Reflexões da Sagrada Escritura: “Ai de ti”.

Por Padre Élcio Murucci | FratresInUnum.com

“Ai de ti Corozain, ai de ti, Betsaida, porque se em Tiro ou Sidônia tivessem sido feitos milagres que se realizaram em vós, há muito tempo que elas teriam feito penitência em cilícios e em cinza – Por isso vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidônia no dia do Juízo, que para vós. E tu Cafarnaum, elevar-te-ás porventura até ao céu? Hás de ser abatida ao inferno, porque se em Sodoma se tivessem feito os milagres que se fizeram em ti, talvez existisse ainda hoje.Por isso vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para a terra de Sodoma que para ti” (S. Mat., XI 21-23)

N.B.: Todo este artigo é extraído exclusivamente do Livro “EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA”, Quinta Parte, Capítulo Único, em que o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira , pelos textos do Novo Testamento, confirma as doutrinas que defendeu anteriormente neste mesmo livro. Demos-lhe então a palavra:

“Sem contestar que realmente na lei da graça tenha havido uma efusão muito mais abundante da misericórdia divina queremos demonstrar que se dá às vezes a este fato gratíssimo um alcance maior do que na realidade ele tem. Não há, graças a Deus, católico algum que, por pouco que seja instruído dos Santos Evangelhos não se lembre do fato narrado por S. Lucas, que exprime de modo admirável o reinado da misericórdia, mais amplo, mais constante e mais brilhante no Novo Testamento do que no Antigo. O Salvador fora objeto de uma afronta em uma cidade de Samária. E, “vendo isto os seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor queres tu que digamos que desça fogo do céu, que os consuma (aos habitantes da cidade)? Ele, porém, voltando-se para eles, repreendeu-os dizendo: Vós não sabeis de que espírito sois. O Filho do Homem não veio para perder as almas, mas para as salvar. E foram para outra povoação” (IX, 50-56). Que admirável lição de benignidade! E com que consoladora e grande frequência Nosso Senhor repetiu lições como esta! Tenhamo-las gravadas bem fundo em nossos corações, mas aí as gravemos de modo tal que reste lugar para outras lições não menos importantes, do Divino Mestre. Ele pregou certamente a misericórdia, mas não pregou a impunidade sistemática do mal. No Santo Evangelho, se Ele nos aparece muitas vezes perdoando, aparece-nos também mais de uma vez punindo ou ameaçando. Aprendamos com Ele que há circunstâncias em que é preciso perdoar, e em que seria menos perfeito punir; e também circunstâncias em que é preciso punir, e seria menos perfeito perdoar.

Não incidamos em um unilateralismo de que o adorável exemplo do Salvador e uma condenação expressa, já que Ele soube fazer, ora uma, ora outra coisa. Não nos esqueçamos jamais do memorável fato que S. Lucas narra no texto acima. E também não nos esqueçamos deste outro, simétrico ao primeiro, e que constitui uma lição de severidade que se ajusta harmonicamente à da benignidade divina, num todo perfeito; ouçamos o que de Corozain e Betsaida, disse o Senhor, e aprendamos com Ele, não só a divina arte de perdoar, mas a arte não menos divina de ameaçar e de punir: “”Ai de ti Corozain, ai de ti, Betsaida, porque se em Tiro ou Sidônia tivessem sido feitos milagres que se realizaram em vós, há muito tempo que elas teriam feito penitência em cilícios e em cinza – Por isso vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidônia no dia do Juízo, que para vós. E tu Cafarnaum, elevar-te-ás porventura até ao céu? Hás de ser abatida ao inferno, porque se em Sodoma se tivessem feito os milagres que se fizeram em ti, talvez existisse ainda hoje.Por isso vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para a terra de Sodoma que para ti” (S. Mat., XI 21-23). Note-se bem: o mesmo Mestre que não quis mandar o raio sobre o vilarejo de que acima falamos, profetizou para Corozain e Betsaida desgraças ainda maiores que as de Sodoma! Não arranquemos ao Santo Evangelho página alguma, e encontremos elemento de edificação e de imitação nas páginas sombrias como nas luminosas, pois que tanto umas quanto outras são salutaríssimos dons de Deus.

