A demissão, no mês passado, do grão-chanceler da ordem pelo grão-mestre, relacionada ao envolvimento da ordem na distribuição de contraceptivos artificiais, desencadeou um grave desentendimento com a Santa Sé.
Por Edward Pentin, National Catholic Register, 7 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: A demissão de uma figura importante da Soberana Ordem de Malta relacionada com a distribuição em alguns países em desenvolvimento provocou um grave desentendimento entre os Cavaleiros de Malta e a Santa Sé, mas, que ambas as partes esperam ser rapidamente resolvido.
A disputa, que levou a uma controversa intervenção da Santa Sé, expôs uma abordagem divergente quanto ao tratamento a ser dado a práticas que a Igreja sempre ensinou serem gravemente imorais. Também revelou alegações de ambição da associação alemã dos Cavaleiros em estender sua influencia dentro da antiga ordem de cavaleria, o desejo do papa de livrar a ordem da maçonaria e uma misteriosa doação de 120 milhões de francos suíços (US$ 118 milhões, cerca de R$ 413 milhões) aos Cavaleiros.
A Ordem Soberana e Militar de Malta é uma ordem religiosa leiga sediada em Roma e remonta à Primeira Cruzada. Defendeu extensamente a fé contra as perseguições e se dedicou a ajudar no cuidados dos pobres, doentes e vulneráveis, empregando um pessoal médico de cerca de 25 mil profissionais e 80 mil voluntários por todo o mundo. É considerada um sujeito soberano pelo direito internacional e tem relações diplomáticas com 106 países.
O Cardeal americano Raymond Burke é o cardeal patrono da ordem, cuja tarefa é promover as relações entre a Santa Sé e os Cavaleiros e manter o Santo Padre informado sobre os aspectos espirituais e religiosos da ordem.
A disputa em andamento, que o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, descreveu como uma “crise sem precedentes”, primeiramente tornou-se pública após o grão-mestre dos Cavaleiros de Malta, Fra’ Matthew Festing, demitir Albrecht Freiherr von Boeselager do posto de grão-chanceler (o oficial de número três da ordem), em 6 de dezembro, acusando-o de ser, ao fim, o responsável pela distribuição de contraceptivos através da agência humanitária da ordem Malteser International.
Apesar de ter professado votos de obediência ao grão-mestre como Cavaleiro de Segunda Classe, o experiente Cavaleiro alemão se recusou a renunciar no encontro de 6 de dezembro, um ato de insubordinação que a ordem qualificou de “vergonhoso” e que provocou um “procedimento disciplinar” que suspendeu Boeselager de todos os encargos nos Cavaleiros de Malta, segundo uma declaração de 13 de dezembro. A constituição da Ordem de Malta afirma que a obediência na ordem requer a obrigação de executar qualquer instrução como legitimamente dada pelo superior, dependendo da motivação da instrução.
Preservativos distribuídos
A razão para a demissão de Boeselager remonta, primeiramente, a quando ele era o grande hospitalário de 1989 a 2014, responsável pela Malteser International, a grande agência de ajuda humanitária dos Cavaleiros sediada em 24 países. Durante seu mandato, a organização documentou ter distribuído milhares de preservativos e contraceptivos orais, principalmente, mas não exclusivamente, para ajudar a prevenir prostitutas, no Extremo Oriente e na África, de pegarem HIV/AIDS.
“Eles estavam distribuindo preservativos não só a pacientes, mas a trabalhadores em geral”, declarou uma fonte bem informada ao Register, sob condição de anonimato. “A motivação aparente era prevenir a difusão da AIDS, e então, em geral, enquanto programa de planejamento familiar, também — espaçamento de nascimentos e coisas do tipo, que dificilmente pode ser relacionado à AIDS”.
No fim de 2014, o grão-mestre tomou ciência do caso; e em maio de 2015, Fra’ Festing instituiu uma comissão de três pessoas para descobrir o que aconteceu. A comissão apresentou seus resultados em janeiro de 2016; o caso da distribuição de contraceptivos foi posteriormente catalogado pelo Instituto Lepanto, demonstrando que milhares de contraceptivos foram distribuídos entre 2015 e 2012.
