Professor Roberto de Mattei no Rio de Janeiro: uma perspectiva histórica sobre o Concílio Vaticano II.

“Sem o Vaticano II não conseguimos compreender o Papa Francisco; não conseguimos compreender a crise atual na Igreja. Essa crise existe, está diante dos nossos olhos e não tem precedentes na História; ela é uma crise que a todos nos diz respeito como homens e como cristãos.”

Por Fratres in Unum.com –  Realizou-se na tarde do último domingo, dia 8, no Rio de Janeiro, a tão aguardada conferência do Professor Roberto de Mattei. O salão de conferências do Hotel Flórida ficou repleto e os organizadores estimam que cerca de duzentas pessoas estiveram presentes para prestigiar o renomado historiador e professor titular de História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma.

Professor Roberto de Mattei no Rio de Janeiro: evento contou com cerca de 200 assistentes.
Professor Roberto de Mattei no Rio de Janeiro: evento contou com cerca de 200 assistentes.

Após a apresentação dos componentes da mesa pelo Sr. Mario Dias de Oliveira, Presidente do Instituto Vera Fides, teve inicio pontualmente às 16:30h a palestra do Prof. Roberto de Mattei, que foi proferida em língua portuguesa, para admiração dos presentes. Durante mais de uma hora, Roberto de Mattei falou interruptamente com suma clareza e objetividade sobre o evento mais marcante para a Igreja Católica no último século.

Inicialmente, de Mattei abordou a finalidade dos Concílios em geral — confirmar uma doutrina ou corrigir um erro, ainda que eles não fossem privados da dimensão pastoral. Ao contrário dos anteriores, o Concílio Vaticano II [1] preferiu expressar-se da maneira “pastoral”, adaptando sua linguagem ao homem moderno, priorizando, assim, esta dimensão em relação àquela doutrinal. Consequentemente, o Concílio deixou de condenar problemas gravíssimos, como, por exemplo, o comunismo. João XXIII já preconizava essa postura na abertura da Assembléia: “Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações”.

Sucesso de público: cadeiras tiveram que ser adicionadas e o espaço ficou pequeno.
Sucesso de público: cadeiras tiveram que ser adicionadas e o espaço ficou pequeno.

De Mattei, então, discorreu sobre o esforço de padres conciliares conservadores a fim de pedir ao Santo Padre que o Concílio condenasse explicitamente o Comunismo. Essa iniciativa contou com o trabalho de um pequeno grupo constituído especialmente por Dom Antonio de Castro Mayer, bispo de Campos, Dom Geraldo de Proença Sigaud, bispo de Diamantina e pelo Prof. Plínio Correa de Oliveira, que consultaram centenas de Padres Conciliares sobre a oportunidade do Concílio se pronunciar contra a ideologia que dizimou milhões de homens no século passado. A essa iniciativa somou-se outra correlata, que pedia a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Ambas não lograram êxito. De Mattei discorreu também sobre as evidências de um acordo (o Pacto de Metz) [2] entre Roma e a Igreja Ortodoxa, segundo o qual o Concílio se absteria de condenar o comunismo em troca da participação de observadores do Patriarcado de Moscou.

Em seguida, foram abordadas questões como, por exemplo, a infiltração do comunismo nas estruturas a Igreja e o apoio de prelados vermelhos, como Dom Helder Câmara.

O professor explanou sobre o jogo de forças entre os dois grupos principais: progressistas – sobretudo de língua alemã — e conservadores, e o que ele chamou de Terceiro Partido, um grupo de Padres Conciliares sem muitas pretensões ideológicas e que se deixavam guiar pelo lobby dos dois anteriores.

Como ponto de destaque, o professor de Mattei salientou que o Concílio Vaticano II não pode ser visto apenas como aquilo que está escrito em seus documentos, mas sim como um evento global, que abrange diversos aspectos, incluindo suas consequências. Para exemplificar, ele falou da Revolução Francesa, comentando que “não é preciso que se leia ou se tenha conhecimento dos estatutos e documentos que a ensejaram; todos sabem o que a Revolução Francesa realmente significou, a julgar por seus frutos.” Pois bem, assim é o Concílio. Não se pode restringi-lo apenas aos seus documentos.

O professor deixou claro que sua análise do Concílio era sob o ponto de vista histórico, e que a ele não competia analisar o valor intrínseco de seus documentos, que deveriam ser analisados por teólogos e pela própria Igreja, em caráter dogmático.

Como uma das consequências mais prejudiciais do Vaticano II, o professor citou a substituição do conceito de “Igreja Militante” pelo de “Igreja Peregrina”. No início da palestra, citando o Padre O’Malley, ele comentou sobre o estilo dos documentos conciliares, que seria uma revolução na linguagem dos documentos da Igreja. A omissão ou limitação de referências ao Inferno, mesmo sem ser uma heresia, pode levar a caminhos graves, ou seja, a ideia de que ele não existe porque não se fala dele.

Uma longa fila formou-se para o autógrafo.
Uma longa fila formou-se para o autógrafo.

Após um pequeno intervalo, houve uma sessão de perguntas e respostas. O professor de Mattei respondeu a todas com muita clareza e simplicidade, ainda que fossem polêmicas ou delicadas. Uma das perguntas versava sobre a declaração do então Papa Bento XVI ao clero de Roma, a qual reclamava a existência de um Concílio Real e um Concílio da Mídia. O professor de Mattei respondeu que até se pode falar de um Concílio da Mídia [inventado pelos meios de comunicação], mas que este está também incluído dentro do único Concílio – o Concílio Real -, que deve ser analisado como um evento global.

