Por Hermes Rodrigues Nery | correspondente de FratresInUnum.com em Roma – Na terça-feira, 6 de outubro, chegando à Praça de São Pedro e dirigindo-me à Porta S. Ufficio, que dá acesso à sala Paulo VI, onde ocorre o Sínodo da Família, enquanto caminhava pelas colunas, observei a movimentação de um bispo, que conversava com uma equipe da imprensa televisiva, dando entrevistas.

Conversando com o meu professor de Bioetica, o Cardeal Mons. Elio Sgreccia, e Walter Kasper, ao fundo, à esquerda.
Estava sozinho, sem nenhum padre ou assessor por perto, muito menos qualquer cardeal. Com loquacidade, gesticulava dando explicações ao jornalista, estando muito bem a vontade para expor o que pensava naquele momento. Procurei saber quem era, mas, de imediato, não me veio à memória o nome do prelado. Passei então pela guarda suíça na entrada da Porta S. Ufficio, e depois de passar pela Congregação da Doutrina da Fé, fiquei próximo de outros jornalistas e assessores no saguão de entrada, por onde entravam e saiam os bispos e cardeais.
Era pouco antes do almoço, quando começaram a transitar pelo saguão várias autoridades episcopais, dentre eles, muito ativo, veio Walter Kasper, que ficou por ali um bom tempo, conversando com um, cumprimentando outro, chamando alguém para mais perto, sorrindo, dando coordenadas para outro e fazendo articulações. Quando aproximou-se dele aquele bispo que eu havia visto dando entrevistas nas colunas da Praça, demonstrando muita familiaridade com os jornalistas.
Enquanto eu estava ali muito próximo deles, conversando Cardeal Elio Sgreccia (que foi meu professor de Bioética), ia observando Kasper confabulando ininterruptamente com o bispo, em meio a sorrisos incontáveis. Dava a impressão de que o prelado relatava-lhe o sucesso da manhã, de que tudo estava sob controle, de que havia guarnecido a imprensa das informações convenientes. E enquanto conversavam muito alegremente, o papa Francisco apareceu no saguão, conversando em particular com um bispo, que o tomou pelo braço e caminhou tranquilamente com ele, descendo a pequena rampa à esquerda, em direção à Casa de Santa Marta. Somente ele e o bispo seguiram pela via.
Outros bispos e cardeais se aglomeram em volta de Kasper, no saguão, todos contentes, enquanto pareciam ouvir dele novas recomendações. Naquele momento, ficou claro de que Kasper pontificava, e tinha em torno de si um bom número de apoiadores, que o cumprimentava como se fosse um anfitrião do evento, alguém a quem eles faziam questão de partilhar alguma opinião e, em seguida, entravam em suas vans e foram para o almoço. Era evidente que Kasper estava feliz da vida com o andamento das coisas, principalmente depois que aquele bispo veio lhe contar as novidades, o mesmo que vi aparecer, à noite, em jornal televisivo italiano, enquanto jantávamos no ristorante Il Pozzo.
O fato é que não se pode subestimar o poder de influência de Kasper, pelas reviravoltas que ele já deu em sua vida, e do papel decisivo que desempenhou no conclave que elegeu o papa Francisco. Conta o vaticanista Andreas Englisch que Walter Kasper havia completado “oitenta anos em 5 de março de 2013”, e que “segundo a Constituição papal (Romano Pontifici eligendo), do papa Paulo VI, de 1975, os cardeais que já completaram oitenta anos ficam excluídos da eleição papal. Com isso Kasper não poderia participar”. Mas, Kasper encontrou a justificativa pela qual garantiu a sua participação no conclave: “a data limite, contudo, não é o dia do início do conclave, mas sim o dia do início da sé vacante, o momento a partir do qual o trono está vazio. E Bento XVI havia determinado que a sé vacante teria início a partir de 28 de fevereiro, às 20h. Àquela altura, Kasper tinha 79 anos”.
Kasper havia trabalhado muito para reverter a sua situação e assumir uma posição de influência, para advogar sua tese que hoje busca fazer prevalecer no Sínodo, desde 1993, como lembra Englisch, quando ele havia feito “uma declaração a respeito dos divorciados que se casam novamente.” Junto com Karl Lehman, “ambos questionaram a regra da Igreja que proíbe a essas pessoas os sacramentos católicos, portanto, não permite outro matrimônio.” Ratzinger que, na época, era o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, “então ordenou que os dois se abstivessem de fazer declarações e ainda aos obrigou a retirar tudo o que tinham dito na frente do púlpito”. Kasper e Lehman foram então “dois ferrenhos opositores de Ratzinger, mesmo que não tivessem admitido essa oposição publicamente”. E muitos dos problemas que Bento XVI teve em seu pontificado, foi por conta também da dura oposição de Kasper, Lehman, Godfried Danneels e outros que queriam intensificar um aggionamento acalentado por tantos desde o Vaticano II. E quando Ratzinger se tornou papa, Kasper se somou aos demais que agiram para isolá-lo cada vez mais, até o extenuamento que o levou à abdicação, como descreve Englisch:
“Eu presenciei como o Papa Bento XVI foi sendo cada vez mais segregado. Fui testemunha de seu enfraquecimento orquestrado. Ele se rebelou, chegou a ser o primeiro papa da história a escrever uma carta pessoal aos bispos, na qual perguntava como a Igreja tinha chegado àquele ‘morder e devorar’ e questionava por que eles o haviam atacado com tanta violência”.
E então, uma semana depois de completar 80 anos, os cardeais entraram para o conclave, cuja atuação de Kasper foi decisiva para a eleição de Francisco, tanto que o novo bispo de Roma veio a público, no seu primeiro Angelus, mencionar que estava lendo com muito proveito um livro de Walter Kasper sobre o tema da misericórdia, o que demonstrou o quanto Kasper tinha o seu respaldo para retomar à sua tese de 1993. Só que agora, vigorado na idade octogenária, pontificando no Sínodo da Família.