Pe. Beto ingressa contra ação na esfera cível contra excomunhão. Fratres in Unum anuncia em primeira-mão: Juiz rejeita pedido liminar, sugere a Beto que se confesse e afirma que não há “retomada da aptidão para receber os sacramentos, sem com que haja uma efetiva comunhão do fiel com a fé preconizada pela igreja”.

Ação contra Diocese de Bauru, SP, pedirá direito de defesa na Justiça. Pároco foi excomungado da Igreja Católica por declarações polêmicas.

G1 – Os advogados do padre Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, excomungado da Igreja Católica pela Diocese de Bauru (SP) no final de abril deste ano, protocolaram na Justiça um pedido de medida cautelar para obter o direito de defesa no processo canônico que proibiu o religioso de celebrar e frequentar missas.

Antonio Celso Galdino Fraga, advogado do padre e especialista na área, diz que vai até onde for preciso para conquistar o direito de defesa. “Por uma questão de bom senso, a Diocese de Bauru pode resolver essa questão de uma forma inteligente, anulando o processo que inicialmente instaurou contra o padre Beto, iniciando um novo. Desde que respeitando o devido processo legal. E nós como advogados, estaremos aptos a defender o nosso cliente até o com o Santo Padre em Roma se for preciso”.

Uma ação deverá ser protocolada daqui a 20 dias. Os advogados acreditam que o caso é inédito na Justiça brasileira. “A ação principal será proposta provavelmente em 20 dias. O Código de Processo Civil estabelece o prazo de 30 dias da concessão da liminar, mas estamos propensos a ajuizar a ação anulatória. Talvez seja o primeiro caso que a Justiça brasileira enfrente oriundo de um processo eclesiástico. Tivemos no passado a notícia só da Suprema Corte reconhecendo a sua soberania para julgar a Igreja Católica instituída nos Estados Unidos em ações indenizatórias que pessoas propuseram por atos que caracterizariam abuso sexual no passado. Esperamos que a Justiça brasileira também se pronuncie no mesmo sentido de que a Diocese de Bauru, enquanto pessoa jurídica de direito privado, criada, organizada e submissa, portanto, ao nosso ordenamento jurídico, respeito a Constituição, anule esse processo que foi instaurado contra o padre Beto permitindo-lhe se defender”, enfatizou Fraga.

O advogado informou também que a Constituição Brasileira tem que ser respeitada. E que padre Beto deve ter a chance de defesa. “Com um decreto de 2010, que é uma concordata, ficou muito claro que no exercício das atividades, das confissões, que são as instituições que a igreja mantém no Brasil, como a Cúria, a Diocese, todas são confissões. Elas têm de observar no exercício de suas atividades permitidas pelo Brasil enquanto estado laico, que respeitem a nossa Constituição e o nosso ordenamento jurídico. Então, no caso de uma excomunhão automática sem o respeito do devido processo legal, com acesso ao processo, instituição de um advogado para realizar os atos de defesa e execução de defesa propriamente, isso é incompatível e inaplicável no Brasil”.

Declarações polêmicas sobre temas como a homossexualidade, fidelidade e a necessidade de mudanças na estrutura da Igreja Católica, todas publicadas nas redes sociais, foram os motivos alegados pela Diocese, que excomungou Padre Beto por heresia e cisma. “São duas acusações sérias. O padre não teve condições de questionar a excomunhão que lhe foi aplicada. Ainda mais para ele, que foi ordenado, enfim, a ligação com a Igreja Católica, de não poder na circunstância que se encontra, de receber o sacramento. E até a extrema unção na hipótese de morte para ter a salvação”, completou Antonio Fraga. Ao lado dele no caso está o advogado Tito Costa.

‘Quero voltar’
Em meio aos conflitos, padre Beto lançou na noite de terça-feira (30), em Bauru, o livro intitulado “Verdades Proibidas”. Ele afirmou ao G1 que a ação na Justiça é para conseguir o direito de defesa da decisão da Igreja Católica e tentar reverter a decisão da excomunhão. “Nenhuma instituição pode fazer isso com uma pessoa. Me senti um adolescente em um internato. Quero voltar a celebrar missas. Não deixei de ser padre. Não foi uma decisão minha. Continuo me sentindo um padre”.

A Diocese de Bauru preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Papa x Homossexualismo
Um dos motivos da excomunhão de padre Beto seriam as declarações polêmicas sobre o homossexualismo, por exemplo. Durante a visita do Papa Francisco ao Brasil na semana passada, uma declaração chamou a atenção. O pontífice disse que “se uma pessoa é gay e busca a Deus, quem sou eu para julgá-la?”.

O discurso e a postura do Papa tiveram a aprovação do padre bauruense. “Ele mostrou que devemos pensar teologicamente. Racionar e refletir. São novas realidades que estamos vivendo. Não podemos seguir uma cartilha. Temos que pensar como Deus agisse. O Papa Francisco mostrou claramente que a discussão é algo necessário. E isso é o que tentei fazer durante toda minha vida como padre. A postura é essa. É preciso revisar”.

De acordo com o padre, a decisão de entrar com a ação partiu antes da vinda do Papa ao Brasil. “Já estava decidida antes porque não tivemos acesso ao processo. Assinei uma procuração para os meus advogados no início de julho”.

No entanto, ele também afirmou que está mais motivado e confiante com as declarações do pontífice em relação a temas polêmicos. “Deixa a gente mais confiante. A vinda do Papa nos animou com suas declarações. A postura dele de ser gente como a gente. Com uma postura teológica do encontro e não do afastamento. Ele resgata a questão da igreja do povo de Deus”.

* * *

Escreve a gentil leitora que nos indicou o artigo e a quem agradecemos a informação:

O Sr. Roberto pretende voltar… E ele buscou as vias judiciais para tanto! Esperou o final da JMJ e distribuiu medida cautelar ontem contra a Diocese de Bauru. Não sou de Bauru, mas algum correspondente lá pode tentar pegar cópia da Inicial e ver seu pedido. Pela reportagem, quer o exercício pleno do contraditório no “processo” de excomunhão ?!?!… O advogado entende que o Estado pode obrigar a Igreja a rever o caso do mesmo…  Preocupada mais com a tese de fundo do que com o pedido, localizei a ação e fiquei acompanhando on-line o andamento do processo, e há pouco, o Juiz da 6ª Vara Cível de Bauru indeferiu o pedido liminar do Sr. Roberto Francisco Daniel. Segue abaixo cópia do despacho e seus fundamentos, os quais não tive tempo hábil de analisar. Cabe recurso.
 31/07/2013 19:00:56
 
