A opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber por onde entra o espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair à caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas. Limito-me a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja “tentada”. Trata-se de conhecer determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a dinâmica do discipulado missionário e deter, até fazê-lo fracassar, o processo de Conversão Pastoral.
1) A ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja.
Um exemplo: a dado momento, Aparecida sofreu essa tentação sob a forma de assepsia. Foi usado, e está bem, o método de “ver, julgar, agir”. A tentação se encontraria em optar por um “ver” totalmente asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O ver está sempre condicionado pelo olhar. Não há uma hermenêutica asséptica. Então a pergunta era: Com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida respondeu: Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números 20 a 32. Existem outras maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente, aparecem na América Latina e no Caribe propostas desta índole. Menciono apenas algumas:
a) O reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista.
b) A ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento.
Costuma verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros espirituais, etc. Acaba por resultar numa posição imanente autorreferencial. Não tem sabor de transcendência, nem portanto de missionariedade.
c) A proposta gnóstica. Muito ligada à tentação anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”. Foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da história da Igreja, em edições corrigidas e renovadas. Vulgarmente são denominados “católicos iluminados” (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo).
d) A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas superadas que, mesmo culturalmente, não possuem capacidade significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a “segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática, embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura “recuperar” o passado perdido.
2) O funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da prosperidade” no organograma da pastoral.
3) O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas.
Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo de Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa dimensão. A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical.
Poderíamos continuar descrevendo outras tentações contra o discipulado missionário, mas acho que estas são as mais importantes e com maior força neste momento da América Latina e do Caribe.
Muito bom o artigo, alguém sabe onde conseguir os discursos e a Homilia do Papa na JMJ em português
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No nosso blog há links para todos eles, Venicio…
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O papa Francisco também se manifestou a favor de um maior papel das mulheres dentro da Igreja, mas rejeitou categoricamente sua ordenação como sacerdotisas.
— Não se pode imaginar uma Igreja sem mulheres ativas — disse o Papa, depois de lembrar que a entidade já se pronunciou contra esta opção. — Esta porta está fechada — reconheceu.
Do jornal Zero Hora – parte de entrevista coletiva no voo de retorno do papa a Roma…
O papa também falou sobre “lobby gay” e “condenação de gays”…
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Ele criticou os tais encontros espirituais…na minha opinião, realmente, são muito emotivos e nem tanto doutrinais ou de aprofundamento. Mas por outro lado, também critica os saudosistas (tradicionais?)…Na minha visão foi isso. Gostei muito da crítica ao marxismo, que não fique dúvidas em relação a TL. Quanto ao clericalismo, ok. Mas cá entre nós, tem municípios do interior que conta só com um padre para uma matriz, algumas igrejas de bairro e várias outras distritais. É muita coisa para o sr padre dar conta, é necessária ajuda, dentro do bom senso. Solução para isso é aumento das vocações…
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Algum palpite sobre as “novas congregações religiosas” que aderiram ao pelagianismo? Administração Apostólica? Arautos? Neocatecumenato?
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A maior tentação da Igreja se chama FRANCISCO.
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Obviamente que a “tentação pelagiana” se refere aos grupos tradicionalistas, ou, mais precisamente, àquelas congregações que de alguma forma tensionam o “discurso romano”. Nesse sentido, a Administração Apostólica pode – por hora – dormir tranquila, pois dom Rifan é absolutamente bem relacionado com Roma. O mesmo eu não diria, por exemplo, de alguns setores da FSSP. Caminho Neocatecumenal e Arautos são grupos conservadores, não se confundem com os tradicionalistas.
Ainda quero me inteirar melhor do que se trata efetivamente de “tentação pelagiana” para Francisco; se é uma crítica ao tradicionalismo em geral ou se se trata de uma crítica de ordem pastoral. Por exemplo, quero saber se, por exemplo, diante do interesse de “celebrar em uma missa tridentina em desagravo à Jornada Mundial da Juventude”, Francisco aponta sua crítica à celebração, relacionando-a diretamente com o contexto que a ensejaria, ou a aponta apenas para o contexto, sem implica-la com a missa tridentina.
Decididamente, creio se tratar de uma deselegância e prepotência extremas convocar uma missa tridentina em desagravo à JMJ. Por outro lado, nem por isso concluo que a missa tridentina esteja correspondida à atitude que ensejou a sua celebração nestes termos. E espero que Francisco saiba distinguir o discurso do Tesouro. A missa tridentina é um Tesouro da Igreja, independentemente de quem e por que a celebrem. Ela não pode ser confundida com os pendores restauracionistas de alguns grupos. Até porque, a missa tridentina, por ser um Tesouro das nossas tradições, ainda que se tribute ao passado, ela nos indica, precipuamente, o futuro da Igreja.
No mais, gostei muito da crítica às tentações, sobretudo por Francisco ter se recordado que elas também rondaram Aparecida. Logo, o compromisso de Aparecida é, acima de tudo, o compromisso nos termos aventados e considerados por Francisco, o que muito me agrada, pois Bergoglio é um pastor gigante diante da palidez e tibieza dos burocratas da CNBB. Seu compromisso com a piedade popular é admirável também. Se o clero tivesse ouvido mais o povo nos últimos cinquenta anos, o Concílio Vaticano II teria uma feição certamente muito diferente – e muito melhor também.