Boeselager tinha ciência do caso há algum tempo e foi primeiramente informado dessa situação “ao menos desde 2013, quando detinha o posto de grande hospitalário, ou desde quando Malteser International ordenou uma avaliação abrangente de todos os projetos acerca de sua conformidade ao ensinamento da Igreja Católica”, declarou Eugenio Ajroldi di Robbiate, diretor de comunicação dos Cavaleiros de Malta. “Desde o fim de 2014 até dezembro de 2016, houve diversas ocasiões em que o grão-mestre e Albrecht Boeselager discutiram o assunto”.
O porta-voz ressaltou que a comissão “reconheceu o profissionalismo da Malterser Internacional e a importância de seus projetos em 24 países do mundo, ressaltando que os que geraram problemas morais estavam limitados a Myanmar, Quênia e Sudão do Sul”.
Boeselager responde
Em uma declaração de 23 de dezembro, Boeselager protestou que não havia bases válidas para renunciar e que o “procedimento estabelecido” para sua remoção não foi seguido. Ele também criticou uma instrução do grão-mestre, afirmando que sua diretriz de que membros que não concordassem de sua decisão deveriam renunciar “recordava um regime autoritário”.
Quanto ao assunto dos contraceptivos, o ex grão-chanceler afirmou que a distribuição de preservativos em Myanmar para prevenir a difusão da AIDS foi “iniciada em nível local” e “sem o conhecimento” da sede da Malteser International. Tão logo a ordem soube da distribuição de preservativos, dois dos projetos foram imediatamente paralisados. Um terceiro continuou, declarou ele, porque um fim abrupto teria privado uma região pobre de Myanmar de todos os serviços médicos básicos. Esse projeto, por fim, terminou após a Congregação para a Doutrina da Fé intervir.
Boeselager afirmou que ele sempre enfatizou “claramente” que sente-se “vinculado aos ensinamentos da Igreja” e que “maquinar uma acusação” de que ele não reconhece os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade e família, com base nos acontecimentos em Myanmar, é “absurdo”.
Todavia, um membro austríaco da Malteser International continua a defender o uso de preservativos para prevenir a infecção por HIV em seu website, muito embora a Igreja ensine que o uso de contraceptivos é “gravemente imoral” em qualquer circunstância.
Esperava-se que o escândalo dos contraceptivos fosse tratado em 10 de novembro, quando o Cardeal Burke foi recebido em audência privada pelo Papa Francisco. Durante o encontro, Register soube que o Papa ficou “profundamente perturbado” por aquilo que lhe contou o cardeal. O Papa também deixou claro ao Cardeal Burke que ele desejava que a maçonaria fosse “expelida” da ordem, e pediu ações apropriadas.
A preocupação se seguiu por uma carta de 1º de dezembro ao Cardeal Burke, na qual Register tomou conhecimento de que o Santo Padre enfatizou ao cardeal o dever de promover o interesse espiritual da ordem e de remover qualquer afiliação com grupos ou práticas contrários à lei moral.
O Santo Padre não pediu explicitamente na carta que Boeselager fosse demitido, e, contrariamente a matérias, o Cardeal Burke insistiu que ele nunca teria dito a Boeselager que o Papa pediu especificamente por sua demissão. Antes, fontes internas se empenharam por dizer que a liderança dos Cavaleiros não podia ver como a questão poderia ser retificada de outra forma, quando se envolvia grande escândalo e ninguém assumia a responsabilidade por isso. A liderança acreditava estar claro que Boeselager era o principal responsável pelo que aconteceu, especialmente quando, durante o encontro de 6 de dezembro, não deu resposta quando questionado sobre a razão de não ter formalmente protestado sobre a exatidão do relatório da comissão.
Uma fonte confiável também recorda que Boeselager afirmou em uma recepção em Roma, em 2014: “Temos de dar contraceptivos aos pobres ou eles morrerão”. Boeselager também, conforme relatos, não respondeu quando confrontado com esta afirmação no encontro de 6 de dezembro.
A liderança dos Cavaleiros, incluindo o Cardeal Burke, estavam convencidos que havia se dado uma grave violação da lei moral, e especialmente quando ela se estendeu por um período de tempo, as pessoas responsáveis tinham de ser disciplinadas; de outra forma, a instituição perderia sua credibilidade.
Boeselager não respondeu ao pedido do Register para comentar as questões relacionadas à sua demissão.
A intervenção do Cardeal Parolin
Após sua demissão, fontes internas afirmam que Boeselager foi ao Cardeal Parolin, erroneamente contando a ele que lhe foi dito pelo Cardeal Burke que o Papa o instruía a renunciar.
