Giuseppe Sarto, a eleição de um santo (I).

Iniciamos hoje uma série sobre a eleição ao Sólio Pontifício de São Pio X, que esperamos concluir até a eleição do novo Sumo Pontífice.

sartoOs eleitores entraram em conclave na sexta-feira, 31 de julho de 1903, às 5 da tarde. Os cardeais poderiam ser acompanhados por duas pessoas, diante dos quais eles manteriam o mais absoluto sigilo: um “conclavista” e um “guarda nobre”. O Cardeal Sarto escolheu Monsenhor Bressa como seu conclavista e o Conde Stanislao Mucciolli como seu guarda nobre.

A cargo do conclave estavam o Decano do Sagrado Colégio e Camerlengo, Cardeal Oreglia de San Stefano, o único purpurado vivo criado por Pio IX. Monsenhor Merry del Val, presidente da Academia de Nobres Eclesiásticos, era o secretário do conclave. Monsenhor Cagiado de Azevedo e o Príncipe Mario Chigi eram, respectivamente, governador e marechal do conclave.

Sessenta e dois cardeais se reuniram na Capela Sistina para proferir o juramento [Dos 62 cardeais presentes no conclave, dois (Herrero e Cretoni) estavam doentes e tiveram que permanecer na cama; eles não puderam estar presentes nas sessões de votação na Capela Sistina.]

A Sistina servia tanto como lugar de orações quanto espaço para a contagem dos votos. Ao se aproximar às 8 da noite, os cerimoniários percorreram os corredores lançando o famoso brado extra omnes (“todos fora!”) enquanto o Cardeal Oreglia e seus assistentes se certificavam de que todas as portas estavam fechadas e todas as frestas lacradas, de modo que não pudesse haver comunicação entre os cardeais e o mundo de fora.

No dia seguinte, o Cardeal Sarto contou a seu secretário que não havia conseguido dormir. Ele passara grande parte da noite em oração. Na manhã do primeiro dia, após a chamada Missa “de comunhão” — os cardeais não celebravam a Missa, mas assistiam a celebração do Cardeal Decano e recebiam a Comunhão de suas mãos –, ocorreu a primeira votação.

A eleição ao Sumo Pontificado não pode ser comparada às eleições políticas que ocorrem nas democracias. Enquanto pode haver encontros entre cardeais antes e durante o conclave, não há “campanha eleitoral”– ou ao menos não deveria haver. Não há candidatos, promessas ou acordos — ou ao menos não deveria haver. Antes de cada voto, os cardeais proferem um juramento, com as mãos sobre os Evangelhos, de votar segundo as suas consciências: “Chamo por testemunha a Cristo, que um dia será meu Juiz, de que estou votando naquele que, diante de Deus, acredito ser o mais digno de ser eleito”. Há uma outra diferença: a eleição não se dá por uma simples maioria de votos. Para ser eleito, o futuro papa precisa ter alcançado dois terços dos votos. O novo papa não deve aparecer como tendo sido eleito por um partido em oposição a outro: deve haver o maior consenso possível.

Historicamente, os conclaves foram mais curtos ou mais longos. Três escrutínios foram necessários para eleger Leão XIII e sete para eleger aquele que tomaria o nome de Pio X. O curso do conclave que elegeu este último é bem conhecido pelos relatos de vários participantes, em escritos publicados logo depois do conclave ou postumamente: os cardeais franceses Mathieu e Perraud, o conclavista Maurice Landrieux, o secretário do conclave Merry del Val. A estas fontes podemos acrescentar a reconstrução feita pelo biógrafo “autorizado”, Marchesan.

Os resultados obtidos pelos três principais “candidatos” ao longo de sete votações podem ser assim apresentados: [Marchesan e as outras fontes citadas concordam quanto ao número de votos, em cada escrutínio, do principal papabile. Por outro lado, há divergência ou silêncio sobre o número de votos dos candidatos secundários. Damos aqui os números fornecidos pela embaixada francesa na Santa Sé, AMAE, NS 4, f. 36-37).]

 

1 de agosto

 

2 de agosto

 

3 de agosto

 

4 de agosto

 

Manhã

Tarde

Manhã

Tarde

Manhã

Tarde

manhã

Rampolla

24

29

29

30

24

16

10

Gotti

17

16

9

3

6

7

2

Sarto

5

10

21

24

27

35

50

Para ser completo, deve-se notar que os cardeais Serafino Vannutelli, Oreglia di San Stefano, Capecelatro, Di Pietro, Agliardi, Ferrata, Cassetta, Portanova, Segna, Tripedi e Richelmy receberam, cada um, um ou mais votos no primeiro ou seguintes escrutínios. Mas eles nunca se encontraram entre os favoritos e no sétimo e último escrutínio apenas os cardeais Sarto, Rampolla e Gotti estavam na contagem. Sarto obteve 5 votos na primeira votação e 10 na segunda, o que o instigou a dizer, em latim, ao cardeal Lecto, que estava ao seu lado: “Volunt jocare super nomen meum” (“Eles querem fazer uma piada com o meu nome”).

Continua…

Saint Pius X, Restorer of the Church, Yves Chiron, Angelus Press, 2002, pp. 119-121 | Tradução: Fratres in Unum.comAs notas com meras remissões bibliográficas foram excluídas.

10 comentários sobre “Giuseppe Sarto, a eleição de um santo (I).

  1. Série pertinente e imprescindível nesses dias de iminência do conclave. Agora, bateu-me uma dúvida: essa praxe de “tergiversar” a regra de silêncio sobre tudo que se passa dentro da Capela Sistina é recorrente durante a história da Igreja? Acho que eu nunca vi um discriminem tão detalhado de votos de um conclave. E isto lá em 1903, justamente na eleição de um papa santo.

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  2. Que Deus e os irmãos me perdoem, se estou sendo infeliz nesse meu comentário. Mas, é assim que eu me sinto. “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor.” Me sinto sob esse olhar de Jesus, porque me sinto verdadeiramente como ovelha sem pastor. O conclave e a eleição de um Santo Padre têm sido a única intenção das minhas orações…

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  3. Concordo com o Luís, todos nós esperamos um cardeal que se comporte dessa maneira antes, durante do conclave

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  4. Creio sempre na inspiração do Divino. Tanto para a eleicao, mas principalmente, para a atuação do novo sumo pontífice. Independente do resultado e do nome escolhido, devemos ama-lo e rezarmos por ele. Sobretudo se o nome anunciado nao for de nosso agrado, a priori.

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  5. Deveria haver um filme ou documentário sobre o grande São Pio X. Infelizmente ele não é tão popular mesmo entre os Católicos.

    Os filmes sobre João XVIII e Paulo Vi são lamentáveis: românticos, simplórios, infãntis.O de João Paulo II são melhores.

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  6. Muito Importante este post do frates, mesmo porque São Pio X deu uma nas forças secretas combatendo o modernismo católico que segundo ele mesmo é a soma de todas as heresias, que o modernismo só foi mostrar a sua face mais de 50 anos depois no CVII.

    Depois de São Pio X, o Papa que não seguir seus passos combatendo o modernismo católico jamais conseguirá ser um verdadeiro pastor, aquele que dá o sangue pelas suas ovelhas.

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