Se a misericórdia ampliou no Novo Testamento a efusão das graças, a justiça por outro lado, encontra na rejeição de graças maiores, crimes maiores a punir. Entrelaçadas intimamente, ambas as virtudes continuam a se apoiar reciprocamente no governo do mundo por Deus. Não é exato, pois, que no Novo Testamento só haja lugar para o perdão, e não para o castigo. Os pecadores antes e depois de Cristo.

Mesmo depois da Redenção, continuou a existir o pecado original com o triste cortejo de suas consequências na vontade e na inteligência do homem. Por outro lado os homens continuaram sujeitos às tentações do demônio. E tudo isto fez com que não desaparecesse da terra o pecado, pelo que a Igreja continuou a navegar num mar agitado, no qual a obstinação e a malícia dos pecadores erguem contra ela obstáculos que a todo momento ela deve romper. Basta um lance de olhos, ainda que superficial, na História da Igreja, para dar a esta verdade uma evidência cruel. Mais ainda. A graça santifica os que a aceitam, mas a rejeição da graça fará um homem pior do que ele era antes de a receber. É neste sentido que o Apóstolo escreve que os pagãos convertidos ao Cristianismo e depois arrastados pelas heresias se tornam piores do que eram antes de ser cristãos. O maior criminoso da História, não foi certamente o pagão que condenou Jesus Cristo à morte, nem mesmo o sumo sacerdote que dirigiu a trama dos acontecimentos que culminaram com a crucifixão, mas o apóstolo infiel que por trinta dinheiros vendeu seu Mestre. “Quanto maior a altura mais fundo o tombo”, diz um ditado de nossa sabedoria popular. Que profunda e dolorosa consonância com os ensinamentos da Teologia tem esta asserção!

Assim, a Santa Igreja tem de se defrontar no seu caminho com homens tão maus ou ainda piores do que aqueles que, vigente o Antigo Testamento, se insurgiram contra a lei de Deus. E o Santo Padre Pio XI, na Encíclica “Divini Redemctoris” declara que em nossos dias não só alguns homens mas “povos inteiros se encontram no perigo de recair em uma barbárie pior que aquela em que jazia a maior parte do mundo ao aparecer o Divino Redentor”.

Portanto, a defesa dos direitos da verdade e do bem exige que, com um vigor maior do que nunca, se dobre a cerviz dos múltiplos inimigos da Igreja. Por isto deve o católico estar pronto a brandir com eficácia todas as armas legítimas, sempre que suas orações e sua cordura não bastarem para reduzir o adversário.

Notemos nos textos seguintes quantos e que admiráveis exemplos de argúcia penetrante, de combatividade infatigável, de franqueza heroica encontramos no Novo Testamento. Veremos assim que Nosso Senhor não foi um doutrinador sentimental mas o Mestre infalível que, se de um lado soube pregar o amor com palavras e exemplos de uma insuperável e adorável doçura, soube, também pela palavra e pelo exemplo, pregar com insuperável e não menos adorável severidade o dever da vigilância, da argúcia, da luta aberta e rija contra os inimigos da Santa Igreja, que a brandura não puder desarmar.”

Um comentário sobre “Reflexões da Sagrada Escritura: “Ai de ti”.

  1. Estariam desarticulando erroneamente em muito a misericordia da justiça, a qual pareceria extinta, pois provavelmente ouviríamos o termo “misericordia” 100 vezes, quiçá 1 de “justiça” e, quando mencionada, é relatada sem a ênfase que deveria existir, com as penalidades cabíveis quando necessaria a aplicação, ao menos nas homilias gerais de uns tempos para cá.
    “Disse ela: “Ninguém, Senhor.” E assim lhe disse Jesus: “Nem Eu te condeno; podes ir e não peques mais.” Jo 8,11.
    Quantas vezes ouço explicações a esse versículo e similares sem o complemento fora da leitura do texto; pareceria desinteressarem-se em dizer o “não peques mais” com as consequencias; muito menos citarem o “condenarem-se ao inferno” – esse evitariam falar para não assustarem as pessoas…
    Idem, “Mais tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: “Veja que já estás curado; não voltes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.”
    Nosso Mestre Jesus nunca ofereceu uma misericordia alienada, a qualquer preço, sem que tivesse havido um pedido de mudança de vida; jamais praticou o misericordiosismo, tão em voga ultimamente; estariam recebendo formação deficiente nos seminarios?
    … “Vinde, pois, depressa, e convertei-vos todos vós de todas as vossas transgressões, a fim de que a iniquidade não vos cause a perdição. Ez 18,30.

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