Porque ele via a situação como uma emergência, segundo as fontes, o Cardeal Parolin não verificou o que foi comunicado a Boeselager pelo Cardeal Burke antes de escrever uma carta, em 12 de dezembro, a Fra’ Festing em nome do Santo Padre. Nela, ele enfatizava que as “únicas instruções” do Papa foram aquelas dadas ao Cardeal Burke em sua carta de 1º de dezembro.
“Em particular, a respeito do uso e distribuição de métodos e meios contrários à lei moral, Sua Santidade pediu que o diálogo [ênfase dele] seja a abordagem usada para tratar e resolver potenciais problemas”, escreveu o Cardeal Parolin em sua carta. “Ele nunca mencionou, pelo contrário, expelir ninguém”. O Cardeal acrescentou que esperava que o diálogo fosse usado para “adiante encontrar uma forma prudente que seja vantajosa a todos”.
Em resposta, Fra’ Festing destacou que a decisão que ele havia tomado era “plenamente de acordo com as instruções” retransmitidas pelo Cardeal Burke e pediu por um encontro urgente com o Cardeal Parolin para encontrar um caminho a seguir. No encontro, o Cardeal Parolin disse que ele queria instituir uma comissão para investir os assuntos relacionados à demissão. O grão-mestre e a liderança dos Cavaleiros recusou tal comissão, principalmente por conta do status de soberania dos Cavaleiros que proíbe tal interferência em seu governo interno, segundo o direito internacional.
A liderança dos Cavaleiros ficou com a impressão de que o Cardeal Parolin havia voltado atrás com a idéia.
A Comissão de Inquérito
No entanto, em 22 de dezembro, o grão-mestre e o Cardeal Burke receberam uma carta do Vaticano, comunicando que uma comissão, ou grupo, havia sido estabelecido; que as instruções do Papa em sua carta de 1º de dezembro deveriam ser suspensas; e que nada mais deveria ser feito até que o recém formado grupo concluísse seu trabalho. O Vaticano também informou a mídia no mesmo dia, embora não através do boletim diário do Vaticano, mas, por um e-mail, que o grupo de cinco membros tinha por objetivo rapidamente obter informação sobre a disputa.
Questionado se queria compartilhar sua opinião a respeito, o Cardeal Burke declarou ao Register: “Não posso fazer qualquer comentário sobre essas decisões porque nunca fui consultado. Eu estava presente na demissão”. Mas, ele acrescentou que o que lhe preocupava “muitíssimo” em toda “infeliz reação à justa ação do grão-mestre era a perda de sentido do que estava em jogo, isto é, uma grave violação do ensino moral da Igreja e, de fato, da lei moral natural por uma proeminente e histórica instituição Católica”.
Os cinco membros da comissão de inquérito são o arcebispo Silvano Tomasi, antigo observador da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra; o padre jesuíta Gianfranco Ghirlanda, ex reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana; Jacques de Liedekerke, advogado; Marc Odendall, um banqueiro de investimento; e Marwan Sehnaoui, presidente da Ordem de Malta no Líbano.
Exceto Padre Ghirlanda, todos os indicados do grupo são membros da ordem, e a maior parte são de aliados de Boeselager. Odendall é conhecido por ser particularmente apoiador de Boeselager, e o Arcebispo Tomasi é um bom amigo de Odendall, segundo fontes de dentro da ordem.
Ademais, Register soube que Odendall, Sehnaoui e o Arcebispo Tomasi estiveram relacionados com Boeselager quanto a uma herança enorme deixada para a ordem por um benfeitor residente na França, avaliada em ao menos 120 milhões de francos suíços (US$ 118 milhões, cerca de R$ 413 milhões). O Cardeal Parolin tem conhecimento da doação desde, ao menos, março de 2014.
O Secretário de Estado também é conhecido amigo de Boeselager, e, em 15 de dezembro, nomeou seu irmão, Georg Freiherr von Boeselager, como um dos três novos membros da conselho do IOR (Banco do Vaticano).
O Cardeal declinou responder a uma série de questões sobre a demissão de Boeselager e a comissão papal, dizendo ao Register, em 2 de janeiro, que “não era oportuno”.
A Ordem rejeita a Comissão.
