A confusão sobre os (supostos) casos de contracepção no Congo.

Por Dr. Edward Peters | Tradução: Gercione Lima – FratresInUnum.com: Mesmo para os padrões de seu pontificado, a conferência de imprensa que o Papa Francisco realizou em seu vôo de retorno do México provocou um número incomum de questões. Desejo abordar apenas uma delas aqui.

Preliminarmente, observo que o ônus da prova não está no negativo, ou seja, provar que algo não ocorreu, e sim no afirmativo, isto é, provar que ocorreu alguma coisa. Dito isso, porém, agora parece claro que a “permissão” ou “aprovação” que Francisco atribuiu ao seu predecessor, o Papa Paulo VI, quanto ao uso de contraceptivos para freiras no Congo simplesmente não existe. Ver e.g. Fr. Zuhlsdorf ou John Allen *.

Infelizmente esse mito foi invocado pelo papa como se fosse um fato da história da Igreja, e, o mais importante, de uma maneira como sugerindo um precedente a ser considerado para evitar a gravidez em alguns casos de possíveis defeitos congênitos. Essa alegação levaria as observações sobre contracepção feitas pelo Papa Francisco a uma área muito diferente, pois já não mais estamos conjecturando sobre um ponto da história da Igreja (por mais interessante que  possa ser), mas agora estamos lidando com o ensinamento moral da Igreja. E aqui o que está em jogo é algo dramaticamente superior.

Então, aqui está o meu ponto: não apenas o caso das freiras do Congo parece não existir, mas, mesmo que tivesse existido de alguma forma, não poderia, eu digo por seus próprios termos, ser usado por Francisco (ou qualquer outra pessoa comprometida com a voz da Igreja) para questionar o que a Igreja estabeleceu e ensina, ou seja, que “todo e cada ato conjugal [quilibet matrimonii usus] deverá, obrigatoriamente, manter a sua relação intrínseca com a procriação da vida humana” (Humanae Vitae 11) e que, portanto, “está excluída toda e qualquer ação seja antes, no momento ou após a relação conjugal [conjugale commercium], especificamente destinado a impedir a procriação – seja como um fim ou como um meio “(Humanae Vitae 14).

Obviamente, o caso das freiras do Congo (ou as freiras dos Balcãs na década de 1990, só para se ter uma outra variação do mito) não diz respeito a atos conjugais, e sim sobre religiosas forçadas a submeterem-se a atos criminosos de estupros. A questão do Congo não seria, portanto, sobre possíveis defeitos de nascimento, mas de como impedir que o esperma do estuprador alcançasse um óvulo com potencial de fecundação. Entre as mulheres que enfrentam um estupro e mulheres preocupadas com defeitos de nascimento simplesmente não existe um paralelo relevante à questão moral da contracepção. Pode-se gostar desse fato ou odiá-lo, mas não se pode alterá-lo ou ignorá-lo. Além disso, o ensinamento da Igreja sobre a imoralidade dos atos conjugais que fazem recurso à contracepção é, creio eu, infalível.

Mas, ainda que eu esteja errado sobre essa reivindicação técnica, não existe dúvida sobre qual seja o Magistério, ou seja, que a contracepção em atos de relação sexual conjugal, quer seja fazê-lo como um fim em si mesmo ou como um meio para algum outro fim, é objetivamente imoral .

Poder-se-ia discutir, penso eu, sobre se as relações sexuais fora do casamento estão sujeitas às mesmas exigências morais do ato conjugal ente casados. A Humanae Vitae, até onde eu posso ver, não aborda essa questão. Mas, quanto a saber se a permissão supostamente dada a freiras para tomar medidas contraceptivas em face da violação, estabelece um precedente para os cônjuges que queiram usar a contracepção em suas relações sexuais por medo de possíveis defeitos de nascimento, isso leva-nos a uma inevitável conclusão: não existe nenhum paralelo entre a dois casos e, portanto, não há tampouco nenhum precedente estabelecido.

Edward Peters, JD, JCD, Ref. Sig. Ap.

Dr. Peters, Advogado Canônico,  foi designado, em 2010, como  Referendário da Assinatura Apostólica pelo Papa Bento XVI 

3 comentários sobre “A confusão sobre os (supostos) casos de contracepção no Congo.

  1. Extremamente necessária esta postagem para ajudar na avaliação da situação que ainda continua a levantar “suspeitas” quanto a Moral da Igreja. Em tempos que a exceção tende ou é imposta a virar regra, faz-se necessário um olhar e um conhecimento ainda mais crítico e fecundo sobre nossos fundamentos.

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  2. … “não existe nenhum paralelo entre a dois casos e, portanto, não há tampouco nenhum precedente estabelecido”
    O caso de suposta concessão de uso de contraceptivos ás freiras no Congo e Bosnia, além de não constar que tenha existido e, se acaso o tivera sido, não se poderia usar no caso presente anti virulencia do Zika Vírus de relações consentidas ou outros motivos para não se prejudicarem os fetos, pois a situação primeira era anômala, sem precedentes até então.
    Outro problema nesse mundo promotor do aborto, se não seria um pretexto das Fundações Internacionais numa primeira etapa para liberação total do aborto, cada hora por um motivo, daí passarem para o patamar seguinte e chegarem aonde querem: liberação total, usando desse casuísmo!
    Temem-se as possíveis desinformações a respeito dos Zika Vírus & Ass. e as eventuais deformações fetais que poderiam causar – os laboratorios de engenharia social das ideologias são experts na arte de desinformar sob o contrario!.
    Leve-se em conta que as freiras teriam direito de se defenderem em caso de agressões e, à verdade, os eventuais caso de abortos ocultos redundariam as penalidades aos agressores; somos pacíficos, não pacifistas a qualquer preço, como nos propõe o apóstolo: “Procurando, se possível, a paz com todos, por quanto de vós dependa”. Rm 12,18.
    No site ACI Digital e noutros, sem contestação, o vaticanista Sandro Magister explicou que não existe evidência de que o Beato Papa Paulo VI tenha concedido a permissão às religiosas do Congo para que tomassem anticoncepcionais na década de 60 quando o país estava em meio de uma guerra civil e as religiosas corriam o risco de ser violentadas.
    Recordam da farsa da KGB: “Pio XII, o Papa de Hitler”?
    Não seria reedição da atual FSB dos “cristãos”, ex agentes da ex KGB Putin e Kirill, dentre mais e/ou das Fundações Internacionais pró aborto?
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  3. “Poder-se-ia discutir, penso eu, sobre se as relações sexuais fora do casamento estão sujeitas às mesmas exigências morais do ato conjugal ente casados.”

    Não, não pode. A contracepção é intrinsecamente má e imoral. Fora do casamento ela banaliza o sexo, facilita o pecado, etc. É um pecado em si mesmo que agrava o pecado da relação sexual imoral.

    Se a contracepção não fosse intrinsecamente má, seria apenas circunstancialmente, ou seja, apenas no matrimônio.

    A Igreja não versa sobre ações pecaminosas, a não ser para condená-las. Não fosse assim, a Igreja disporia de um corpo de doutrina de ‘males menores’ para cada pecado. Isso iria contra sua missão. Um total absurdo.

    Por isso é deplorável tanto a afirmação de Francisco, como a anterior de Bento XVI.

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