Processo CÍVEL
Comarca/Fórum Fórum de Bauru
Processo Nº 0027122-18.2013.8.26.0071
Cartório/Vara 6ª. Vara Cível
Competência Cível
Nº de Ordem/Controle 1206/2013
Grupo Cível
Classe Cautelar Inominada
Assunto
Tipo de Distribuição Livre
Distribuído em 29/07/2013 às 17h 56m 08s
Moeda Real
Valor da Causa 1.000,00
Qtde. Autor(s) 1
Qtde. Réu(s) 1
PARTE(S) DO PROCESSO [Topo]
 Requerido DIOCESE DE BAURU DO DIVINO ESPIRITO SANTO
 Requerente ROBERTO FRANCISCO DANIEL
Advogado: 6550/SP   ANTONIO TITO COSTA
Advogado: 131677/SP   ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA
ANDAMENTO(S) DO PROCESSO [Topo]
(Existem 6 andamentos cadastrados .)
 31/07/2013 Autos no Prazo – exped. c
 31/07/2013 Decisão ProferidaVistos. O autor ajuíza ação cautelar preparatória inominada, apontando a nulidade de ato jurídico como fundamento da lide principal. Invoca a violação ao devido processo legal pela imposição da excomunhão latae sententia; ou seja, pela punição automática reservada aos casos mais graves de delitos previstos no Código de Direito Canônico. E para ser reabilitado imediatamente aos sacramentos, alega o periculum in mora. No entanto, o perigo da demora não está presente, daí a ausência dos requisitos da tutela cautelar liminar. Alguns pecados particularmente graves são passíveis de excomunhão, a pena eclesiástica mais severa, que impede a recepção dos sacramentos e o exercício de certo atos clericais. Neste caso, a absolvição não pode ser dada, segundo o direito da Igreja, a não ser pelo Papa, pelo Bispo local ou por presbíteros autorizados por eles. (Catecismo da Igreja Católica, Fidei Depositum, § 1463). Logo se vê que a excomunhão imposta autor não é pena definitiva, – mera pena medicinal – , até porque tal conceito conflita com a misericórdia divina: “Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; porém, a blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhes será perdoada. E todo o que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoada; porém, o que disser contra o Espírito Santo, não terá perdão neste mundo nem no outro (Mateus, 12, 30-31) Assim, para fazer valer a revisão da excomunhão, o cânone 1.354 prevê a cessação das penas pela remissão ou perdão concedido pela autoridade competente. E o cânone 1.356 §1º, prevê a autoridade competente para a remissão dos delitos feredae ou latae setentia. De sorte que inexiste periculum in mora no caso dos autos. Se o autor teme a ineficácia do provimento jurisdicional se deferido apenas ao final da cognição exauriente do processo principal, ou seja, se teme ficar privado dos sacramentos até o final do processo, bastaria a providência extrajudicial consistente no pedido de absolvição ao ordinário local, a qualquer Bispo em ato de confissão sacramental (cân. 1355, §2º), ou ainda ao Romano Pontífice, de quem o autor já declarou acreditar na revisão da pena . Escreve Humberto Theodoro Júnior que o perigo de dano refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição para o litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretizar o dano temido (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, pág. 340). Daí se inferir que o interesse para a obtenção da medida liminar não se faz presente no caso dos autos, dada a existência de meio extraprocessual para se obter a proteção aos direitos judicialmente discutidos. O perigo da demora nem sequer atinge o direito do autor ao último dos sacramentos, pois a unção dos enfermos só é vedada aos que perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto (cânone 1.007). Ainda sobre o requisito do perigo, inexiste informação nos autos de que o autor tenha se utilizado das vias impugnativas previstas no Código Canônico. O cânone 1628 prevê o recurso da apelação, com efeito suspensivo (cân. 1639), disponível a qualquer parte que se julgar prejudicada por alguma sentença, não figurando, a decisão de excomunhão dentre os atos insuscetíveis de apelação (cânone 1629). Além disso, até mesmo a sentença transitada em julgado admite a restitutio in integrum, caso ela tenha sido preferida com evidente negligência de alguma prescrição (cân. 1.645, §4º), como alega o promovente quanto ao devido processo legal. Ademais, a afronta ao direito de defesa, também invocado pelo acionante, justifica a querela de nulidade prevista no cânone 1.620, 7º, deduzida junto ao próprio juiz ordinário ou delegado que proferiu a sentença (Cruz e Tucci e Azevedo. Lições de Direito Processual Civil Canônico, pág.152, Ed RT). Por fim, no arsenal de meios de impugnação da sentença também está prevista a apelação per saltum diretamente ao Romano Pontífice (favorável às opiniões do autor, segundo manifestação deste à imprensa), caso o autor tenha dúvidas sobre a imparcialidade dos tribunais inferiores: A partir do momento em que se estruturou a hierarquia eclesiástica, permite-se que, per saltum qualquer causa seja levada à apreciação do Papa. (ob. cit, pág. 147). Em síntese, porque não esgotadas as vias impugnativas extrajudiciais, também por isso o autor não reúne os requisitos da medida liminar. E sobre o uso das vias impugnativas canônicas, é importante mencionar que a decisão pública a folhas 32 – disponível na web – é suficiente para a instrução dos recursos, não sendo verossímil, ao menos nesta fase de cognição sumária, a alegação de que a ré deliberadamente obstaculiza o acesso do autor à defesa nos meios canônicos. Ademais, força convir a incongruência da alegação de nulidade do processo penal canônico por vício formal, com a retomada da aptidão para receber os sacramentos, sem com que haja uma efetiva comunhão do fiel com a fé preconizada pela igreja, em cujo corpo o autor pretende ser reintegrado por decisão secular. Santo Agostinho define os sacramentos como o sinal visível externo de uma graça espiritual, interna (Keeley, Robin, org., Fundamentos da Teologia Cristã, pág. 343. Ed Vida). Logo, até poder-se-ia argumentar que uma decisão liminar conferiria ao autor a retomada dos sacramentos como mero sinal externo da graça espiritual, i. .e, um lugar na mesa eucarística. No entanto, a graça interna, consistente na participação na vida divina (Catecismo, pág. 460), na associação do fiel à obra da Igreja, não há decisão judicial que garanta. A graça compreende igualmente os dons que o Espírito nos concede para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo, a Igreja (ob. Cit, pág; 460). Vale dizer, a declaração de ineficácia da excomunhão por vício formal do processo canônico até pode garantir a reintegração do autor ao corpo formal da igreja, mas não teria o condão de reintegrá-lo à comunhão com o corpo místico de Cristo : Igreja Triunfante, constituída pelas almas que já se encontram no Céu; Igreja Padecente, constituída pelas almas do purgatório; e Igreja Militante, constituída pelos os fiéis na terra que comungam a mesma fé, segundo os preceitos ditados pelas cabeças invisível – Jesus Cristo – e visível – o Papa – desse corpo (Carta Encíclica Mysticy Corporis) E o sinal de unidade da Igreja, assim entendida como o Mysticy Corporis , é dado pela eucaristia, ou seja, pelo sinal da comunhão, do qual o acionante encontra-se privado por iniciativa própria. Fosse o vício formal do processo canônico igual ao da exclusão de um associado de clube recreativo, por exemplo, não haveria outras implicações na reintegração liminar. Mas a elisão da excomunhão tão só pelo vício formal não reintroduziria o acionante nos quadros da associação cuja profissão de fé negou (apostasia – fato incontroverso -, segundo o decreto de excomunhão) e o levou a ser dela excluído. Afora isso, a reinserção judicial do autor entre os fiéis, sem com que haja a sintonia dele com os preceitos da Igreja, não encontra amparo no direito canônico. Segundo o cânone 209, Os fiéis são obrigados a conservar sempre, também no modo próprio de agir, a comunhão com a igreja. §2º Cumpram com grande diligência os deveres a que estão obrigados para com a Igreja universal e para com a Igreja particular à qual pertencem de acordo com as prescrições de direito. Em suma, a efetiva reincorporação do autor aos sacramentos passa ao largo da discussão formal do processo de excomunhão. Para a retomada do elo entre o promovente e a igreja, é necessária a comunhão no entendimento sobre a fé, assim entendida como o pedido de readmissão do acionante, que passa pela remissão prevista nos cânones, ou seja, pela atividade extraprocessual do autor. Ante o exposto, indeferida a liminar, cite-se com observância do artigo 803 do Código de Processo Civil. Intimem-se.
 30/07/2013 Despacho ProferidoV. RA. Após, tornem conclusos para apreciar pedido de liminar.
 30/07/2013 Recebido pelo Distribuidor (movimentação exclusiva do distribuidor)Recebimento de Carga sob nº 9760953
 29/07/2013 Remetidos os Autos ao Cartório (movimentação exclusiva do distribuidor) sob nº 9760953
 29/07/2013 Distribuído Livremente (por Sorteio) (movimentação exclusiva do distribuidor) p/ 6ª. Vara Cível

Uma nota sobre o caso dos Franciscanos da Imaculada. O Decreto e a Carta do Comissário Apostólico.

Nota de Rorate-Caeli | Tradução: Fratres in Unum.com – Uma clara tentativa de minimizar a importância desse decreto está ocorrendo aqui e ali na blogosfera, como era de se esperar. Dizem-nos que não se trata de algo com que se preocupar; que é só uma situação particular, limitada a uma instituição religiosa específica, e não tem nada que ver com o modo com que o Papa Francisco vê Summorum.

Contra essas manifestações do espírito de negação que conhecemos tão bem desde 28 de fevereiro deste ano, levantamos os seguintes pontos:

1) Primeiro, os Frades Franciscanos da Imaculada não são somente uma pequena ordem ou congregação religiosa ocupando um lugar minúsculo do mundo católico tradicional; com mais de 130 padres, eles formam a segunda maior congregação ou sociedade religiosa canonicamente regular entre aquelas que principalmente ou de facto exclusivamente oferecem a Missa Tradicional (A FSSP é a maior). A família de mosteiros e conventos femininos sob o cuidado espiritual dos FFI não tem outro paralelo no mundo católico tradicional senão a FSSPX. Qualquer ato que restrinja a faculdade dos FFI de oferecer a Missa Tradicional será necessariamente sentio de modo muito profundo no mundo católico tradicional. 

2) Uma justificativa que agora está sendo dada é que a aplicação de Summorum Pontificum entre os FFI causou discórdia em muitas comunidades e que a Missa Tradicional foi “imposta” brutalmente aos padres que não a queriam. Pelo contrário, nós no Rorate, que acompanhamos de perto os FFI desde 2008, podemos afirmar que a verdade é o oposto: Summorum foi aplicado de maneira muito gradual pelos FFI, o Novus Ordo nunca foi proibido em suas casas e igrejas, e em muitas partes do mundo os FFI continuaram a oferecer o Novus Ordo predominantemente. Deve-se notar igualmente que os FFI, em sua promoção da “Forma Extraordinária”, tem sido notavelmente livres de polêmicas e ataques públicos ao Novus Ordo.

3) Ainda outra justificativa que agora está sendo usada é que essa ação é aceitável porque os FFI não foram fundados tendo a Missa Tradicional como uma parte essencial de seu carisma. Esta desculpa é incompreensível na medida em que ignora completamente os direitos dados por Summorum Pontificum aos sacerdotes religiosos. Ademais, se a insatisfação de alguns poucos é suficiente para restringir a toda uma ordem ou congregação o uso de Summorum Pontificum, abre-se um fácil caminho pelo qual os oponentes da Missa antiga podem por fim eliminar a Missa Tradicional de todos os que não fazem parte de institutos “Ecclesia Dei”.

4) Por fim, e mais importante, o decreto — ao especificamente restringir a Missa Tradicional — é uma clara indicação de que ela é vista como algo problemático, algo que deve ser extirpado da vida dos Frades Franciscanos da Imaculada. Se toda essa crise nos FFI não tem nada que ver com a Missa Tradicional, então por que ela é o alvo da exclusão e de restrições, por que o decreto lhe devota tanto espaço e por que o decreto se dá ao trabalho de notar que essa restrição foi pessoalmente ordenada pelo próprio Santo Padre? Se a crise nos FFI é devida ao mau comportamento de alguns, então por que a privação da Missa Tradicional é estendida a todos?

