O sentimento de tristeza e perplexidade fica mais agravado por tudo o que ocorreu depois. Mas como os primeiros cristãos, somos sempre animados pela esperança, pois sabemos que o Senhor cumprirá Sua promessa e não nos abandonará em meio à tempestade, pois Ele é Nosso Senhor e Nosso Salvador, e o primeiro a amar a Igreja que fundou como rocha inconcussa, entregando as chaves a Pedro…
Por Hermes Rodrigues Nery | FratresInUnum.com
Foi numa segunda-feira de Carnaval, há três anos exatos, que todos nós recebemos, impactados, a notícia da renúncia de Bento XVI. Foi um desabamento, especialmente para os católicos que viviam se empenhando com sinceridade em afirmar a verdadeira identidade da Igreja, corroída pelas tantas ideologias do modernismo, “síntese de todas as heresias”, conforme a feliz expressão de São Pio X. Era o dia de Nossa Senhora de Lourdes, 11 de fevereiro, pouco antes de começar a Quaresma mais triste para muitos católicos, muitos choraram, sacerdotes, leigos, religiosas, enfim, foi uma dor que até agora não conseguimos superar. Ninguém sabe o que aconteceu. Muito se falou de pressões que teriam forçado Bento XVI a renunciar, apesar de ele ter escrito em sua declaração que agia com liberdade, reconhecendo a gravidade do seu ato. É fato que foi um dia tristíssimo, e mais triste ainda o da sua despedida, em 28 e fevereiro, quando o mundo todo viu o helicóptero sobrevoar a cidade e Roma, rumo a Castel Gandolfo.
Foi assim que descrevi aquela despedida, à época:
“Prevaleceu a tristeza – 28 de fevereiro de 2013: a cena do chofer do Papa ajoelhando-se e cumprimentando o Sumo Pontífice, às 12h57 (hora de Brasília) na sua saída do Vaticano rumo a Castel Gandolfo, expressou os sentimentos dos católicos que verdadeiramente amam a Igreja e sofreram com todos os últimos acontecimentos. Tristeza e perplexidade é o que se via nos olhares de freiras com seus hábitos religiosos, e muitos que se espalhavam na praça, até mesmo no alto dos edifícios exibindo cartazes de apoio e de afeto, também em língua alemã, para dizer “Danke!” Às 13h04 o helicóptero branco da República Italiana começou a acionar suas hélices (lembrando a estrela de Davi), e pouco depois decolou ao som dos sinos de todas as igrejas de Roma. Não haveria mesmo outra forma de ver um papa deixar o trono de São Pedro, senão subindo aos céus. E foi assim que acompanhamos o vôo até Castel Gandolfo, como uma pomba branca a pairar sobre a Cidade Eterna. É certo que a cena comoveu, com lágrimas aos olhos. Vimos o helicóptero sobrevoar o Coliseu, e fazer um percurso panorâmico sobre Roma, feita “da harmonia de múltiplos séculos”, no dizer de Afonso Arinos. E assim Ratzinger chegou neste dia histórico, ao entardecer, em Castel Gandolfo, às 13h37. Houve quem disse que não chegava mais como um pai, mas como um avô querido, da grande família do Ocidente. Ainda uma nova despedida na sacada, para os agradecimentos, como um “peregrino na última fase nesta terra”. E após entrar de volta para os aposentos, um vento fez tremular a bandeira escarlate com o brasão pontifício. Mais tarde, às 16h (20 horas em Castel Gandolfo), houve a troca da Guarda Suíça, ao som de sinos e de “Viva ao Papa!”
Naquela segunda-feira de Carnaval, fomos todos surpreendidos por uma pane. Sim, o que houve foi como que uma pane no meio do deserto, em que ficamos sem saber o que fazer, como fazer, porque aquilo parecia ser um soçobramento e a impressão que ficou é de que o que nos restou para nos segurar foram somente poucos galhos, em meio a forte correnteza.
Histórias incríveis e fantásticas começam assim, com uma pane. Mas nunca estamos preparados para isso. Quando nos damos conta, o deserto está à nossa frente, há água para poucos dias, o sol é escaldante, e qualquer oásis se torna apenas miragem. Uma vez li um romance sobre um naufrágio e como o sobrevivente conseguiu suportar por tanto tempo para enfim ser resgatado. O mais impressionante é que depois ele chegou a ser nonagenário. Tinha vivido o estresse de semanas em alto mar quando ainda era jovem e o que mais o fazia sofrer era a água do mar salgada que não podia beber, tamanha a sua sede, e a mesma água quando caia em sua pele. Nem todos sobrevivem a um naufrágio e a cena do Titanic afundando é terrível, mesmo sabendo que alguns poucos nos botes conseguiram evitar a hipotermia e foram salvos. Como essa palavra soa tão forte nessas horas de soçobramento. Sim, queremos ser salvos! E tudo o que acontece mostra que não há quem fique imune de uma séria pane em sua vida. E então, é claro que não sabemos mesmo o que fazer quando o chão parece desabar e temos que nos agarrar a galhos apenas, em meio a toda correnteza.
Assim como o náufrago, sabemos que a salvação não vem de nós próprios, mas de Alguém que vem ao nosso encontro, e não conseguimos nos salvar por nossas próprias forças, mostrando a nossa inteira fragilidade. Mas sabemos que Alguém pode nos salvar, e por isso essa história começa também em busca de Alguém [como é forte a imagem de Jesus andando sobre as águas, em meio a tempestade], quando ficou constatado que a pane que se dera (depois de meio século do Vaticano II) era séria e não sabíamos mesmo como sobreviver ao acúmulo de obstáculos e problemas, que pareciam estar comprometendo tudo. Por isso, como os primeiros discípulos, três anos depois daquela terrível segunda-feira de Carnaval, rezamos e clamamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, suplicando: “Senhor! Salva-nos outra vez!”