Por:LifeSiteNews em 1º de julho de 2017 |Tradução: FratresInUnum.com – Desde sua nomeação pelo Papa Bento XVI ao cargo de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em 2012, o Cardeal Gerhard Ludwig Müller tem se pronunciado claramente a favor da ortodoxia em meio a um coro de vozes dissonantes no Vaticano. Essa função tornou-se visível durante os dois Sínodos da Família, em 2014 e 2015, quando ele opôs-se publicamente a clérigos poderosos da Alemanha, seu país de origem, como, por exemplo, os Cardeais Walter Kasper e Reinhard Marx.
Quando a discussão que levou aos Sínodos estava ocorrendo no final de 2013, o Cardeal Müller desferiu um ataque preventivo ao afirmar de maneira inflexível que não é possível dar a Comunhão aos católicos divorciados e recasados. “Se o matrimônio anterior de dois fiéis divorciados e recasados foi válido, em nenhuma circunstância a sua nova união poderá ser considerada legítima e, portanto, a recepção dos sacramentos é intrinsecamente impossível,” escreveu, citando o Cardeal Josef Ratzinger.
Pouco tempo depois, o Cardeal Oscar Andres Rodriguez Maradiaga, presidente do conselho privado de oito cardeais escolhidos pelo Papa, repreendeu Müller publicamente por ser muito rigoroso com a verdade. “O mundo, meu irmão, o mundo não é assim. Você deveria ser um pouco flexível ao ouvir outras vozes, para que você não ouça somente e diga: ‘Não e aqui está o muro’.”
Naquilo que agora parece inconcebível, no meio dos dois Sínodos o Cardeal Müller disse abertamente que a tentativa de separar a doutrina da Igreja Católica de sua prática é uma “heresia.” Nas observações à Comissão Teológica Internacional, reimpressa no jornal do Vaticano no início de dezembro de 2014, Müller disse: “Cada divisão entre ‘teoria’ e ‘prática’ da fé seria o reflexo de uma “heresia” cristológica sutil.’”
Quando o Cardeal Marx, outro membro do conselho de oito cardeais consultores do Papa e chefe da Conferência Episcopal Alemã, afirmou publicamente que os bispos alemães seguiriam sua própria orientação na questão de permitir a Comunhão às pessoas em uniões conjugais “irregulares”, o Cardeal Müller condenou a proposta em termos claros. “Essa é uma ideia absolutamente anticatólica que não respeita a catolicidade da Igreja,” ele disse.
Ele acrescentou que nem mesmo o Magistério papal é livre para alterar a doutrina. Ele disse: “Toda palavra de Deus está confiada à Igreja, mas ela não é superior à Palavra”. “O Magistério não é superior à palavra de Deus. O contrário é verdadeiro.”
Durante o período entre os dois Sínodos, como a Igreja parecia em confusão a respeito da doutrina, o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé assumiu a responsabilidade de colocar os pingos nos “is”. Ele deu inúmeras entrevistas e palestras defendendo a posição tradicional da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio e a catolicidade da Igreja. Ele advertiu sobre o cisma na Igreja e com frequência estava tendo que interpretar de maneira criativa as declarações do Papa que pareciam contradizer a doutrina da Igreja.
Foi nessa época que o Cardeal Müller recebeu críticas de fontes ligadas ao Papa. Além da guerra de palavras com o Cardeal Marx, o biógrafo papal e vaticanista Andrea Tornielli procurou o Cardeal Müller para indagar-lhe sobre suas relações com o Papa.
Muller admitiu que precisara corrigir o Papa teologicamente. Ele afirmou que “o Papa Francisco não é um ‘teólogo profissional’, mas em grande parte foi formado por suas experiências no campo pastoral, que é muito diferente da nossa [no Ocidente]”. Ele caracterizou a reação de Francisco às suas correções da seguinte maneira: “Isso é o que ele mesmo [Papa Francisco] disse três ou quatro vezes, publicamente (risos); e então ele me deu um abraço para que – como ele disse – cesse a fofoca com relação a esse assunto.”