* * *

Decreto original – em italiano, que corresponde exatamente ao reportado pelo competente vaticanista Sandro Magister. No último parágrafo, que traduzimos, consta a ordem, com autorização específica do Pontífice, que restringe o uso do Missal de 1962 para os Frades Franciscanos da Imaculada:

CONGREGATIO

PRO INSTITUTIS VITAE CONSECRATAE
ET SOCIETATIBUS VIATE APOSTOLICAE

PROT. N. 52741/2012

DECRETO

La Congregazione per gli Istituti di vita consacrata e la Società di vita apostolica, attese le consiedrazioni formulate nella Relazione presentata dal Rev.do Mons. Vito Angelo Todisco a conclusione della Visita Apostolica disposta con decreto del 5 luglio 2012, al fine di tutelare e promuovere l’unità interna degli Istituti religiosi e la comunione fraterna, l’adeguata formazione alla vita religiosa e consacrata, l’organizzazione delle attività apostoliche, la corretta gestione dei beni temporali, ha ritenuto necessario nominare un Commissario Apostolico per la Congregazione dei Frati Francescani dell’Immacolata con le conseguente attribuite dal diritto particolare ed universale al Governo Generale del citato Istituto religioso.

Atteso che la suddetta decisione il 3 luglio 2013 è stata oggetto di approvazione in forma specifica a norma dell’art. 18 della cost. ap. Pastor Bonus dal Santo Padre Francesco, con il presente decreto si nomina

il Reverendo P. Fidenzio Volpi O.F.M. Cap.
Commissario Apostolico
ad nutum Sanctae Sedis,
per tutte le Comunità e i sodali della Congregazione dei Frati Francescani dell’Immacolata

Nell’espletamento delle sue mansioni, il Rev.do P. Volpi assumerà tutte le competenze che la normativa particolare dell’Istituto e quella universale della Chiesa attribuiscono al Governo Generale.

Sarà inoltre sua facoltà avvalersi, se lo riterrà opportuno, di collaboratori scelti a sua discrezione e da lui nominati previo assenso di questo Dicastero, a cui potrà chiedere il parere quando lo riterrà necessario.

Il Rev.do P. Volpi ogni sei mesim, dovrà informare questo Dicastero del suo operato, inviando una dettagliata relazione scritta circa le dicisioni adottate, i risultati conseguiti e le iniziative che riterrà utili realizzare per il bene dell’Istituto.
Infine, spetterà all’Istitutodei Frati Francescani dell’Immacolata sia il rimborso delle spese sostenute da detto Commissario e dai collaboratori da lui eventualmente nominati, sia l’onorario per il loro servizio.

In aggiunta a quanto sopra, sempre il 3 luglio u.s. il Santo Padre Francesco ha disposto che ongi religioso della Congregazione dei Frati Francescani dell’Immacolata è tenuto a celebrare la liturgia secondo il rito ordinario e che, eventualmente, l’uso della forma staordinaria (Vetus Ordo) dovrà essere esplicitamente autorizzata dalle competenti autorità per ogni religioso e/o comunità che ne farà richiesta. 

[Acrescente-se ao supramencionado, ainda em 3 de julho, o Santo Padre Francisco dispôs que todo religioso da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada está obrigado a celebrar a liturgia segundo o rito ordinário e que, eventualmente, o uso da forma extraordinária (Vetus Ordo) deverá ser explicitamente autorizado pelas autoridades competentes para cada religioso e/ou comunidade que lhes solicitar].

Nonostante qualunque disposizione contraria

Dato dal Vaticano, l’11 luglio 2013

f.to Joao Braz Card. de. Aviz
prefetto

+ José Rodrìguez Carballo, O.F.M.
Arcivescovo Segretario

* * *

A seguir, publicamos a tradução da carta do Comissário Apostólico nomeado, Fr. Fidenzio Volpi, OFM, que apresenta o decreto acima publicado. Note-se a ênfase no “sentire cum Ecclesia”, como se a Missa Tradicional fosse um empecilho para isso. Curiosa também é a referência a uma “jornada de renovada eclesialidade”, o que poderia deixar a entender, para muitos, que os FFI teriam uma espécie de visão… restauracionista? Ou melhor, neopelagiana?

Roma, 22 de julho de 2013.

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Aos Irmãos e à Fraternidade da Congregação dos Freis Franciscanos da Imaculada, em todas as suas sedes.

Paz e Bem!

O Santo Padre o Papa Francisco confiou-me o delicado dever de Comissário Apostólico de vossa congregação. Anexo segue o decreto da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, datado de 11 de julho de 2013.

Embora eu reconheça as dificuldades deste dever, eu aceitei a responsabilidade porque é meu desejo acompanhar-vos em uma jornada de renovada eclesialidade. A fim de fazer isso com a certeza de corresponder aos desejos do Magistério, eu não encontro meio melhor do que trazer à mente esta passagem de um recente discurso do Papa Francisco: a eclesialidade é “uma das dimensões constitutivas da vida consagrada, dimensão que deve ser constantemente retomada e aprofundada. A vossa vocação é um carisma fundamental para o caminho da Igreja, e não é possível que uma consagrada e um consagrado não «sintam» com a Igreja. Um «sentir» com a Igreja, que nos gerou no Batismo; um «sentir» com a Igreja que encontra uma sua expressão filial na fidelidade ao Magistério, na comunhão com os Pastores e com o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, sinal visível da unidade. O anúncio e o testemunho do Evangelho, para cada cristão, nunca são um ato isolado. Isto é importante, o anúncio e o testemunho do Evangelho para cada cristão nunca são um ato isolado ou de grupo, e nenhum evangelizador age, como recorda muito bem Paulo VI, «sob uma inspiração pessoal, mas em união com a missão da Igreja e em nome dela» (cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80). […] Senti vós a responsabilidade que tendes de cuidar da formação dos vossos Institutos na doutrina sadia da Igreja, no amor à Igreja e no espírito eclesial.” (Discurso do Papa Francisco às religiosas participantes na Assembleia Plenária da União Internacional das Superioras-gerais; quarta-feira, 8 de Maio de 2013)

Eu acredito que nada eu precise acrescentar a um tão claro e urgente pensamento do Papa Francisco, o qual concerne justamente a si o «sentir com a Igreja», haja vista que somente dessa maneira pode a Vida Consagrada corresponder ao que a Igreja espera dela e se tornar, deste modo, a Luz da Boa-Nova no mundo para os fiéis que precisam conhecer e seguir a verdade que Cristo nos revelou. No espírito daquela obediência pedida por Nosso Santo Padre Francisco na Carta a um Ministro, eu vos saúdo fraternalmente em Cristo.

Fr. Fidenzio Volpi

Comissário Apostólico

Devota obediência.

Do site oficial dos Frades Franciscanos da Imaculada, palavras de seu fundador:

manelli

“Com referência ao Decreto da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de 11 de julho de 2013 (Prot. n. 52741/2012), Pe. Stefano M. Manelli, com todo o Instituto dos Frades Franciscanos da Imaculada unido a ele, obedece ao Santo Padre e confia que desta obediência nos virão graças maiores”.

O “caso” dos Franciscanos da Imaculada.

Por Roberto de Mattei | Tradução: Fratres in Unum.com – O “caso” dos Franciscanos da Imaculada apresenta-se como um episódio de extrema gravidade, destinado a ter consequências no seio da Igreja talvez não previstas por aqueles que o transformaram imprudentemente em ato.

A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada (conhecida como Congregação para os Religiosos) com seu decreto de 11 de julho de 2013, assinado pelo cardeal prefeito João Braz de Aviz e o arcebispo secretário José Rodriguez Carballo, OFM, desautorou os superiores dos Franciscanos da Imaculada, confiando o governo do Instituto a um “comissário apostólico”, o padre Fidenzio Volpi, capuchinho.

Para “blindar” o decreto, o cardeal João Braz de Aviz se muniu de uma aprovação “ex auditur” do Papa Francisco, que tira dos frades qualquer possibilidade de recurso à Signatura Apostólica. As razões dessa condenação, que tem sua origem em uma reclamação feita à Congregação para os Religiosos por um grupo de frades dissidentes, permanecem misteriosas. Desde o decreto da Congregação e da carta enviada aos franciscanos em 22 de julho pelo novo Comissário, as únicas acusações parecem ser as de um escasso “pensar com a Igreja” e de um apego excessivo ao Rito Romano antigo.

Na realidade, estamos diante de uma injustiça manifesta contra os Franciscanos da Imaculada. Este instituto religioso fundado pelos padres Stefano Maria Manelli e Gabriele Maria Pellettieri é um dos mais florescentes de que se ufana a Igreja, pelo número de vocações, a autenticidade da vida espiritual, a fidelidade à ortodoxia e às autoridades romanas. Na situação de anarquia litúrgica, teológica e moral em que nos encontramos hoje, os Franciscanos da Imaculada deveriam ser tomados como modelo de vida religiosa. O Papa se refere muitas vezes à necessidade de uma vida religiosa mais simples e sóbria.

Os Franciscanos da Imaculada se destacam por sua austeridade e pobreza evangélica, com as quais vivem, desde a sua fundação, seu carisma franciscano. Acontece, porém, que em nome do Papa, a Congregação para os Religiosos retira o governo do Instituto para transmiti-lo a uma minoria de frades rebeldes de orientação progressista, nos quais o novo Comissário se apoiará para “normalizar” o Instituto, ou para conduzi-lo ao desastre do qual até agora tinha escapado graças à sua fidelidade às leis eclesiásticas e ao Magistério.

Mas hoje o mal é recompensado e o bem castigado. Não surpreende que a empregar o punho de ferro no confronto com os Franciscanos da Imaculada esteja o mesmo Cardeal que auspicia compreensão e diálogo com as irmãs heréticas e cismáticas americanas. Aquelas religiosas pregam e praticam a teoria do gênero, e, portanto, deve-se dialogar com elas. Os Franciscanos da Imaculada pregam e praticam a castidade e a penitência e por isso não há possibilidade de entendimento com eles. Esta é a triste conclusão a que inevitavelmente chega um observador desapaixonado.

