Em uma longa entrevista ao Register [ver vídeos legendados aqui], o líder da Fraternidade Sacerdotal tradicionalista detalha como Papa Francisco abriu a porta para a plena integração da FSSPX à Igreja.
Por Edward Pentin, National Catholic Register, 19 de maio de 2016 | Tradução: FratresInUnum.com: Menzingen, Suíça – A reconciliação entre a Fraternidade São Pio X e Roma parece ser iminente, já que o principal obstáculo – oposição a certos aspectos do Concílio Vaticano II – não mais seria uma causa para uma separação contínua da Igreja.

Dom Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade São Pio X.
Dom Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade São Pio X, disse ao Register no dia 13 de maio que ele está “persuadido, pelo menos em parte, de uma abordagem diferente”, segundo a qual ele acredita que o Papa Francisco está colocando menos peso sobre o Concílio e mais ênfase em “salvar almas e encontrar uma maneira de fazê-lo”.
Essa mensagem foi reforçada esta semana quando o próprio Papa Francisco sugeriu que uma reconciliação poderia estar próxima, ao declarar ao jornal católico francês La Croix, em 16 de maio, que os membros da FSSPX são “católicos a caminho da plena comunhão” e que um “bom diálogo e um bom trabalho estão em andamento”.
De acordo com Dom Fellay, o Vaticano está dizendo à Fraternidade, por meio de palavras cheias de nuances, que agora é possível questionar os ensinamentos do Concílio sobre a liberdade religiosa, o ecumenismo e a reforma litúrgica “e permanecer católicos”.
“Isso significa, também, que os critérios que eles impõem sobre nós, para provarmos para eles que somos católicos, não mais serão necessários , disse ele. “Isso, para nós, seria muito importante”.
Em 1970, o Arcebispo Marcel Lefebvre, dos Padres do Espírito Santo, fundou a fraternidade internacional para formar e apoiar sacerdotes destinados a espalhar a fé católica pelo mundo inteiro.
Mas a sua oposição a alguns ensinamentos do Concílio Vaticano II no tocante ao ecumenismo, a liberdade religiosa e aspectos da reforma litúrgica veio à tona em 1988, quando Dom Lefebvre sagrou quatro bispos em 1988 contra a vontade expressa do Papa João Paulo II. Todos os cinco incorreram em excomunhão automática, e a fraternidade permaneceu em uma situação canonicamente irregular desde então.
Bento XVI procurou melhorar as relações, em primeiro lugar, em 2007, confirmando que os sacerdotes podem celebrar a missa em latim segundo o Missal Romano de 1962 (oficialmente chamado de forma extraordinária da Liturgia) e salientando que ele jamais havia sido revogado, e em seguida anulando as excomunhões dos quatro bispos vivos da FSSPX em 2009.
Ele também abriu colóquios de reconciliação formais com a FSSPX em 2011, mas tais colóquios posteriormente fracassaram porque o Vaticano, aparentemente em contraste com os próprios desejos de Bento XVI, elevou suas exigências sobre a questão central: que a fraternidade deveria aceitar a validade de todos os ensinamentos do Concílio, incluindo os textos sobre liberdade religiosa e direitos humanos, que a FSSPX rejeita como erros teológicos.
Papa Francisco recebeu Dom Fellay, pela primeira vez em audiência privada no mês passado, sinalizando uma intenção clara da parte do Santo Padre, o qual deseja que a fraternidade seja regularizada. “Dom Fellay é um homem com quem se pode dialogar “, disse Francisco ao La Croix.
O Papa também anunciou que confissões da FSSPX seriam válidas e lícitas tanto durante como após o Ano Jubilar da Misericórdia. Até então, Roma as considerava como inválidas porque faltava-lhes a jurisdição necessária.
Acredita-se agora que a FSSPX está com um rascunho de um acordo do Vaticano para assinar e formalizar a regularização, mas quer ter certeza de que tem garantias seguras. “A bola está na quadra deles”, disse uma fonte do Vaticano ao Register do dia 12 de maio. “Queremos que eles a toquem pra frente.”
A mensagem de Menzingen
Dom Fellay sentou-se para uma longa entrevista com o Register numa chuvosa e tempestuosa sexta-feira de maio, festa de Nossa Senhora de Fátima, na Casa Geral da FSSPX em Menzingen, perto de Zurique, Suíça.
O edifício modesto, uma ex-pousada suíça, cercada por campos agrícolas ao sopé dos Alpes, está passando por uma reforma. Cerca de 25 padres e freiras vivem lá; e devido às abundantes vocações da FSSPX, eles estão contemplando a busca por instalações maiores em breve. Em uma mesa repousa um jarro de estanho único, rodeado por várias pequenas canecas, cada uma gravada com um momento chave da vida de Dom Lefebvre.
