Reflexões da Sagrada Escritura: Os atos morais bons e maus diferem especificamente.

Por Padre Élcio Murucci | FratresInUnum.com

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, 1ª Parte da 2ª Parte – Questão XVIII, Artigo V.

ARTIGO V. – SE OS ATOS MORAIS BONS E MAUS DIFEREM ESPECIFICAMENTE.

O quinto artigo discute-se assim. – Parece que os atos morais bons e maus não diferem especificamente.

1ª OBJEÇÃO: Pois, a bondade e a malícia dos atos é como a das coisas, segundo se disse no artigo primeiro. Ora, nestas o bem e o mal não diversificam a espécie; assim, da mesma espécie é tanto o homem bom como o mau. Logo, também a bondade e a malícia dos atos não os diversificam especificamente.

2ª OBJEÇÃO: Ademais. – O mal, sendo privação, é de certo modo, não-ser. Ora, este não pode diferençar, como diz o Filósofo em III Metaph., lect. VIII. E, como a diferença constitui a espécie, resulta que um ato mau não pertence a nenhuma espécie. Logo, o bem e o mal não diversificam especificamente os atos humanos.

3ª OBJEÇÃO: Ademais. – Atos especificamente diversos produzem efeitos diversos. Ora, um efeito pertencente a uma determinada espécie pode resultar tanto de um ato bom como de um mau; assim, o homem é gerado tanto do adultério como do concúbito matrimonial. Logo, os atos bons não diferem especificamente dos maus.

4ª OBJEÇÃO: Ademais. – Os atos são às vezes bons e maus pela circunstância, como já se disse no artigo terceiro. Ora, esta, sendo acidente, não os especifica. Logo, não é pela bondade nem pela malícia que os atos diferem especificamente.

SED CONTRA. Mas, PELO CONTRÁRIO,  segundo o Filósofo em II Ethic., lect. I: “hábitos semelhantes produzem atos semelhantes (Similes habitus similes actus reddunt). Ora, os hábitos bons diferem especificamente dos maus, como a liberalidade se difere especificamente da prodigalidade. Logo, também os atos bons diferem do mesmo modo dos maus.

RESPONDO  (dando a SOLUÇÃO, após fazer as devidas distinções e explicações): – Todo ato se especifica pelo seu objeto, como já se disse no artigo segundo. Por onde, é necessário que qualquer diferença no objeto corresponda a uma diversidade específica nos atos. Devemos porém notar que uma diferença no objeto, causa da diferença específica dos atos, relativamente a um princípio ativo, não é causa relativamente a outro, pois, o acidental não especifica; só o essencial especifica. Ora, uma diferença no objeto pode ser essencial, relativamente a um princípio ativo, e acidental relativamente a outro; assim, o conhecimento da cor e o do som diferem relativamente ao
sentido, mas não relativamente ao intelecto.

Ora, a bondade e a malícia dos atos humanos são relativos à razão. Pois como diz Dionísio (IV cap. De div. nom., lect. XXII): o bem do homem consiste “em ser conforme à razão, e o mal, contrário a ela”. E na verdade, o bem de uma coisa é o que lhe convém, formalmente, e o mal, o que lhe contraria a ordem formal. Por onde é claro que a diferença entre o bem e o mal, considerada relativamente ao objeto, implica relação essencial com a razão, o que lhe torna o objeto conveniente ou não conveniente; e assim, chamam-se humanos ou morais os atos procedentes da razão. Logo, é claro que o bem e o mal diversificam especificamente os atos morais, pois as diferenças essenciais diversificam as espécies.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Mesmo nos seres naturais o bem e o mal, isto é, o que é conforme ou contrário à natureza, diversifica-lhes as espécies; assim, o corpo vivo e o morto não pertencem à mesma espécie. E, semelhantemente, o bem sendo o conforme à razão, e o mal, o que lhe é contrário, diversificam a espécie moral.

RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO: –  A privação que o mal supõe não é absoluta mas, resultante de uma certa potência. Assim, é especificamente mau um ato, não por não ter nenhum objeto mas por tê-lo não conveniente à razão, com apoderar-se dos bens alheios. Por onde, na medida em que o objeto for algo de positivo, pode constituir
a espécie de um ato mau.

RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO: –  O ato conjugal e o adultério, enquanto referidos à razão, diferem especificamente e produzem efeitos também especificamente diferentes; pois, aquele (=o conjugal) merece louvor e
prêmio; e este (= o ato adúltero) merece vitupério e pena. Não diferem porém de espécie enquanto relativos à faculdade de gerar; e portanto produzem o mesmo efeito, especificamente.

RESPOSTA À QUARTA OBJEÇÃO: – A circunstância, considerada como diferença essencial do objeto enquanto esta é relativa à razão, pode especificar um ato moral. E isto se dá necessariamente, sempre que a circunstância  muda em malícia a bondade de um ato; pois, ela não torna mau o ato, senão porque ela é contrária à razão.