Uma das acusações é de serem muito apegados à Missa tradicional, mas a acusação é um pretexto, porque os Franciscanos da Imaculada são, como se costuma dizer, “bi-ritualistas”, ou seja, celebram a nova Missa e a antiga, conforme lhes é concedido pelas leis eclesiásticas em vigor. Colocados diante de uma ordem injusta, é de se supor que alguns dentre eles não desistirão de celebrar a Missa tradicional; e farão bem em resistir neste ponto, porque não será um gesto de rebeldia, mas de obediência. Os indultos e privilégios em favor da missa tradicional não foram revogados e possuem uma força legal superior ao decreto de uma congregação, e até mesmo das intenções do Papa, se não expressas num ato legal claro.

O cardeal Braz de Aviz parece ignorar a existência do motu proprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, de seu decreto de aplicação, a Instrução Universae Ecclesiae de 30 de Abril de 2011, e da Comissão Ecclesia Dei, ligada à Congregação para a Doutrina da Fé, das quais a Congregação para os Religiosos invade hoje o campo. 

Qual é a intenção da suprema autoridade da Igreja? Suprimir a Ecclesia Dei e revogar o motu proprio de Bento XVI? Se for, que o diga explicitamente, para que possamos tirar as consequências. E se não for, por que fazer um decreto desnecessariamente provocativo contra o mundo católico ligado à Tradição da Igreja? Este mundo está numa fase de grande expansão, especialmente entre os jovens, e esta talvez seja a principal razão da hostilidade de que ele é hoje objeto.

Por fim, o decreto constitui um abuso de poder não apenas em relação aos Franciscanos da Imaculada e àqueles impropriamente definidos de tradicionalistas, mas a todos os católicos. Na verdade, é um sintoma alarmante da perda da segurança jurídica que está ocorrendo hoje no seio da Igreja. De fato, a Igreja é uma sociedade visível na qual há o “poder do direito e da lei” (Pio XII, Discurso Dans notre souhait, de 15 de Julho 1950). A lei é o que define o certo e o errado, e, como explicam os canonistas, “o poder da Igreja deve ser justo, para o que é necessário que parta da própria Igreja, que determina as finalidades e os limites da atividade da Hierarquia. Nem todo ato dos Pastores sagrados, pelo fato de provirem deles, é justo” (Carlos J. Errazuriz, Direito e justiça na Igreja, Giuffre, Milão 2008, p. 157).

Quando diminui a segurança jurídica, prevalece o arbítrio e a vontade do mais forte. Muitas vezes isso acontece na sociedade, e pode ocorrer na Igreja quando nesta a dimensão humana prevalece sobre a sobrenatural. Mas se não há segurança jurídica, não há nenhuma regra de comportamento segura. Tudo é deixado ao arbítrio do indivíduo ou de grupos de poder, e à força com a qual esses lobbies são capazes de impor a sua vontade. A força, separada da lei, torna-se prepotência e arrogância.

A Igreja, Corpo Místico de Cristo, é uma instituição legal baseada numa lei divina, da qual os homens da Igreja são os depositários, e não os criadores ou proprietários. A Igreja não é um “soviet”, mas uma construção fundada por Jesus Cristo, na qual o poder do Papa e dos bispos deve ser exercido de acordo com as leis e as formas tradicionais, todas enraizadas na Revelação divina. Hoje se fala de uma Igreja mais democrática e igualitária, mas o poder vem sendo exercido muitas vezes de modo personalista, em desprezo a leis e costumes milenares. Quando existem as leis universais da Igreja, como a bula de São Pio V Quo primum (1570) e o motu proprio de Bento XVI Summorum Pontificum, para mudá-los é necessário um ato legal equivalente. Uma lei anterior não pode ser revogada senão com um ato explicitamente abrogatório de igual porte.

Para defender a justiça e a verdade no interior da Igreja, confiamos na voz dos juristas, entre os quais estão alguns eminentes cardeais que ordenaram de acordo com o rito “extraordinário” os Frades Franciscanos da Imaculada, cuja vida exemplar e zelo apostólico eles conhecem. Apelamos especialmente ao Papa Francisco, para que queira retirar as medidas contra os Franciscanos da Imaculada e contra seu uso legítimo do Rito Romano antigo. 

Qualquer decisão que seja tomada, não podemos esconder o fato de que a hora em que vive hoje a Igreja é dramática. Novas tempestades se adensam no horizonte e essas tempestades certamente não são suscitadas nem pelos Frades, nem pelas Irmãs Franciscanas da Imaculada. O amor à Igreja Católica Apostólica Romana sempre nos moveu e nos move a tomar sua defesa. Nossa Senhora, Virgo Fidelis, sugerirá à consciência de todos nesta difícil conjuntura, o caminho certo a seguir.

Jornada Mundial da Juventude: o fenômeno.

Por Catarina Maria B. de Almeida – Fratres in Unum.com | Desde que ouvi falar que a Jornada Mundial da Juventude seria aqui no Rio, veio-me à mente algumas imagens de versões anteriores, onde a dança, o canto, a imodéstia e a exaltação dos sentimentos juvenis se sobrepunham à catequese sólida e ao fomento da fé e cultura católica. Contudo, uma vez que teríamos a nossa própria versão da JMJ, pensei que o melhor a fazer seria vê-la de perto, para ter uma ideia melhor formada sobre um evento tão portentoso. Não participei da JMJ como peregrina ou voluntária, sendo, portanto, meu relato impressões pessoais de uma simples observadora católica. Afinal, de uma forma ou de outra, a JMJ afeta e envolve a vida dos moradores das cidades por onde passa, quer sejam peregrinos ou simples habitantes. Assim, enumero abaixo os tópicos que mais me chamaram a atenção nesta Jornada. 

ASPECTOS POSITIVOS EM UM MUNDO CARENTE DE AMOR E TERNURA

Alegria e simplicidade

Creio que para os habitantes do Rio, a primeira impressão da JMJ, independente de religião, é o clima da cidade durante o evento. Por quase uma semana fomos todos envolvidos em uma atmosfera de alegria, leveza e simplicidade juvenil. Se nas semanas anteriores estávamos tensos com os rumos dos protestos de rua, os relatos de vandalismo e saques em várias capitais do país, de repente, os jovens trouxeram ao Rio de Janeiro precisamente o oposto. E não foi só a alegria contagiante dos jovens, mas também certa benevolência e cortesia por parte da população carioca. Nunca durante esses dias tivemos notícias de confusões e tumultos causados pelos peregrinos. Eles tiraram de letra até mesmo os percalços de um sistema de transporte caótico e aceitaram com resignação a transferência de última hora do local da Vigília de Oração e Missa de Envio, suportando o que para nós cariocas adultos teria sido motivo de muitos resmungos e xingamentos.

Ternura

Para utilizarmos uma palavra tão cara ao Papa Francisco, gostaria de ressaltar também que não raras vezes o aspecto afetivo se fez presente durante a JMJ, deixando-nos com sentimentos ambivalentes. Abraços sinceros de jovens locais e internacionais foram partilhados, bem como a solicitude dos voluntários, que incansável e gentilmente prestaram todas as informações e ajuda possível, o que nos leva a refletir o quão necessitados somos de atenção e carinho. Ainda que essas trocas afetivas tenham ocorrido com prazo de validade reduzido, não podemos negar que essa “onda de ternura” nos faz bem, especialmente se temos problemas na família, no trabalho ou se vivemos em ambientes religiosos inóspitos (e quem for fiel ligado à Tradição entenderá muito bem o que estou dizendo). Pessoalmente, apercebi-me olhando para muitos jovens com certo sentimento maternal – mocinhas e rapazes que poderiam bem ser meus filhos ou sobrinhos.

Milhões de fiéis lotam a praia de Copacabana na fria noite do dia 25 de julho para participar da festa de acolhida com o Papa Francisco. A grande maioria assiste ao show pelos inúmeros telões sequencialmente dispostos ao longo da praia.
Milhões de fiéis lotam a praia de Copacabana na fria noite do dia 25 de julho para participar da festa de acolhida com o Papa Francisco. A grande maioria assiste ao show pelos inúmeros telões sequencialmente dispostos ao longo da praia.

Socialização e interação com outras culturas

Esse foi um aspecto interessantíssimo que observei durante a JMJ – o interesse geral por saber de onde o outro procedia, o que se fazia em sua cidade ou país, aspectos culturais específicos e etc. Alguns jovens inclusive utilizavam caderninhos para anotar dados dos companheiros de jornada recém conhecidos, possivelmente, para fazer algum contato posterior pela Internet. Como em todas as JMJs, muitas novas amizades serão consolidadas após essa Jornada e até mesmo namoros e casamentos dela resultarão, o que penso ter mais a ver com as estatísticas naturais do que qualquer outra coisa. Afinal, trata-se de milhares de jovens em pleno frescor de beleza e exuberância da juventude.

ASPECTOS ALTAMENTE QUESTIONÁVEIS QUE COLOCAM O SENSUS CATHOLICUS EM ESTADO DE ALERTA

Euforia

Igualmente aos aspectos positivos descritos acima, a JMJ, indubitavelmente, teve seus pontos fracos, e não foram poucos. O primeiro, em minha opinião, foi ter sido transformada em dogma. Ai de quem, se dizendo católico, diga algo contra a JMJ, sua organização, os eventos oferecidos aos jovens, os artistas contratados (ainda que sejam defensores públicos de agendas anticatólicas) ou até mesmo palavras informais do Santo Padre. “Ah! Isso não é coisa de católico! A JMJ está atraindo os jovens e mostrando o rosto vivo da Igreja!” “Curta a vida, curta o Papa!” é o lema, o que pode ser traduzido por “Não encha a nossa paciência falando mal da Jornada!”

