E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. (Mateus 16:18)
Por Teresa Maria Freixinho *
Primeiramente, gostaria de enfatizar que respeito e admiro Julio Severo por sua incansável luta em defesa da vida e da família, e escrevo esses apontamentos em espírito de caridade cristã, motivada tão somente pelo desejo de esclarecer vários equívocos nos textos supracitados. Rezo para que Nosso Senhor ilumine seu intelecto e seu coração, e que, ao final e ao cabo, ele consiga perceber a grande malícia e o estrago das heresias nas almas, buscando e, com a graça de Deus, encontrando a Verdade que salva e liberta.
Sobre a Inquisição

São Bernardo de Claraval O.Cist, santo e Doutor da Igreja (1090 – 1153). Uma das personalidades mais influentes do século XII, São Bernardo foi pregador de grande relevância em tempos da heresia albigense. Fundou 72 mosteiros cistercienses. Foi canonizado em 18 de junho de 1174 por Alexandre III e declarado Doutor da Igreja por Pio VIII, em 1830.
No artigo acima mencionado, Julio Severo afirma: “Católicos que elogiam ou desculpam a Inquisição entram em choque com João Paulo II, envergonham o verdadeiro Evangelho e evidenciam que desconhecem as posições de seus próprios líderes. Querem ser mais católicos do que o papa e no final acabam defendendo o crime, a tortura e o assassinato de inocentes. Acabam pecando e defendendo o pecado.”
A tortura sempre esteve presente em diversos lugares e épocas. A Igreja Católica é a instituição que mais tem lutado para eliminá-la do planeta. Tomemos o caso dos povos nativos na época do descobrimento da América Hispânica. Fala-se a torto e a direito que os religiosos que acompanharam os conquistadores espanhóis eram coniventes com a matança de povos indígenas. Porém, a bem da verdade, esses povos se matavam em guerras tribais, comiam-se literalmente e ainda ofereciam bebezinhos a falsos deuses. Foram justamente os religiosos católicos, através de catequeses sólidas e educação progressiva, que lutaram para acabar com esses costumes bárbaros. Eu mesma quando estive no México pude ver os altares onde esses povos levavam os bebês para serem assassinados.
Sinceramente, não consigo imaginar católicos tendo prazer sádico de elogiar a tortura. A esmagadora maioria de católicos pouco conhece sobre a Inquisição e apenas repete os mesmos jargões propalados pela mídia anticatólica e professores marxistas. O que podemos afirmar com segurança, ao estudarmos minimamente o assunto de fontes confiáveis, é que, longe de acreditarmos cegamente nas críticas superficiais, devemos entender em que consistiu a Inquisição e como as pessoas da época pensavam. Isso não significa justificar ou elogiar a tortura, mas buscar uma reta e honesta compreensão dos fatos. Assim, chegamos às seguintes conclusões:
1) Tal como acontece com os abortistas, que, para avançar a cultura da morte, apregoam aleatoriamente um número de mortes maternas decorrentes de aborto extremamente superior ao de mortes maternas decorrentes de causas diversas registradas nos sistemas oficiais de saúde, o número de execuções reais de hereges pelo braço eclesiástico foi MUITÍSSIMO inferior ao que se apregoa nos meios de comunicação anticatólicos . [1]
2) Para o homem medieval, ao contrário do homem contemporâneo, a vida eterna era o bem mais precioso que se podia almejar e a heresia era simplesmente um mal intolerável.
Se, hoje em dia, os hereges ocupam as cátedras das melhores universidades católicas, permanecem em paróquias durante anos, vandalizando a doutrina e a liturgia sob a complacência e o pleno conhecimento das autoridades eclesiásticas, têm seus nomes citados honrosamente em folhetos da missa dominical e são best-sellers nas livrarias ditas católicas, naquela época, o elogio público da heresia em ambientes eclesiásticos era algo impensável, pois, além de ser uma doença espiritualmente contagiosa, a heresia também destruía o tecido social.
3) Muitos inquisidores eram homens bem-intencionados, piedosos e até santos, que queriam preservar a saúde espiritual da comunidade e se esforçavam ao máximo para lograr a conversão dos hereges. As punições aos recalcitrantes, de fato, existiram e variavam do exílio, castigos físicos e, em alguns casos, morte. O braço secular, ao contrário dos inquisidores eclesiásticos, não tinha dó nem piedade, muito menos preocupação com as almas, e eliminava hereges encrenqueiros facilmente. Digo encrenqueiros, porque, em geral, o problema da heresia conflitava também com os interesses da sociedade.[2]
4) Algumas heresias eram perigosíssimas não apenas do ponto de vista espiritual, mas também do físico e social. Tomemos, por exemplo, o caso dos cátaros. Eles pregavam o rechaço pelo matrimônio, a insubordinação às leis civis e, em alguns casos, até mesmo a inanição, para que o iniciado atingisse um estado de vida que julgavam mais perfeito. Como eram dualistas, a procriação era um mal, pois só servia para replicar a matéria, e as mulheres eram desprezadas, visto que desviavam os homens de seu nobre ideal contemplativo. Além disso, elas geravam outros homens, o que acabava emperrando o processo de purificação tão almejado.