Em uma carta de 3 de janeiro aos Cavaleiros, o novo chanceler da Ordem, Fra’ John Critien, insistiu que a ordem “não pode colaborar” com a comissão papal, não só por conta de sua “irrelevância jurídica” em relação ao sistema legal da ordem, mas, “acima de tudo”, a fim de “proteger suas prerrogativas soberanas contra iniciativas objetivamente destinadas a questionar ou limitar seu caráter soberano”. A ordem já publicamente declarou que tal “interferência” é “inaceitável”.
Ele, portanto, enfatizou que a não colaboração com a comissão se dá puramente por “motivações jurídicas” e “não é, e de forma alguma pode ser considerada uma falta de respeito para com a comissão em si, nem para com o Secretariado de Estado da Santa Sé”.
Apoiadores da comissão afirmaram que uma das principais razões de ela ter sido erigida era que as associações nacionais da Ordem de Malta apoiavam Boeselager. Isso não parece ser exato, como Register pôde ver em cartas de apoio ao grão-mestre de várias associações, incluindo Itália, Espanhoa, Portugal, México, Chile e Malta.
Em 4 de janeiro, o Arcebispo Tomasi respondeu à carta de Fra’ Critien, de 3 de janeiro, que ele afirmou “fazer algumas declarações cujas imprecisões geram equívocos” e “diretamente contradizem os desejos do Santo Padre”. Segundo o arcebispo, a questão relacionada à demissão de Boeselagar “não é só a soberania da ordem, mas a afirmação razoável de procedimentos questionáveis e de falta de causa provadamente válida para ação tomada”. Também, ele disse, “nunca houve um pedido de renúncia ou demissão de ninguém, da parte da Santa Sé e especificamente do Santo Padre”.
“Acerca do que Sua Excelência qualifica de irrelevância jurídica da comissão, os argumentos usados para substituir o grão-chanceler provocaram a sua ereção pelo Santo Padre, uma vez que a irregularidade inferida quanto ao procedimento profundamente dividiu a ordem”, declarou o Arcebispo Tomasi.
Procurando uma solução
Tanto a ordem como a Santa Sé estão empenhados em resolver rapidamente o problema, e apesar dos protestos das altas esferas da ordem, o Vaticano continua a ver a comissão papal, que se encontrou pela primeira vez em 5 de janeiro, como a melhor forma de encontrá-la.
Em comentários ao jornal italiano Il Messaggero, de 31 de dezembro, o Cardeal Parolin afirmou que a comissão “reuniria informação, e depois vamos ver”.
Este artigo é a primeira de duas partes.
Edward Pentin é o correspondente do Register em Roma
Se forem realidade os fatos que pareceriam nebulosos, que o papa Francisco acaso quereria demissionar a maçonaria nesse caso de suposto empréstimo à Ordem de Malta, mesmo sua influencia, se são ambos verdeiros, sentindo-ela afetada pela medida, bem provável que lhe promoveria retaliação e o cobraria com juros e correção monetaria!
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Se a informação for verdadeira do envolvimento da Ordem de Malta com a maçonaria, e a vontade do papa em expulsá-la do meio, então, finalmente, estaríamos vendo o papa Francisco fazendo algo de bom.
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A maçonaria tem metástase em tudo e não se vê nenhum atitude semelhante em outras situações. Suponho que a motivação sejam outras; se assenhorar da Ordem Soberana e de quebra atingir o desafeto Cardeal Burke.
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No site da Ordem de Malta no Brasil, na seção de avisos (menu / notícias / avisos), temos uma matéria de gravidez na adolescência do programa Fantástico, onde o Drauzio Varela reclama da falta de acesso aos anticoncepcionais às jovens, mães dos 10 aos 14 anos. Nenhuma palavra sobre castidade. Qual o interesse da Ordem em repassar a matéria? Conscientizar a quê?
http://ordemdemalta.com.br/document/materia-fantastico/
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Gostaria de acrescentar que o deslize moral de publicar reportagens de meios anti católicos não se pode atribuir precipitadamente à Ordem em si, ou à direção nacional, que promove, pelas reportagens, um trabalho fantástico de assistência. Pela seriedade que a cúpula da Ordem tem tratado o caso da demissão do ex grão-chanceler, vê-se a seriedade.
Mas a crise moral na Igreja como um todo claramente afeta a grande parte dos católicos. Alguém na filial da Ordem aqui no Brasil pensa como se mostra na reportagem, senão não tinham mostrado no site. O caso da demissão certamente acionou o alerta vermelho a essa gente.
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