O clima de euforia foi sentido já na chamada pré-jornada, em que não se falava de outra coisa nessa arquidiocese a não ser a JMJ. Por um lado, até entendo, pois era necessário mobilizar, angariar recursos, conquistar a mídia e as pessoas para o voluntariado e hospedagem, e isso se faz através de uma intensa máquina de marketing e propaganda. Por outro, causou-me estranheza que esse enfoque exclusivista tenha deixado de lado o combate a temas urgentes, como a defesa da vida dos nascituros e o matrimônio entre  um homem e uma mulher, que foram para debaixo do tapete justamente no momento em que projetos de lei altamente nocivos à vida e à família avançavam e eram votados sob o silêncio sepulcral dos bispos do Brasil. Pouquíssimos foram os prelados que se manifestaram de forma ativa e clara sobre esses tópicos. Nem mesmo o Santo Padre foi incisivo a esse respeito. Na iminência da sanção ou repúdio presidencial ao projeto abortista PLC 03/2013, o máximo que ouvimos dele foi um apelo de proteção “à vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido”, o que pode ser entendido de maneira ampla, especialmente, quando anteriormente ele fizera referência ao cuidado com os idosos e pobres. Será que um engajamento maior por parte da hierarquia com respeito a esses temas atrairia a antipatia da mídia e dos jovens e atrapalharia os interesses da JMJ? – indago-me.

Tradicional peregrinação para a Vigília de Oração com o Papa Francisco, no dia 27 de julho, na praia de Copacabana. Milhões de fiéis de diversas nacionalidades fazem o percurso de 9km da Central do Brasil até Copacabana. No meio do caminho teriam que parar no Aterro do Flamengo e enfrentar longas filas para pegar seus kits refeição (caixas com alimentos industrializados, que serviriam de almoço e jantar). Segundo uma voluntária, esse é o menor percurso de uma JMJ, cuja distância costuma ser de 13km
Tradicional peregrinação para a Vigília de Oração com o Papa Francisco, no dia 27 de julho, na praia de Copacabana. Milhões de fiéis de diversas nacionalidades fazem o percurso de 9km da Central do Brasil até Copacabana. No meio do caminho teriam que parar no Aterro do Flamengo e enfrentar longas filas para pegar seus kits refeição (caixas com alimentos industrializados, que serviriam de almoço e jantar). Segundo uma voluntária, esse é o menor percurso de uma JMJ, cuja distância costuma ser de 13km.

Histeria coletiva

Creio que na História da Igreja nunca tivemos um caso de tamanha comoção popular. Papa Francisco, cuja presença é realmente impactante, deixou a muitos não somente eufóricos, mas até histéricos. Posso estar equivocada, mas não consigo lembrar de outro papa que tenha sido ovacionado com tanta unanimidade, especialmente, pela mídia secular, espíritas, evangélicos e pessoas de outras denominações religiosas. Na chegada ou saída dos eventos de que participava, uma multidão incomensurável de católicos e não católicos invadia as ruas e avenidas para saudar-lhe com gritos, palmas e fotos. Os comentários, inusitados para um Sumo Pontífice, eram os mesmos: “o papa é fofo”, “o papa é pop”, “o papa sabe evangelizar, não importa a religião”. Em pouco tempo uma foto do fotógrafo Luca Zennaro da Agência EFE, em que o Papa Francisco aparece à frente de um microfone com uma lua estrategicamente posicionada atrás de sua cabeça como uma auréola tornou-se viral na Internet.

O Papa João Paulo II certamente atraiu o carinho de milhões de fiéis por seu carisma e simpatia, mas era igualmente bastante criticado por sua defesa intransigente da vida dos nascituros e do matrimônio cristão, atraindo, assim, a ira de setores esquerdistas e liberais. O que houve então para essa ausência inesperada de críticas por parte dos tradicionais inimigos da Igreja? Até mesmo o Fantástico, famoso programa da Rede Globo, que sempre se destacou por alardear escândalos na Igreja, apresentou uma entrevista com o Santo Padre a um jornalista “bonzinho” e comportado, que lhe fez perguntas customizadas, evitando as famosas indagações sobre a posição da Igreja em relação ao aborto e ao casamento gay. Que pasa? Em minha humilde opinião, penso que esse fenômeno tem a ver com o caráter humanista e não confrontador de suas declarações. Aspectos como a ternura, a busca de valores éticos, o socorro aos pobres, o fim da corrupção, inclusão, estilo de vida simples e pobreza dos sacerdotes, especialmente após o famoso escândalo do Banco do Vaticano, são sempre bem-vindos para pessoas de todas as religiões e, em geral, não molestam a mídia.

Papamóvel aberto, marca registrada do Papa Francisco, é deixado às portas do Teatro Municipal após encontro com intelectuais na manhã do dia 27. Dali o Papa seguiria para o Sumaré em carro de passeio, a fim de almoçar e descansar até a vigília de oração. A ostensiva força policial foi incapaz de conter um minúsculo grupo de criaturas ensandecidas autodenominadas “Vadias”, que perpetraram atos de blasfêmia, ultraje e vilipêndio a símbolos religiosos, e atentado violento ao pudor na praia de Copacabana sob o olhar perplexo e passivo dos fiéis.
Papamóvel aberto, marca registrada do Papa Francisco, é deixado às portas do Teatro Municipal após encontro com intelectuais na manhã do dia 27. Dali o Papa seguiria para o Sumaré em carro de passeio, a fim de almoçar e descansar até a vigília de oração. A ostensiva força policial foi incapaz de conter um minúsculo grupo de criaturas ensandecidas autodenominadas “Vadias”, que perpetraram atos de blasfêmia, ultraje e vilipêndio a símbolos religiosos, e atentado violento ao pudor na praia de Copacabana sob o olhar perplexo e passivo dos fiéis.

Omissão sintomática da crise na Igreja

Para mim, ficou claríssimo que doravante será cada vez mais difícil falarmos em crise na Igreja. Se com Bento XVI a tendência era um foco nos problemas ad intra, com Francisco, salvo questões menores de ordem burocrática (reforma da cúria, IOR, etc), a ênfase está na missão, isto é, uma abordagem ad extra do papel da Igreja. Certamente, alguém que ouse tocar nesse tabu será aconselhado a procurar um psicólogo para tratar de sua “síndrome de profeta da desgraça”.

A todo momento ouvimos até mesmo de católicos que se dizem alinhados com a Tradição que os números falam por si e que dois a três milhões de pessoas encheram as areias de Copacabana. \o/

Alguns ainda alardeiam que a JMJ foi o maior evento da Igreja Católica nos últimos anos. Se, por acaso, questionamos o conteúdo religioso da JMJ, logo nos respondem que os jovens tiveram catequese intensa por três dias, que participaram de orações nos atos centrais, nas santas missas e etc. etc.

Ainda que essa cifra inclua pessoas sem religião, pessoas de outras religiões ou católicos não praticantes que apenas simpatizam com a pessoa do Papa Francisco, isso não importa. O que importa é que três milhões foram aos atos centrais ver o Papa!

Não descarto a utilidade dessa participação fenomenal como ferramenta de promoção do catolicismo aos olhos pagãos, mas é importante avaliar se após a JMJ esses mesmos três milhões de fiéis serão fortes o bastante para forjar mudanças em seus países e combater o laicismo avassalador. A Igreja provou que tem poder de fogo. Só Ela é capaz de organizar tamanho evento e envolver um tão grande número de pessoas.

Quererá Ela arregimentá-las para eventos light e inconsequentes ou para efetivamente formar um exército de combatentes e promover uma re-catolização do Brasil Só o tempo dirá.

Ainda que saibamos da ideologia reinante na maior parte de nossas dioceses, suas práticas litúrgicas e doutrinais, bem como da sistemática omissão de temas cruciais da doutrina e da moral cristã, isso não importa. O que importa é que os peregrinos tiveram catequese durante três dias! A Igreja é viva! Os jovens estão sendo atraídos pela Igreja! “Não sejam exagerados, vejam os frutos”, nos responderão com suas trombas devidamente armadas.

Então, o que dizer da JMJ 2013: evento jovem ou evento católico?

Em vista de tudo o que temos presenciado na Igreja nos últimos anos e, mais especificamente durante a Jornada, creio que, embora Deus seja verdadeiramente onipotente e derrame suas graças onde Ele bem quiser, não deixando sem resposta  orações sinceras e corações contritos e humilhados, e considerando ainda os benefícios auferidos em nível particular durante a Jornada, como, por exemplo, confissões, missas (até mesmo no rito tradicional, como destacamos aqui e aqui), testemunhos de vida edificantes e etc, a  JMJ representa, em uma análise ampla e geral, como um todo, um afastamento flagrante da Tradição da Igreja, no que tange à doutrina da Fé e Moral ali explicitadas, não tanto pelo que foi dito, mas pelo que foi omitido. Não é necessário se delongar sobre práticas litúrgicas bizarras, com abusos litúrgicos graves, inclusive nas cerimônias principais, bem como em comportamentos inadequados por parte de fiéis desorientados – ovelhas literalmente sem pastor.

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Ensinamentos sobre os Novíssimos (aliás, magistralmente tratados pelos jesuítas clássicos, em seus famosos Exercícios Espirituais de Santo Inácio), a importância da castidade, o terrível flagelo do aborto, o pecado das uniões civis de pessoas do mesmo sexo ou até mesmo o ‘casamento gay’ precisam necessariamente de ser ministrados pela hierarquia. Em entrevista a diversos jornalistas no voo que o levou de volta a Roma, ao ser indagado porque ele não falou do aborto e da posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Santo Padre respondeu simplesmente o seguinte: “A igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não era necessário falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem perfeitamente qual a posição da igreja.”