Julio afirma categoricamente que ele, Silas Malafaia e Marco Feliciano são vistos como ““cátaros” modernos — dignos de tortura e morte na fogueira”. Essa frase não tem o menor cabimento, porque ninguém que conheça um pouco sobre os cátaros vai olhar para eles e pensar em um cátaro. E também não há porque dizer que os católicos os quereriam na fogueira. Católicos verdadeiros rezam pela conversão de não católicos e tentam apresentar-lhes em que realmente consiste a Fé Católica.
5) Inegavelmente, houve abusos e injustiças por parte de clérigos inescrupulosos e pessoas más, que usaram de seus cargos para fins não cristãos. Observe que naquele tempo não havia Internet nem Instagram. Hoje em dia, qualquer abuso é logo gravado, fotografado e em poucos minutos postado no Youtube. Naquela época as coisas eram lentas e até as notícias chegarem a Roma, muita coisa já tinha acontecido.
Nenhum católico pode “elogiar” a tortura, mas deve elogiar o esforço de preservar a fé do erro. Além disso, devemos tentar compreender, estudar e ver o evento sob os seus vários aspectos e a dimensão que realmente teve. Para isso, precisamos buscar fontes confiáveis, historiadores medievalistas de primeira linha. Se quisermos estudar a Inquisição com mais profundidade, o ideal é que leiamos esses autores. Régine Pernoud dedicou sua vida inteira a explicar a Idade Média; seu nome é aclamado mundialmente como historiadora medievalista de primeira grandeza, embora, lamentavelmente, apenas uma parte de suas obras tenha sido traduzida para o português. Seus textos são formidáveis! Por que não começar por ela? A Enciclopédia Britânica pode ser ótima para dados gerais e para muita coisa, mas o fato de uma enciclopédia ser “ponto de referência de próvida americanos” não a torna a fonte por excelência de pesquisas sobre a Idade Média.
A heresia é algo horrível! Ela é uma doença que ataca o intelecto, o coração e a alma das pessoas. A heresia é feia, muito feia! Cada uma em particular dissemina uma mentira, destrói o depósito da fé e propaga o odium ecclesiae. Como toda doença, ela precisa ser tratada e curada, com oração e exposição clara da verdade.
A pergunta correta a fazer
No artigo de hoje, Julio indaga “Como querem combater a cultura da morte do socialismo, homossexualismo e feminismo quando se sentem à vontade com a cultura da tortura e morte da Inquisição?”
Creio que o articulista desvia grandemente o foco da questão. A pergunta correta a fazer é: “Como combater a cultura da morte, do socialismo, homossexualismo e feminismo estando à vontade com a heresia?” Será que Julio já parou para pensar que, em grande parte, o liberalismo religioso, que chamamos na Igreja Católica de modernismo – “a síntese das heresias” -, como dizia São Pio X, nada mais foi do que produto de teólogos protestantes liberais, cujas obras influenciaram grandemente os teólogos do Concílio Vaticano II e, desde então, vêm sendo amplamente utilizados nos seminários diocesanos?
A Fé Católica íntegra é o único exército verdadeiramente capaz de combater as mazelas morais em nível institucional. Contudo, um exército se faz de soldados, se faz com bravura e armas adequadas. Se os comandantes fogem ou se aliam às hostes inimigas, se os soldados não estão preparados e se não há armas adequadas, perde-se a batalha. E não é esse exatamente o cenário de nossos dias, em que a verdadeira evangelização foi substituída pela cultura do relativismo, cujas sementes foram plantadas pelos Deformadores no fim da Idade Média?
Antes de enveredar pela crítica a um suposto apoio da tortura por parte de católicos atuais como causa de insucesso nas iniciativas dos grupos pró-vida, Julio deveria sinceramente envidar esforços para ver o quanto foi ludibriado pela heresia protestante.
Achei interessante ler trechos de discursos do padre Malachias Martin sobre a crise na Igreja em seu segundo artigo, mas por que não ir mais a fundo nessa busca? Por que descontextualizar as afirmações do padre Martin? Duvido muito que o referido padre fizesse tal ilação com a opinião de alguns católicos sobre a Inquisição. A preocupação dele certamente era bem outra. E se é para citar o padre Martin em trechos que incluíam a mensagem de Fátima, por que não investigar também esse tópico?
Todavia, quando o instigamos a pesquisar a Verdade, Julio refugia-se em um castelo de meias verdades, em um Jesus desconexo de seu Corpo, em uma Bíblia incompleta, independente da Tradição que a gerou e do Magistério que a validou, e em ideias bastante equivocadas sobre a Virgem Maria, os santos e outras coisas mais.
O falso ecumenismo, a tibieza na promoção das verdades da Fé e o bom-mocismo das últimas décadas podem explicar em parte porque hoje em dia não apenas Julio, mas até mesmo muitos católicos, têm impressões equivocadas sobre a Inquisição e a necessidade do empenho missionário. Julio foi roubado, roubado no que há de mais precioso, de mais santo e mais sublime, e não sabe. Só o tempo dirá se ele terá a coragem, a inteligência e o esforço de buscar a verdade, ainda que ela seja extremamente dolorosa. A nós cabe a oração e o trabalho, para que cada vez mais Julios descubram o beleza e o esplendor da Fé Católica.
Como recomenda o reverendíssimo Padre Michael Rodríguez, grande promotor do catolicismo, nesses tempos de crise urge mais do que nunca rezar, frequentar os sacramentos e estudar a nossa Fé.
Salus infirmorum, ora pro nobis!
Teresa Maria Freixinho é tradutora e assistente de edição do Fratres in Unum.
* * *