Mesmo após a publicação da Amoris Laetitia, o Cardeal Müller continuou afirmando que a exortação do Papa não permitia a Comunhão para os divorciados católicos recasados. Ele o fez mesmo em face à assinatura do Papa em documentos que apoiavam a interpretação oposta.
Foi nessa ocasião, ao final de 2016, que a pressão sobre o Cardinal Muller por parte do Papa Francisco tornou-se mais palpável. O Papa Francisco ordenou sem a menor cerimônia que o Cardeal Muller demitisse três padres de seus cargos na CDF. De acordo com um dos vaticanistas mais notáveis, quando Muller questionou o Papa a respeito da demissão, o papa respondeu: “Eu sou o papa, eu não preciso dar satisfações para quaisquer das minhas decisões. Decidi que eles têm que sair e eles precisam sair.”
Nos círculos do Vaticano, começaram especulações a respeito do Cardeal Christoph Schonborn, de Viena, substituir Muller como chefe da CDF. Fontes próximas ao Cardeal dão a entender que Muller levou essa especulação a sério e procurou dar uma aparência mais simpática ao seu relacionamento com o Papa Francisco. Durante essa ocasião ele escreveu um livro sobre o Papa Bento e o Papa Francisco, no qual ele insinuou que se tratava apenas de uma diferença de caráter entre os dois, em vez de uma diferença de doutrina.
O livro aparentemente surtiu pouco efeito na resolução do problema.
Em vez de aconselhar os repórteres que buscam uma interpretação da Amoris Laetitia a recorrerem ao chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa os encaminhou ao Cardeal Christoph Schonborn, a quem chamou de um “grande teólogo que conhece a doutrina da Igreja.”
A interpretação de Schonborn contradisse a de Muller, permitindo, em determinados casos, a Comunhão para católicos divorciados e recasados.
O Cardeal Muller intensificou sua demonstração de lealdade ao Papa com uma objeção manifesta aos quatro cardeais que apresentaram os dubia – Raymond Burke, Joachim Meisner, Carlo Caffarra e Walter Brandmuller. Embora os cardeais que apresentaram os dubia estivessem lutando por exatamente a mesma interpretação da Amoris que o Cardeal Muller estava promovendo, ele os criticou publicamente.
Em janeiro de 2017 o Cardeal Müller disse em um canal italiano de TV que não havia necessidade de uma “correção fraterna” do papa, uma vez que o papa não pôs em perigo a fé e a doutrina da Igreja Católica. “O Papa está basicamente sendo forçado a responder ‘sim ou não’. Eu não gosto disso,” ele disse.
Em maio deste ano, Müller suavizou a sua posição contra os cardeais que apresentaram os dubia, dizendo que eles haviam feito “perguntas legítimas ao papa,” mas lamentava que elas haviam sido divulgadas publicamente.
E embora o Papa tenha esclarecido mais e mais e mais que a sua interpretação da Amoris Laetitia era oposta àquela do Cardeal Muller, o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé continua até agora afirmando o contrário.
De fato, ainda em outro livro lançado em fevereiro deste ano o Cardeal Muller dá a entender que não somente a Amoris Laetitia deve ser interpretada à luz do magistério e da disciplina tradicionais da Igreja, ele acrescenta que o Papa não tem autoridade para alterá-la.
Embora agora o Cardeal Muller possa perder o seu elevado cargo como guardião da doutrina da fé na Igreja Católica, ele se rebaixou tentando dar o melhor de si para manter a fé apesar de ataques pessoais. Suas atitudes calculadas para manter o cargo, conforme soubemos de pessoas próximas a ele, não foram tomadas por um desejo de poder, mas somente por receio de que um sucessor em seu cargo menos propenso a manter a ortodoxia venha a prejudicar a Igreja.