Quem pensava que o abraço entre o Pontífice Argentino e o Patriarca Kyrill teria como resultado imediato uma primavera de relações entre Roma e Moscou vai ficar desapontado ao ler uma comunicado de imprensa muito duro, publicado pela agência oficial Interfax. Nesse comunicado foi citada a Declaração assinada pelo Papa, onde se fala de “uniatismo”, termo usado usado pejorativamente contra a Igreja da Ucrânia greco-católica. As belas fotos já estão se desbotando no álbum de recordações, mas os documentos assinados, infelizmente, permanecem.
Por Marco Tosatti – La Stampa, 12 de março de 2016 | Tradução: Gercione Lima – FratresInUnum.com: “Apesar do entendimento registrado sobre muitos problemas vitais da modernidade – escreve o Patriarcado de Moscou -, profundas diferenças permanecem entre os cristãos Ortodoxos e Católicos, especialmente sua visão sobre a história comum cheia de acontecimentos trágicos“
A declaração foi assinada por Hilarion de Volokolamsk, chefe do Departamento de Relações Exteriores de Moscou.
Hilarion acusa a Igreja greco-católica da Ucrânia, que ele define depreciativamente como “Uniata”, de ser a pedra de tropeço no diálogo entre Roma e Moscou. “Esta pedra contínua arruinando as tentativas de se estabelecer um diálogo, de incrementar a compreensão recíproca e de se chegar a um denominador comum. Eventos do passado recente – a destruição de três dioceses Ortodoxas por Uniatas na Ucrânia Ocidental no início dos anos 90 e a tomada de várias centenas de igreja, e os eventos do passado distante o provam“.
Faz-se necessário a esse ponto recordar que a Igreja Greco-Católica foi simplesmente deletada com uma canetada por Stalin em 1946; a qual, com a cumplicidade ou pelo menos a conivência dos Ortodoxos de Moscou, teve as suas propriedades confiscadas e seus fiéis transferidos para o Patriarcado de Moscou; que leigos, padres, bispos e religiosos fiéis a Roma e ao Papa foram presos, torturados e mortos em grande número; e que não obstante a dura perseguição, muitos permaneceram leais ao Papa até o colapso do comunismo. Quando, enfim, nasceu a Ucrânia independente, os greco-católicos puderam sair das catacumbas.
Os Ortodoxos reclamam ainda da destruição das três dioceses no Oeste da Ucrânia, a mudança de Lviv para Kiev como sede dos greco-Católicos, o pedido destes, ainda não atendido por Roma, de obter para a Igreja um status de Patriarcado (Schevchuk ainda é Arcebispo-Mor, mas não patriarca dos greco-católicos) e “a proliferação de missões Uniatas ao sul e leste, terras tradicionalmente ortodoxas, o apoio dos Uniatas aos cismáticos” (NDR: os Ortodoxos das Igrejas independentes da Ucrânia). E o que Roma fez com a Declaração assinada foi oferecer munição ao ataque do Patriarcado de Moscou.
Não é por acaso que na declaração de Hilarion, o texto da Declaração conjunta assinada pelo Papa e Kirill é citado no ponto em que se diz: “Hoje é claro que o método do ‘uniatismo’ o passado, entendido como a união de uma comunidade com a outra, desligando-se da sua Igreja [originária], não é um modo que permite restaurar a unidade. Todavia, as comunidades que surgiram nestas circunstâncias históricas têm o direito de existir e empreender tudo o que é necessário para satisfazer as necessidades espirituais dos seus fiéis, buscando ao mesmo tempo viver em paz com seus vizinhos. Greco-Católicos e Ortodoxos precisam se reconciliar e encontrar formas mutuamente aceitáveis de convivência“.
O fato de que a Declaração fala de “uniatismo”, um termo não aceito pelos Greco-Católicos e usado pejorativamente pelos Ortodoxos, evidencia um problema. Ou seja, que Roma talvez deveria ter consultado primeiramente os Greco-Católicos antes de levar o Papa a assinar qualquer coisa que vai contra uma Igreja que pagou com sangue e sofrimento por sua fidelidade a Pedro. Isso infelizmente não aconteceu; e talvez há que se perguntar quem aconselhou o Papa neste caso.
As belas fotos já estão se desbotando no álbum de recordações, mas os documentos assinados, infelizmente, permanecem.