Apesar de uma agenda lotada e cansativa marcada por longas viagens, Dom Fellay chegou de bom humor e falou livre e abertamente em inglês. Ele está bem ciente do quão surpreendente e estranho parece ser o fato de que uma reconciliação estaria tão perto, sob o pontificado de um papa considerado como sendo muito mais preocupado com outros assuntos.
“[A situação] é realmente paradoxal, porque nós não mudamos nada, e nós continuamos a denunciar o que está acontecendo”, disse ele. “No entanto, você vê esse movimento a nosso favor, dentro de Roma.” Ele disse que tem notado que quanto mais tempo as negociações tomam, mais leniente Roma se torna.”
Mas ele também observou duas abordagens diferentes em Roma para a questão da FSSPX. “Temos de distinguir a posição do Papa, que é uma coisa, e, em seguida, a posição do CDF”, explicou ele, fazendo referência ao órgão doutrinário do Vaticano, a Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo cardeal Gerhard Müller, que está oferecendo maiores concessões para a regularização. “Eles não têm a mesma abordagem, mas têm a mesma conclusão, que é: vamos acabar com o problema dando o reconhecimento para a fraternidade”.
De acordo com o líder da FSSPX, a Congregação para a Doutrina da Fé tem uma “nova perspectiva” sobre a fraternidade, e, contrariamente às observações feitas pelo cardeal Müller em 2014, ele já não vê o grupo como cismático.
“Isso significa que os pontos que nós defendemos não tocam naqueles pontos que separariam a fraternidade da Igreja, quer seja no nível do cisma ou pior, quer seja no nível de heresia, contra a fé”, disse Dom Fellay. “Eles [CDF] ainda estimam que algo deveria ser esclarecido sobre a questão da percepção do que é o magistério. Mas nós alegamos que são eles que o fazem confuso”.
Em uma entrevista à Zenit, em fevereiro, Dom Guido Pozzo, secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, encarregado da regularização da FSSPX, disse que a Santa Sé quer mais “esclarecimentos” sobre as críticas da Fraternidade ao Concílio, mas isso poderia ter lugar “mesmo depois da plena reconciliação.” Ele disse que a FSSPX deve também afastar-se de “confrontos polêmicos e antagônicos.” Uma fonte do Vaticano revelou que a Fraternidade já “baixou o tom em alguns de seus escritos, entrevistas e publicações”.
Confirmando o que fontes em Roma disseram ao Register, Dom Fellay implicitamente deixou claro que é o Vaticano que se aproximou da FSSPX, em vez do contrário, mesmo porque a Fraternidade vê a reconciliação como um direito e porque seria uma “injustiça não dá-la a nós”. De acordo com o líder do grupo, o Arcebispo Lefebvre nunca quis romper com Roma, e a Fraternidade sempre insistiu que nunca estiveram em cisma.
Dom Fellay disse que alguns no Vaticano vêem a FSSPX como vindo para o “resgate” da Igreja e por outros como vindo em auxílio da Igreja e revelou que isso é mencionado no documento de conciliação que lhes fora oferecido para assinar. Uma fonte informou disse que Roma está dando à fraternidade “tudo” o que precisam para a plena reconciliação.
Mas alguns ligados à FSSPX – incluindo o ex-bispo da FSSPX Richard Williamson, que foi expulso da fraternidade em 2012, alegadamente por ter semeado dissidência dentro da FSSPX e aconselhado contra a reconciliação com o Vaticano – acusam Dom Fellay de estar buscando a reconciliação a qualquer custo e com isso a fraternidade corre o risco de ficar sob a influência do que o bispo Williamson chama de “loucos modernistas” que ocupam o Vaticano.
Dom Fellay rejeita essa posição como “totalmente errada”, insistindo: “Nós não vamos fazer concessões que firam a fé ou a disciplina da Igreja”. Em vez disso, declarou: “estamos pedindo de Roma garantias de que nós podemos continuar da forma como fazemos”.
“Roma está, pouco a pouco, concedendo o que vemos como uma necessidade e o que eles começam a ver como uma necessidade, dada a situação da Igreja”, disse ele.
Uma prelazia pessoal semelhante à do Opus Dei seria a estrutura canônica mais provável e, já com relação à questão sensível das nomeações episcopais, a FSSPX concordou que seja o Papa a escolher um candidato de uma lista de três candidatos propostos pela Fraternidade.
Dom Fellay disse que o Papa Francisco o deixa perplexo mas que é alguém com quem ele pode finalmente lidar a nível pessoal. “O modo normal de julgar alguém é decorrente de suas ações e concluir que ele está agindo assim porque é assim que ele pensa”, explicou. “Com o atual Papa, você fica totalmente confuso, porque um dia ele faz ou diz alguma coisa e no dia seguinte ele faz ou diz, quase o contrário.”