E, vamos e venhamos, o primeiro item é um rumoroso NÃO à Teologia da Libertação. A menção à força de outrora dos movimentos “sociologizantes” entrega a quem Francisco se refere. Sim, tudo indica que, de fato, a “doença infantil” da Igreja do Brasil mencionada por Francisco é a teologia da libertação, uma sátira à uma expressão utilizada por Lênin, o que exprime de modo claríssimo a quem a mensagem do Papa se dirigiu. Que Francisco seja, então, a profilaxia tão ansiada pelos católicos brasileiros para essa doença que há tanto tempo nos acomete e parasita. Para quem esperava um gesto de reconciliação, Francisco deu um verdadeiro “chega para lá” em Boff e companhia cada vez mais limitada.
p.s. FSSPX, por hora, vai ficar em banho-maria até os tempos em Roma mudem de feição novamente. A não ser que a própria FSSPX mude antes…
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É bom ler a condenação da TL e do marxismo por parte do Papa Francisco, vem encerrar uma discussão se Francisco era pró/anti TL. Há aqui uma clara continuidade relativamente a todos os pontos com os seus antecessores, com exceção do ponto d)
Na minha interpretação do discurso do Santo Padre, restauracionismo é aquilo a que nós chamamos de tradicionalismo, ou ser fiel à Tradição. João Paulo II criou a comissão “Ecclesia Dei”, Bento XVI restaurou o uso do Missal de 1962 e Francisco o que faz? Coloca estes movimentos legítimos como marginais, ultrapassados e que pregam uma mensagem que já não é mais válida para hoje.
Com o devido respeito por S.S. o Papa Francisco, atrevo-me a discordar da sua posição. Esta disciplina foi aplicada com sucesso durante 1960 anos com resultados evidentes, as missões converteram milhões de pessoas à Fé Católica em vários continentes, havia uma maior aceitação dos ensinamentos da Igreja, mais piedade popular, mais modéstia e respeito pelos ritos sagrados. Se esta fórmula sempre funcionou, porque não aplica-la novamente? Qual é o receio?
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Gostaria de saber o que o Papa Francisco entende por pelagianismo, porque sua associação a grupos restauracionistas, só teria sentido se a Igreja em um passado tivesse sido pelagiana. E também me pergunto:
Quando fala contra a segurança doutrinal e disciplinar, está assumindo como ordinária a insegurança doutrinal e disciplinar?
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Sempre achei que pelagianismo fosse recusar a necessidade da graça para praticar a doutrina. Tenho que rever esse conceito?
Outra coisa é que nem tudo que é novo é melhor que aquilo que é mais velho.
Substituir o novo inferior pelo velho superior não é regresso, ainda que seja, de certa forma, retorno ao passado, mas é o verdadeiro progresso.
A questão é considerar o que é superior e o que é inferior.
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A colocação do Papa deve ser objeto de meditação. Mas ficou claro seu preconceito para com os “grupos tradicionais”. Dá a entender que considera sua orientação pessoal melhor que a dos “grupos tradicionais”.
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Aquele princípio formulado por Dom Lefebvre (não me lembro aonde), da necessidade de conservar todas as tradições necessárias para conservar a Fé, é muito evidente.
Se, por exemplo, numa determinada comunidade, o clero decidir acabar com as procissões, isso, na minha opinião, vai abalar, de alguma forma, a Fé das pessoas.
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Os loucos veem condenação a TL e ao marxismo onde não há anátemas nem proclamações solenes…no máximo isso foi uma crítica a aspectos da TL como já tinha feito João Paulo II e a Libertatis Nuntius sem NENHUMA AÇÃO EFETIVA DE EXCOMUNHÃO A SEUS FAUTORES …entendam uma coisa hoje na igreja não se condena mais nada pois tudo – cre assim o clero dialogal – pode ser purificado até a macumba pode em certos casos …Estamos na mais absoluta lama …os discurso do Santo Padre aos bispos da América Latina , apesar de coisas até boas tem umas que vou te contar não dá para entender como por exemplo a crítica aos que querem voltar ao “passado”( que não é uma realidade morta mas sim viva na Tradição) e ao “clericalismo” – termo usado desde sempre pelos inimigos da Igreja pra acusá-la de abuso de poder – numa exaltação de uma igreja povo , igreja laica onde o fiel seja protagonista e onde o padre seja apenas um coordenador das atividades , onde os conselhos tenham poder semideliberativo…repete cacoetes da TL como quando diz que “Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesial, a Igreja como organização ou o Povo de Deus na sua totalidade? “- em suma uma sutil acusação a Igreja sociedade institucional e uma abertura a ideia de igreja flexível em termos institucionais …o pior para mim foi a lembrança famigerada da Gaudium et Spes “Faz-nos bem lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e tribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo (cf. GS, 1). “Ainda bem que no fim o Papa reconhecendo as limitações de sua análise – puramente propositiva e não impositiva- disse “Desculpem a desordem do discurso”.
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