Como assim, Santo Padre?

Poderíamos, com esse argumento, eliminar todas as homilias, bem como todas as catequeses da própria JMJ, pois sobre todos os assuntos abordados a Igreja já se pronunciou de maneira clara. Com todo respeito, amor e submissão ao Sumo Pontífice, ousaríamos ainda questionar: se o propósito era “falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens”, porque a condenação incisiva – e justíssima — ao tráfico e a descriminalização de drogas? Por que a exclusividade a esse crime? Abordá-lo não é, absolutamente, falar de coisas positivas, ainda mais no Rio, que tanto sofre com isso. Seria talvez porque há certa unanimidade sobre o assunto, que não é tão polêmico e não se choca com interesses estatais como, por exemplo, o aborto?…

Podemos até admitir que a esmagadora maioria dos peregrinos da JMJ sabe ou já ouviu falar que a Igreja é contra o aborto, contra a prática da sodomia, as uniões civis de pessoas do mesmo sexo e etc., mas será que eles realmente sabem que esses atos ofendem a Deus e põem suas almas em risco? Por que de uma hora para outra, a palavra “pecado” tem de ser banida do diálogo com os jovens? Será que eles sabem que além de serem contrários a essas coisas em nível pessoal, são chamados a combatê-las na esfera pública?

Será que não estamos abandonando o conceito de Igreja Militante para aderirmos ao de Igreja Sorridente?

Noite do dia 27: Bispos em momento de descontração atendem ao apelo de um jovem instrutor para que também participem do maior flash mob já realizado no planeta. Na manhã seguinte, minutos antes da Missa de Envio, a dança seria repetida não só pelos leigos, mas também por vários sacerdotes devidamente paramentados. Como diz o ditado: “Quem está na chuva é pra se molhar.”.
Noite do dia 27: Bispos em momento de descontração atendem ao apelo de um jovem instrutor para que também participem do maior flash mob já realizado no planeta. Na manhã seguinte, minutos antes da Missa de Envio, a dança seria repetida não só pelos leigos, mas também por vários sacerdotes devidamente paramentados. Como diz o ditado: “Quem está na chuva é pra se molhar.”

Em seu discurso ao Conselho Episcopal Latino-Americano, no Rio de Janeiro, o Santo Padre reclama da “clericalização dos leigos” e que essa é uma posição cômoda para muitos padres. Nesse ponto ele está certíssimo. Por outro lado, o que os leigos deveriam fazer em situações de tão grande necessidade com a atual, em que as mais altas esferas hierárquicas se esquivam dos temas polêmicos? Para quem sobra o “trabalho sujo”? Não fora o incansável esforço de leigos pró-vidas, que se esforçaram para que os peregrinos tivessem kits pró-vida em suas mochilas (um feto em PVC representando um bebê de 12 semanas e um folder explicativo em três idiomas), os jovens sairiam da jornada do mesmo jeito que entraram com respeito ao maior flagelo da humanidade atualmente.

A parte as questões morais, transbordou na JMJ o famigerado “Espírito do Concílio” impregnado pelo falso ecumenismo denunciado na Encíclica Mortalium Animus. Muitos foram os indícios nesse sentido, que culminaram com a resposta do Santo Padre ao repórter Gerson Camarotti na supracitada entrevista exclusiva ao Fantástico. Nessa entrevista, ele ressalta a importância dos valores éticos e da defesa da realidade humana. Acabar com a fome e dar educação aos pobres – sem dúvida, obras de misericórdia muito meritórias – são valores que devem sobrepujar as diferenças religiosas. Novamente, ficamos sem uma clareza sobre a necessidade de aderir à Fé Católica para a salvação de nossas almas e quais os limites para a cooperação entre católicos e pessoas de outras religiões sem que se passe a impressão de indiferentismo.

Rio de Janeiro: Missa na Praia de Copacabana. Imagem de Vinícius Farias.
Rio de Janeiro: Missa na Praia de Copacabana. Imagem de Vinícius Farias.

Em suma, o Santo Padre nos ensinou valores importantíssimos. Devemos acolher respeitosamente tudo o que ele nos pede de bom e verdadeiro. Todavia, não podemos ignorar que algumas omissões ao longo da JMJ poderão ter consequências gravíssimas para a vida dos católicos e para os esforços de evangelização. Ele nos pede oração. E, se essa já é nossa obrigação filial, agora mais do que nunca devemos rezar pelo Vigário de Cristo na Terra.

Rezemos pela Igreja, pelo Santo Padre e por cada um de nós, para que o Bom Deus nos ajude na busca de santidade. E que Ele nos dê a sabedoria para vivermos e transmitirmos a fé católica com clareza e na sua integridade, sem medo de ir contra a corrente, nesses tempos de turbulência.

Auxilium Christianorum, ora pro nobis!

O silêncio do Papa que autoriza debate sobre temas tabus.

Francisco surpreendeu ao falar sobre os gays e condenar o preconceito, mas a mensagem mais forte foi deixar polêmicas de lado.

O Globo – Para os católicos conservadores, que distribuíram réplicas de fetos em garrafinhas na vigília de Copacabana, foi um “silêncio comprometedor”. Já os progressistas, que marcharam na orla por uma Igreja mais tolerante, preferiram chamar de “silêncio libertador”. Ao tangenciar assuntos polêmicos, como o aborto, a eutanásia e a união civil entre pessoas do mesmo sexo durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa Francisco faz história sem abrir a boca. Mostrou aos católicos que, ao não condenar e repetir a velha retórica do Vaticano, abre caminho para o debate interno de temas até então considerados tabus.

Para os que ainda duvidavam do significado do silêncio do Papa, o retorno a Roma acentuou a guinada. Confrontado pelos jornalistas com as denúncias de lobby gay no Vaticano, respondeu com humildade: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?”. Sobre o aborto, sua resposta estava nas entrelinhas: “A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar. Não era necessário voltar a isso, como também não era necessário falar sobre outros assuntos”.

— Ele não está querendo reiterar posições. Não se afasta da doutrina tradicional, mas evita insistir nela. Ao fazer isso, permite uma reflexão mais ampla. Há um clima novo para o debate. Não há mais medo da autocensura. O silêncio do Papa é libertador — festeja o sociólogo Luiz Alberto Gomes de Souza, diretor do Programa de Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.

Conservadores inquietos

Ao advertir que a Igreja já disse o que tinha de falar, sem explicar exatamente o que, Francisco inquieta os setores conservadores, cujas lutas encontravam eco nas pregações de João Paulo II e Bento XVI. Ontem mesmo, o site Frates in Unum, um dos mais expressivos dessa corrente no Brasil, lamentava que, “às vésperas da legalização da prática do aborto no Brasil”, a JMJ tenha feito “poucas referências a este crime abominável, que brada ao Céu e clama a Deus por vingança”.

Os conservadores, que se juntam aos evangélicos na resistência cristã aos projetos que avançam na legalização do aborto, não escondem a frustração por não terem ouvido de Francisco uma condenação enfática: “Da boca do Santo Padre, o pedido de proteção à ‘vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido’. E até agora foi só. Nenhuma outra palavra mais contundente que poderia mudar o triste cenário em nosso país”. E arrematam: “A esperança de um pronunciamento de última hora foi vã”.

— O Papa disse que vivemos num mundo laico, secular. Há liberdade para várias posições. Agora, outra coisa é querer impor uma posição para toda a sociedade — rebate Luiz Alberto.

O movimento gay, sempre reticente com a Igreja, viu nas palavras do Papa um adversário a menos a ser enfrentado no cenário político:

— Ele não chegou a defender a união civil. Mas, só em não nos atacar, já é positivo. O Papa separa os católicos das correntes de Marcos Feliciano e Silas Malafaia, que ficam agora isoladas — reflete o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), Carlos Magno Silva Fonseca.

O preço da harmonia.

Por Manoel Gonzaga Castro – Fratres in Unum.com | Acabou da Jornada Mundial de Juventude. O Papa já está de volta ao Vaticano. Tudo transcorreu na mais perfeita harmonia: COL (Comitê Organizador Local), Prefeitura e Governo do Estado do Rio e Governo Federal. O evento foi considerado um sucesso, apesar de problemas de infraestrutura e do “lapso” Guaratiba, que gerou a mudança de última hora dos últimos eventos da JMJ para Copacabana.

Os meios de comunicação fizeram uma enorme e benevolente cobertura. Já não se ouve mais os ataques de outrora à Igreja. Tudo é humildade e simpatia. Até as novelas foram retiradas do ar para dar espaço aos belos gestos do Papa Francisco.

No entanto, é cristalina a oposição entre os valores pregados pela Igreja e a agenda do governo petista (do qual são aliados os governos municipal e estadual do Rio). Diga-se o mesmo dos meios de comunicação, em especial, da Rede Globo de Televisão.

E é óbvio: tal harmonia não seria gratuita. Ela tem o seu preço.

Silêncio comprometedor

Durante sua visita ao Rio de Janeiro, o Papa Francisco repetiu por várias vezes aos jovens o apelo: “ide contra a corrente”, sem medo.

Porém, os assuntos polêmicos – que separam os sujeitos citados acima – foram tratados como tabu. Já observava o respeitado vaticanista Sandro Magister: “O êxito midiático do qual goza [Francisco] tem um motivo e um custo: seu silêncio sobre as questões políticas cruciais do aborto, eutanásia e casamento homossexual”.