Diálogo com o Papa Francisco
Mas o franco-suiço líder da FSSPX aprendeu a se comunicar com este Papa, reconhecendo que Francisco muitas vezes parece ver a doutrina como um obstáculo para levar as pessoas até Jesus. Para o Papa, disse Dom Fellay: “o que é importante é a vida, é a pessoa, e assim ele tenta olhar para a pessoa, e é nisso, se assim posso dizer, é que ele é muito humano.”
Quanto aos motivos do Papa, Fellay acredita que Francisco é alguém que quer ver todos salvos, assim “como alguém que trabalha com resgate, ele desamarra a corda, que é a sua segurança, e colocar-se em uma situação de risco para tentar chegar às outras pessoas”, e “que é provavelmente o que ele está fazendo com a gente”.
Ao ser perguntado se ele achava que as condenações frequentes do Papa contra os “doutores da lei” e “fundamentalistas” foram parcialmente dirigidas a ele e à Fraternidade, ele riu, dizendo que as pessoas em Roma lhe disseram que nem eles mesmos sabem a quem o Papa se refere. “A resposta que mais obtive foi “os conservadores americanos”! Ele riu. “Então, realmente, francamente, eu não sei.”
No tocante à visão geral do Papa em relação à FSSPX, Dom Fellay falou que a sua familiaridade com a FSSPX em Buenos Aires ajuda. Na verdade, em sua entrevista com La Croix, Francisco disse que “muitas vezes falou” com os membros da FSSPX em Buenos Aires. “Eles me cumprimentavam, me pediam de joelhos uma bênção”, disse Francisco.
O Papa vê que “nós nos preocupamos com as pessoas”, disse o Bispo Fellay.
“Certamente ele não concorda com a gente sobre estes pontos do Concílio, que estamos atacando. Definitivamente, ele não concorda. Mas, para ele, como a doutrina não é tão importante – e sim o homem, as pessoas, que são importantes – então já demos prova suficiente de que somos Católicos”.
“Ele vê que somos genuínos – ponto final”, afirmou Dom Fellay. “Ele certamente vê as coisas em nós com as quais discorda, coisas que ele gostaria de ver-nos mudar, mas para ele, isso não é o que é importante. O que é importante é amar a Jesus, e só isso”.
Ainda assim, a FSSPX está tentando inserir garantias de sua identidade em qualquer acordo com Roma. E sentem-se confiantes de que podem continuar a criticar a Igreja pós-conciliar e o Concílio se for necessário, em grande parte porque muitas outras vozes agora estão fazendo o mesmo. “Vamos manter a urgência de fazer correções, e eu diria que, em parte, eles [Roma] estão começando a reconhecer essa urgência”, disse o Bispo Fellay.
E se estas “correções” não vierem? “Bem, nós vamos ser pacientes”, disse ele, antes de abrir um largo sorriso. “Elas virão.”
Mas, dadas as preocupações expressas sobre aspectos da Igreja pós-conciliar de hoje, com destaque para a recente controvérsia sobre a Exortação Apostólica Amoris Laetitia, a FSSPX pode ter certeza do apoio dos fiéis da FSSPX para a reconciliação?
Esta parece ser uma das incógnitas mais significativas e um grande desafio para a Fraternidade. “Vai ser uma grande tarefa, e vai levar tempo para sermos capazes de fazer com que os fiéis compreendam esta nova fase na história da Igreja, esta nova realidade,” Dom Fellay concedeu. Mas, acrescentou, “não avançar porque as coisas estão ruins de maneira alguma é o que Deus, Nosso Senhor, está solicitando de Seus apóstolos.”
“Eu vejo isso como um passo”
Dom Fellay é mais seguro sobre a situação da Igreja, que ele vê como inevitavelmente se agravando:
“A situação da Igreja, quando olhamos agora, vai se transformar em uma situação realmente muito confusa”, disse ele, acrescentando que “todos os católicos” devem fazer a sua parte para fortalecer a Igreja. A regularização canônica da Fraternidade não será uma solução, afirmou, porque o problema “está na Igreja” e no que está acontecendo agora, “que é a confusão em todos os níveis, moral e doutrinário.”
Então será que ele vê a mão estendida do Vaticano como uma recompensa por tudo pelo que a FSSPX lutou e defendeu ao longo das últimas décadas?
“Eu vejo isso como um passo”, disse Dom Fellay: “o que prova o quão certos estivemos e que de maneira alguma significa o fim”.
Edward Pentin é correspondente em Roma do Register.