma calça, um paletó e um COLARINHO ROMANO (e não o clergyman), quando por exemplo, as situações de clima são insuportáveis… Não creio que tudo [a crise] seja fruto do Concílio, mas sim que esse tudo seja fruto de ‘uma falta de explicação’ por parte do mesmo; embora seja falado falado e falado em uma tal ‘hermenêutica’, quem as vê postas em prática?

    A dura realidade é que grande parte da sociedade católica devota, tem medo de fazer aquilo que é certo, devido aqueles que fazem errado.

    Esse livro deve ser bom; mas parece-me que nessa terra tupiniquim, o clero só obedece o “Concílio” a “primavera” mal interpretada. Deveria-se reajustar essas “coisinhas” ambíguas à Luz da Verdadeira Tradição num novo concílio então. De preferencia com um belíssimo nome: Concílio de Trento II: a contra reforma. Onde a proposta do Concílio Vaticano II fosse empregada de modo coerente com os dois milênios, sem nenhuma segunda interpretação.

    É claro que só é um achismo de minha parte; mas nessas alturas, temos que se equilibrar entre sedevacantismo e modernismo, ambos detestáveis.

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  2. Li esse livro. A mim ficou claro que havia uma seita (repito: uma seitas) bem organizada e que impôs sua filosofia e teologia: a dos modernistas, condenados por São Pio X.

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  3. Vanderley, o site da editora Petrus já está vendendo o livro em comento. O preço é um pouco salgado mas vale a pena, livro não é barato mesmo no Brasil. O Concílio não é 100% temerário, isso é claro, ele repete muitas verdades de fé, só que ele possui uma linguagem ambígua, prolixa e suas inovações são perigosas. Ademais, o produto pós-conciliar da Liturgia vai longe demais, vai além do que o próprio Lutero quis. A Constituição sobre Liturgia pode ser o único bom documento, mas também deixou brechas para abusos.

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  4. Os Modernistas já estavam na igreja desde antes do Concílio. São Pio X já denunciava “o inimigo de dentro da Igreja” 50 anos antes do Concílio. Acontece que eles estavam “presos” pela lei e pela vivência Católica, sobretudo pela “letra” do que era escrito antes. Com o texto ambíguo do Concílio eles encontraram espaço para crescerem feito ratos e tomarem conta de quase tudo.

    Não acho que a letra do Concílio é ruim por uma mera interpretação: foi de propósito e eles desejavam isso desde antes. Quem deveria freiar toda essa crise deveria ter sido os Papas desde João XIII, mas foram justamente eles quem mais deram voz – direta ou indiretamente- aos progressistas. Eu não acredito na inoc~encia dos Papas. Bento XVi já tem feito muito para restaurara um pouco da Tradição,mas ainda tem que agradar os dois lados, o que é uma pena.

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  5. Obrigado. Thiago. Concordo contigo. Aliás, se não me engano, o insuspeito D.Fellay afirma que 95% do CV II está ok.
    (o problema deve ser os 5% restantes. Espero que o Magistério da Igreja ilumine e corrija, o que for necessário !).
    Mas nada como aprender com estudiosos e especialistas no assunto, como o prof. de Mattei, D,Gherardini e outros mais.

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  6. Eu gostaria de possuir esta obra. Certamente vai enriquecer ainda mais os meus conhecimentos nesta matéria. Já estudei diversas obras, sobre este Concílio acima mencionado. Cada vêz que leio uma obra sobre o mesmo; ficou mais convicto, que este Concílio existiu uma verdadeira traição à Santa Igreja.
    O professor Luciano, foi muito claro e preciso nas suas afirmações: “Que havia uma seita organizada dos modernista trabalhando para impor suas ideias heréticas dentro deste Concílio”.
    Qualquer um de nós, podemos perceber isto nos seus frutos, “amargos” espalhado na Igreja.
    Joelson Ribeiro Ramos.

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