Como muito pertinentemente observado por Fratres in Unum, “às vésperas da legalização prática do aborto no Brasil, poucas referências a este crime abominável, que brada ao Céu e clama a Deus por vingança, foram feitas durante a JMJ: da boca do Santo Padre saiu o pedido de proteção à ‘vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido’. E até agora foi só. Nenhuma outra palavra mais contundente que poderia mudar o triste cenário em nosso país”. 

A esperança de um pronunciamento de última hora foi vã.

Contudo, a postura contemporizadora de Francisco já era conhecida na Argentina. Quando da polêmica envolvendo a legislação sobre o casamento gay em nosso país vizinho, o então Cardeal Bergoglio liderava a ala “não polemizadora” da Conferência Episcopal. À época, fora vencido por Dom Hector Aguer, arcebispo de La Plata e seu desafeto, que estava à frente da corrente que pretendia defender abertamente os direitos de Deus e o bem dos homens.

Trata-se, em última análise, de uma extensão da atitude proposta por João XXIII no discurso de abertura do Concílio Vaticano II: “A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações”.

Bem… os resultados desse modus operandi falam por si. Não à toa, a mente dos católicos tem mudado consideravelmente nas últimas décadas. A adesão aos valores cristãos e sua defesa há tempos já não é a mesma. A passividade dos fiéis e das autoridades, eclesiásticas e civis, chega ao ponto de meia-dúzia de revoltados quebrarem imagens de santos confortavelmente, diante de uma multidão (e da polícia) que assiste tudo passivamente. Desgraçadamente, mostra-se longínqua para nós a hipótese de vermos a Arquidiocese do Rio ou a CNBB solicitando ao Ministério Público que tome as devidas providências para punir os delinquentes.

Todavia, os parceiros de organização da viagem pontifícia e do espetáculo da Jornada não dormem nem se silenciam: enquanto o governo federal caminha a passos largos para implantar na prática o aborto no Brasil, em particular com o famigerado e nefasto PLC 3/2013, a Rede Globo fala abertamente sobre o aborto em uma de suas novelas atualmente no ar.

Os parceiros da JMJ jogam sujo: de um lado, bombardeiam ideologicamente os fiéis com sua dramaturgia e artistas, os “santos” modernos e descolados, modelos a serem imitados pela juventude, transformando os valores do povo brasileiro. De outro, o governo implementa gradativamente sua agenda política pró-aborto, pró-gayzismo, anti-família e amoral, com seus nefastos projetos de lei e manobras políticas. E o contra-ataque nesta guerra, a resposta católica? Um ensurdecedor silêncio, muita simpatia e dancinhas

francisco

Não por acaso há muita gente rindo, satisfeitíssima.

Rede Globo parceira. Uma raríssima entrevista exclusiva.

Mas um episódio exporia ainda mais nitidamente o que falamos sobre o relacionamento dos homens da Igreja e seus parceiros de Jornada Mundial da Juventude.

Desde sua época em Buenos Aires, Papa Bergoglio é muito conhecido por sua aversão a jornalistas e entrevistas. No avião que o trouxe ao Brasil, rompeu com a tradição de seus predecessores ao não ter o momento de perguntas e respostas com jornalistas do mundo inteiro. O Pontífice então declarou: “Não dou entrevistas, porque… não sei…, não posso. É assim para mim. É cansativo fazê-lo”.

Cansaço superado, ao custo da tradicional sesta após o almoço, para atender ao articulado Gerson Camarotti, da Rede Globo, por quase meia hora.

Que Camarotti se beneficia das indiscrições dos cardeais brasileiros (a cobertura do conclave que o diga) e goza de trânsito livre nos corredores de suas cúrias não é nenhuma novidade.

Mas conseguir uma entrevista exclusiva com um Papa, enquanto veículos do mundo inteiro chupam dedo, é algo curiosíssimo. Seria o preço cobrado por uma cobertura amplamente positiva da viagem papal? Ou dos artistas, coreógrafos e diretores cedidos pela Globo para as cerimônias da Jornada (algumas das quais, notaram vários leitores do Fratres, com a cara do Criança Esperança)?

Queremos crer que nossos homens da Igreja não se sujeitam a esse tipo de maquinação.

PS.: Enquanto concluíamos a redação deste artigo, foi divulgada a entrevista que o Papa concedeu aos demais jornalistas, provavelmente constrangido pela exclusiva dada à Globo, em seu avião. Não há o que comentar. A íntegra publicamos a seguir:

Pergunta – Nestes quatro meses, o senhor criou várias comissões. Que tipo de reforma tem em mente? O sr. quer suprimir o banco do Vaticano?
Papa Francisco – Os passos que eu fui dando nestes quatro meses e meio vão em duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da congregação dos cardeais. Eu me lembro que os cardeais pediam muitas coisas para o novo papa, antes do conclave. Eu me lembro de que tinha muita coisa. Por exemplo, a comissão de oito cardeais, a importância de ter uma consulta externa, e não uma consulta apenas interna.
Isso vai na linha do amadurecimento da sinodalidade e do primado. Os vários episcopados do mundo vão se expressando em muitas propostas que foram feitas, como a reforma da secretaria dos sínodos, que a comissão sinodal tenha característica de consultas, como o consistório cardinalício com temáticas específicas, como a canonização.
A vertente dos conteúdos vem daí. A segunda é a oportunidade. A formação da primeira comissão não me custou pouco mais de um mês. Pensava em tratar a parte econômica no ano que vem, porque não é a mais importante. Mas a agenda mudou devido a circunstâncias que vocês conhecem.
O primeiro é o problema do IOR [banco do Vaticano], como encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão.
Depois, tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Notou-se que o problema econômico estava fora da agenda. Mas essas coisas atendem.
Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas, se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos de atacar. A vida é assim. Eu não sei como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso.
O presidente do IOR permanence, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. A característica de, seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.

Uma fotografia do sr. deu a volta ao mundo, quando o sr. desceu as escadas do helicóptero, carregando sua mala preta. Artigos de todo o mundo comentaram o papa que sai com sua própria mala. Foram levantadas hipóteses também sobre o conteúdo da mala. Por que o sr. saiu carregando a maleta preta, e não seus colaboradores? E o sr. poderia dizer o que tinha dentro?
Não tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso, Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um breviário (livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei a minha maleta. É normal. Temos de ser normais. É um pouco estranho isso que você me diz que a foto deu a volta ao mundo. Mas temos de nos habituar a sermos normais, à normalidade da vida.

Por que o senhor pede tanto para que rezem pelo senhor? Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele.
Sempre pedi isso. Quando era padre, pedia, mas nem tanto nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a bispo. Porque eu sinto que, se o Senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos outros, não se pode. Preciso da ajuda do Senhor. Eu de verdade me sinto com tantos limites, tantos problemas, e também pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Sinto que devo pedir. Não sei

Na busca por fazer essas mudanças, o sr. disse que existem muitos santos que trabalham no Vaticano e outros um pouco menos santos. O sr. enfrenta resistências a essa sua vontade de mudar as coisas no Vaticano? O sr. vive num ambiente muito austero, de Santa Marta. Os seus colaboradores também vivem essa austeridade? Isso é algo apenas do sr. ou da comunidade?
As mudanças vêm de duas vertentes: do que pediram os cardeais e também o que vem da minha personalidade. Você falou que eu fico na Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho no palácio, que não é luxuoso. O apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso viver sozinho. Preciso de gente, falar com gente. Trabalhar com as pessoas. Porque, quando os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava aqui pela austeridade e pobreza, eu respondi: “Não, por motivos psiquiátricos.”
Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar adiante sua vida, seguir seu modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem como ricos. Têm apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu conheço têm apartamentos pequenos.
Cada um tem de viver como o Senhor disse que tem de viver. A austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da igreja. É verdade que há santos, sacerdotes, padres, gente que prega, que trabalha tanto, que vai aos pobres, se preocupa de fazer comer os pobres. Têm santos na Cúria. Também têm alguns que não têm muitos santos. E são estes que fazem mais barulho. Uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que nasce. Isso me dói. Porque são alguns que causam escândalos. São escândalos que fazem mal. Uma coisa que nunca disse: a Cúria deveria ter o nível que tinha dos velhos padres, pessoas que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos deles. Precisamos o perfil do velho da Cúria.
Sobre resistência, se tem, ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz :”Eu não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro colaborador. Mas, quando vejo aqueles que dizem “ah, que belo, que belo” e depois dizem o contrario por trás, isso não ajuda.

O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para estes casamentos em relação ao aborto. Por que o senhor não falou sobre isso?
A igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não era necessário falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem perfeitamente qual a posição da igreja.

E a do papa?
É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.

Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o bispo de Roma?
Não se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa é bispo de Roma e por isso é papa, o sucessor de Pedro. Não é o caso pensar que isso quer dizer que é o primeiro. Não é esse o sentido. O primeiro sentido do papa é ser o bispo de Roma.

O sr. teve sua primeira experiência multidinária no Rio. Como se sente como papa, é um trabalho duro?
Ser bispo é belo. O problema é quando alguém busca ter esse trabalho, assim não é tão belo. Mas, quando o Senhor chama para ser biso, isso é belo. Tem sempre o perigo e o pecado de pensar com superioridade, como se fosse um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o filtro da estrada.
O bispo tem de indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre, era feliz. Como bispo, era feliz e isso me faz bem.

E ser papa?
Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu sentimento.

Igreja no Brasil está perdendo fieis. A Renovação Carismática é uma possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas pentecostais?
É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos brasileiros.
Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba.
Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito bem à igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam.
Neste momento da igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um graça para a igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria igreja, a igreja que se renova.

A igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as medidas concretas? O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento especial neste voo?
Vamos começar pelo fim. Não há nenhum tratamento especial neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria tratamento especial.
Segundo, as mulheres. Uma igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria. O papal da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa, mãe.
O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa belíssima sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se pode entender uma igreja sem uma mulher ativa.
Um exemplo histórico: para mim, as mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé, a língua.
Na igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.

Queremos saber qual a sua relação de trabalho com Bento 16, não a amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma circunstância assim. Os contatos são frequentes?
A última vez que houve dois ou três papa, eles não se falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele.
Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”. Isso é grande.

O sr. falou com os bispos brasileiros sobre a participação das mulheres na igreja. Gostaria de entender melhor como deve ser essa participação. O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?
Sobre a participação das mulheres na igreja, não se pode limitar a alguns cargos: a catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais, muito mais. Sobre a ordenação, a igreja já falou e disse que não. João Paulo 2° disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na igreja é mais importante que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação teológica.

Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia Sobre o acesso aos sacreamentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da igreja?
Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e també tantos problemas na igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de corrupção, do clericalismo A igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se cansa de perdoar.
Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há 15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio.
A questão da anulação do casamento deve ser revisada. É complexa a questão pastoral do matrimônio.

Em quatro meses de Pontificado, pode nos fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser Papa? O que mais lhe surpreendeu neste período?
Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins, ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampeduse [ilha que recebe imigrantes africanos], me fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos, que os deixam a algumas milhas de distância da costa e eles têm de chegar (à costa) sozinhos, isso me dói porque penso que essas pessoas são vítimas do sistema sócio-econômico mundial.
Mas a coisa pior é o nervo ciático, é verdade, tive isso no primeiro mês. É verdade! Para uma entrevista, tive de me acomodar numa poltrona e isso me fez mal, era dolorosíssimo, não desejo isso a ninguém. O encontro com os seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos do colégio jesuíta foi belíssimo. As pessoasconheci tantas pessoas boas no Vaticano. Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.

Tem a esperança de que esta viagem ao Brasil contribua para trazer de volta os fiéis? Os argentinos se perguntam: não sente falta de estar em Buenos Aires, pegar um ônibus?
Uma viagem do papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao Brasil fará bem, não apenas a presença do Papa. Eles (os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a igreja. Tantos fiéis que foram se sentem felizes. Acho que será positivo não só pela viagem, mas pela jornada, um evento maravilhoso. Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.

O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca e como pretende enfrentar toda esta questão do lobby gay?
Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer, a investigação prévia. E nessa investigação não tem nada do que o acusam. Não achamos nada. É a minha resposta.
Quero acrescentar uma coisa a mais sobre isso. Tenho visto que muitas vezes na igreja se buscam os pecados da juventude, por exemplo. E se publica.
Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece.
E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer. Isso é um perigo.
O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse pecador foi transformado em Papa.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que, quando alguém se vê com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e formar um lobby gay, porque nem todos os lobbys são bons. Isso é o que é ruim.
Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-lo? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados na sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.

A ruína dos Franciscanos da Imaculada.

Uma das ordens religiosas mais florescentes do mundo. Proibidos de celebrar a Missa Tradicional – uma manobra Aviz e Carballo. Com o aval do Papa.

A primeira vez que Francisco contradiz Bento

Isso aconteceu quanto ao ponto nevrálgico da Missa no rito antigo. Ratzinger permitiu a celebração para todos. Bergoglio a proibiu a uma ordem religiosa que a preferia. 

Por Sandro Magister | Tradução: Fratres in Unum.com – ROMA, 29 de julho de 2013 – Um ponto sobre o qual Jorge Mario Bergoglio estava à espreita, após a sua elevação ao papado, era o da Missa no rito antigo.

Alguns previam que o Papa Francisco não se desviaria da rota de seu predecessor, que havia liberado a celebração da Missa no rito antigo como forma “extraordinária” do rito moderno [sic], com o Motu Proprio “Summorum Pontificum”, de 7 de julho de 2007:

> Bento libera o rito antigo da missa. E explica por quê

e com a posterior Instrução “Universæ ecclesiæ” de 13 de maio de 2011:

> Duas missas para uma única Igreja

Outros previam por parte de Francisco uma restrição — ou diretamente uma revogação — da possibilidade de celebrar a Missa com o rito anterior ao Concílio Vaticano II, inclusive ao custo de contradizer as resoluções do ainda vivo Bento XVI.

Ao ler um decreto emitido pela Congregação vaticana para os Religiosos, pouco antes da viagem de Francisco ao Brasil, com a aprovação explícita do mesmo Papa, deveríamos dar mais razão aos segundos que aos primeiros.

O decreto é datado de 11 de julho de 2013, número de protocolo 52741/2012, assinado pelo prefeito da Congregação, o Cardeal João Braz de Aviz, focolar, e pelo secretário da mesma, o arcebispo José Rodríguez Carballo, franciscano.

Braz de Aviz é o único alto dirigente da cúria de nacionalidade brasileira, motivo pelo qual acompanhou Francisco em sua viagem ao Rio de Janeiro. Tem fama de progressista, embora mais lhe corresponda a de confuso. E será um dos primeiros a desaparecer, tão logo tome corpo a reforma da cúria anunciada por Francisco.

Pelo contrário, Rodríguez Carballo goza da plena confiança do Papa. Sua promoção a número dois da Congregação foi desejada pelo mesmo Francisco, no início de seu pontificado.

É difícil, então, pensar que o Papa Bergoglio não se tenha dado conta do que aprovava quando lhe fora apresentado o decreto antes de sua publicação.

O decreto institui um comissário apostólico — na pessoa do frei capuchinho Fidenzio Volpi — à cabeça de todas as comunidades da Congregação dos Irmãos Franciscanos da Imaculada.

E este é o motivo do assombro, porque os Franciscanos da Imaculada são uma das mais florescentes comunidades religiosas nascidas nas últimas décadas no interior da Igreja Católica, com ramos masculino e feminino, com numerosas e jovens vocações, difundidas em vários continentes e com uma missão também na Argentina.

Eles se reivindicam como fiéis à Tradição, em pleno respeito ao magistério da Igreja. Tão certo que em suas comunidades celebram missas tanto no rito antigo como no moderno, como fazem, por outra parte, em todo o mundo centenas de outras comunidades religiosas — para dar um só exemplo: os beneditinos de Nursia — aplicando o espírito e a letra do Motu Proprio “Summorum Pontificum”, de Bento XVI.

Mas precisamente isso foi criticado por um núcleo de dissidentes internos, que apelaram às autoridades vaticanas lamentando a excessiva inclinação de sua Congregação a celebrar a missa no rito antigo, com o efeito de criar exclusões e contraposições dentro da comunidade, minar a unidade interna e, por ainda, debilitar o mais amplo “sentire cum Ecclesia”.

As autoridades vaticanas responderam enviando há um ano um visitador apostólico. E agora se realiza a nomeação do comissário.

Mas o que mais surpreendente são os últimos cinco itens do decreto de 11 de julho:

“Ademais do exposto, o Santo Padre Francisco dispôs que cada um dos religiosos da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada está obrigado a celebrar a liturgia segundo o rito ordinário e que, eventualmente, o uso da forma extraordinária (Vetus Ordo) deverá ser explicitamente autorizada [sic] pelas autoridades competentes, para cada religioso e/ou comunidade que solicite”.

O assombro deriva do fato de que o que se decreta contradiz as disposições providas por Bento XVI, que para a celebração da Missa no rito antigo “sine populo” não exige nenhum pedido prévio de autorização:

“Ad talem celebrationem secundum unum alterumve Missale, sacerdos nulla eget licentia, nec Sedis Apostolicae nec Ordinarii sui” (1).

Enquanto que, para as missas “cum populo”, estipulam algumas condições, mas sempre assegurando a liberdade de celebrar.

Em geral, contra um decreto de uma Congregação vaticana é possível apresentar um recurso ao tribunal supremo de Assinatura Apostólica, atualmente presidida por um cardeal, o americano Raymond Leo Burke, considerado amigo dos tradicionalistas.

Mas se o decreto é objeto de aprovação em forma específica por parte do Papa, como parece ser o caso, o recurso não é admitido.

Os Franciscanos da Imaculada deverão ater-se à proibição de celebrar a Missa no rito antigo a partir de domingo, 11 de agosto.

E o que acontecerá agora, não só para eles, mas para toda a Igreja?

Bento XVI estava convencido de que “as duas formas do uso do rito romano podem enriquecer-se mutualmente”. Assim havia explicitado na angustiada carta aos bispos de todo o mundo, com a qual havia acompanhado o motu proprio “Summorum Pontificum”:

> “Com grande confiança e esperança…”

Mas daqui em diante, não é mais assim. Ao menos não para todos. Aos Franciscanos da Imaculada, obrigados a celebrar a missa somente na forma moderna, não lhes restará mais que um só modo de entesourar o que também defendia Bento XVI: “manifestar”, também nessa forma, “com mais força com que se costuma até agora, essa sacralidade que atrai a muitos ao uso antigo”.

É fato que se rachou um ponto de referência do pontificado de Joseph Ratzinger. De uma exceção que muitos temem — ou defendem — se converterá rapidamente em regra.

* * *

(1) Curiosamente, mesmo depois de seis anos de sua publicação, o motu proprio “Summorum Pontificum” de Bento XVI continua presente na página web da Santa Sé, mas somente em dois idiomas, e entre os menos conhecidos: o latim e o húngaro.