A pedido do próprio Prof. de Mattei, as respostas foram dadas em italiano para melhor clareza e gentilmente traduzidas para o português pelo Dr. Mario Navarro da Costa, diretor de campanhas do IPCO, que atuou como intérprete para as perguntas e respostas.

O evento marcou ainda o lançamento do livro “Apologia da Tradição, um post-scriptum do livro Concílio Vaticano II – Uma História Nunca Escrita”, da Editora Ambientes & Costumes. Ao final dessa sessão, seis participantes foram sorteados com livros do autor, que foram entregues por cada um dos organizadores que compuseram a mesa.

Ao final, uma longa fila se formou para que todos pudessem ter seus livros autografados e cumprimentar pessoalmente o ilustre palestrante. Enquanto isso, os demais participantes puderam desfrutar de um café oferecido pelos organizadores e, assim, trocar ideias sobre a excelente conferência.

Da esquerda para a direita: Sra. Teresa Maria Freixinho (Fratres in Unum), Sr. Rodolpho Loreto (Instituto Vera Fides), S.A.I.R. Dom Antônio de Orleans e Bragança, Sr. Márcio Coutinho (Ação Jovem pela Terra de Santa Cruz) e o Sr. Mario Dias de Oliveira (Presidente do Instituto Vera Fides e Mestre de Cerimônias do Evento).
Da esquerda para a direita: Sra. Teresa Maria Freixinho (Fratres in Unum), Sr. Rodolpho Loreto (Instituto Vera Fides), S.A.I.R. Dom Antônio de Orleans e Bragança, Sr. Márcio Coutinho (Ação Jovem pela Terra de Santa Cruz) e o Sr. Mario Dias de Oliveira (Presidente do Instituto Vera Fides e Mestre de Cerimônias do Evento).

Agradecemos a todos os leitores do Fratres in Unum que participaram do evento no Rio de Janeiro e deixamos a caixa de comentários aberta a estes e também àqueles que estiveram ontem na palestra no Recife, para nos relatem suas impressões. Lembrando ainda que, conforme noticiamos anteriormente, hoje a palestra será em Brasília e na quinta-feira em São Paulo.

* * *


[1] O Concílio Vaticano II se realizou em Roma, de 11 de outubro de 1962 a 8 de dezembro de 1965 e contou a participação de 2.500 Padres Conciliares sob a orientação dos papas João XXIII e Paulo VI. Ele foi o vigésimo primeiro Concílio da Igreja.

[2] Este acordo se deu na cidade francesa de Metz, em agosto de 1962, e seus negociadores foram o Cardeal Tisserant, representando o Vaticano, e o arcebispo ortodoxo Nicodemo, que, conforme comprovado por documentação dos arquivos de Moscou, era um agente do KGB.

19 comentários sobre “Professor Roberto de Mattei no Rio de Janeiro: uma perspectiva histórica sobre o Concílio Vaticano II.

  1. FRATRES,

    Muito obrigado por ter promovido esse evento com o professor de Mattei. Fui um dos sorteados com o livro “Apologia da Tradição” e fiquei muito contente. Apesar do CV II, Nosso Senhor não nos deixou desamparados e capacitou homens de notável inteligência como o professor de Mattei para nos guiar nesse momento tão sombrio.
    Não sei mais o que dizer para expressar minha gratidão. Desde que descobri o FRATRES, sinto-me membro de uma comunidade de católicos que luta para manter viva a tradição. Em breve, vou publicar um livro inspirado na vida de São Francisco de Assis. Se o FRATRES tiver curiosidade em ler o meu trabalho, posso enviar um exemplar de presente.
    Mais uma vez, obrigado pelo evento e pelo livro que recebi gratuitamente.

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  2. Parabenizo o frates por esta excelente cobertura. O texto está claro e bem elucidativo. Não vejo a hora em que os exemplares que encomendei cheguem para poder apreciá-los.

    Quanto as palavras do Papa João XXIII, elas estão em contradição ao explicitado por Santa Faustina Kowalska no seu Diário sobre a Divina Misericórdia. O concilio realmente já de inicio começou muito mal.

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  3. Não participei da palestra, mas conforme a ótima cobertura do Fratres in Unum, o professor De Mattei se deteve no ponto de vista histórico, uma vez que o caráter doutrinário deveria ser analisado pelos teólogos. No entanto, quando se refere à situação de crise da Igreja, o professor já deixa entender que o Concílio Vaticano II contribuiu com o atual contexto conturbado no meio eclesiástico.
    Alguns, tentando justificar os “frutos do Concílio”, comparam o momento presente de crise com outras épocas quando a Igreja enfrentou heresias diversas e querelas no âmbito político. A meu ver qualquer comparação com tempos anteriores é – tomando termo historiográfico contemporâneo – anacrônica por conta do emprego de um instrumento oficial utilizado para fazer a Igreja “agregar heresias” em seu seio: um Concílio. Seus desdobramentos como a “reforma” litúrgica, estão surtindo efeitos que estão longe de terem se consumado. Rezemos pois tempos mais difíceis virão.

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  4. Duas frases dele: ” o coração da Virgem é o escaninho onde se guarda a Tradição” e ” a Tradição é por natureza divina, porque Deus não muda”

    Sem mais.

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  5. O Prof. Roberto de Mattei, brilhante em sua exposição, destacou a perda do espírito militante da Igreja, e fez o apelo pela urgência na retomada deste espírito, a partir do Magistério Vivo da Tradição! Como sempre, seus pronunciamentos são marcados pela lucidez!

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