“Não estejas sem temor da ofensa que te foi perdoada e não amontoes pecados sobre pecados” (Eclesiástico V, 5).
Por Padre Élcio Murucci | FratresInUnum.com
395. NOÇÃO. Reincidente formal ou seja no sentido teológico, é aquele habitudinário que, já tendo confessado várias vezes o mesmo pecado, volta sempre a cair do mesmo modo. Três coisas, portanto, são requeridas para que alguém verdadeiramente possa ser considerado reincidente:
a) Que tenha contraído o hábito mau de pecar. Absolutamente falando, não é necessário que o reincidente seja consuetudinário: se alguém, pois, por quatro vezes por ano se confessa e cada vez se acusa de ter cometido uma vez um pecado solitário contra a pureza, é considerado reincidente, mas não consuetudinário: pois, quatro quedas por ano no são suficientes para se contrair um hábito; de fato, porém, o reincidente dificilmente não será sempre ao mesmo tempo consuetudinário.
b) Que tenha confessado o mesmo pecado já várias vezes (por 3 ou 4 vezes). Portanto o penitente, que nas primeiras duas ou três vezes confessa o mesmo pecado, estritamente falando não é reincidente, e neste caso deve ser tratado como simples pecador se ainda não contraiu o mau hábito, ou como simples consuetudinário se já contraiu o hábito de pecar, e, por isso, não hã razão peculiar de duvidar da disposição daqueles que dizem ter um sério arrependimento.
c) Que, não tendo feito nenhum esforço para se emendar, tenha recaído nos mesmos pecados. Aquele, portanto, que empregou por algum tempo, os meios prescritos pelo confessor e lutou fortemente contra as tentações, embora depois tenha caído novamente, não é considerado propriamente reincidente.
396. Norma para a absolvição.
1. O reincidente, que prudentemente é julgado disposto, absolutamente falando pode sempre ser absolvido: pois, quem verdadeiramente pode ser julgado bem disposto, pode ser absolvido, embora seja reincidente; pois, para a válida e lícita absolvição não se requer outra coisa senão que no ato [no momento da confissão] esteja disposto; para uma verdadeira disposição, porém, não se requer uma futura emenda, nem a impede a previsão de futura queda. [Isto explica-se assim: o penitente habitudinário, embora esteja arrependido, dado o hábito que ainda não conseguiu extirpar, prevê que ainda vai cair, mesmo estando disposto a empregar todos os meios para não pecar].
2. Com relação, porém, aos reincidentes, há dificuldade em formar um juízo sobre sua disposição: pois, das frequentes quedas nos mesmos pecados graves, gera-se a suspeita de algum grave apego, de um fraco horror ao pecado e da falta de uma vontade séria de se emendar. Esta suspeita [com fundamento] torna duvidosa a sua boa disposição, mesmo que tais pecadores afirmem ter dor dos seus pecados; e, portanto [esta suspeita] impede que prudentemente possam ser julgados dispostos, a não ser que apareça alguma razão especial pela qual a dúvida seja suficientemente removida.
a) Deve-se entregar à prudência e discrição do confessor, o qual é assistido pelo auxílio da graça, para que forme um juízo sobre a disposição do penitente; e para efetuar este juízo, é ajudado primeiramente pela própria experiência e depois também a atenção aos sinais particulares [a própria confissão espontânea, a afirmação do penitente, o modo simples e humilde com que faz a confissão, as circunstâncias do penitente (empregou algum cuidado para não pecar, promete de boa vontade empregar os meios indicados para não pecar; se aproxima da confissão levado por algum outro motivo como p. ex. um sermão que ouviu, a morte de um amigo, temor de morrer porque grassa alguma peste contagiosa, se confessa pecados culpavelmente antes omitidos; se cumpriu uma difícil obrigação como p .ex, uma
restituição; se para conseguir um confessor precisou sofrer um incômodo como p, ex. uma longa viajem ( cf. S. Afonso, n. 460).
b) Para que se possa formar mais facilmente um juízo sobre a disposição do reincidente, devemos notar que muitos são reincidentes [impropriamente ditos] POR FRAGILIDADE: são aqueles que muitas vezes caem nos mesmos pecados, pecados estes que, no entanto, habitualmente aborrecem de tal modo que, logo após a queda, detestam estes pecados e propõem emenda, e também resistem de certo modo por algum tempo, mas depois, ora por causa da fraqueza da vontade, ora pela veemência da tentação, novamente caem. Não se deve, portanto, duvidar da sua disposição. Agora, aqui tratamos dos reincidentes propriamente ditos, que são aqueles chamados REINCIDENTES POR MÁ VONTADE, ou seja, aqueles que aderem por um mau afeto ao objeto do pecado, e justamente por causa deste mau afeto, caem muitas vezes nos mesmos pecados; mas, não obstante, quer por costume, quer pelo respeito humano às vezes se aproximam dos sacramentos, nem apresentam verdadeira e sincera vontade de emenda.
Devemos dizer que a disposição destes tais não são duvidosas, mas antes são NULAS. Ora, o bom confessor não os despede simplesmente sem dar a absolvição, mas se esforça com salutares conselhos e exortações, por dispor tais penitentes a terem uma emenda de vida. E, se então o confessor vir sinais de verdadeira mudança de
vontade, neste caso pode absolver também a estes.
397. Sobre se deve ou não diferir a absolvição ao reincidente.
a) Se o reincidente não obstante bem disposto cair novamente por fragilidade interna, como no pecado solitário de impureza, de deleitação morosa, de ódio, de blasfêmia etc., ordinariamente se deve esperar um fruto maior pela graça do sacramento do que pela dilação da absolvição. Às vezes, no entanto, parecerá ser preferível ao prudente confessor, dilatar a absolvição também a estes tipos de pecadores, principalmente se os remédios foram empregados negligentemente.
b) Se o reincidente apesar de bem disposto recair na ocasião externa ou porque não cumpriu a obrigação (p. ex. de desfazer a calúnia, de se reconciliar), ordinariamente é conveniente diferir a absolvição, até que seja eliminada a ocasião ou cumprida a obrigação: pois, quem muitas vezes já quebrou a promessa, sua vontade, embora boa, deve ser robustecida por este remédio da dilação da absolvição. A dilação da absolvição acompanhada de uma apta admoestação principalmente para os penitentes jovens de índole volúvel embora anteriormente piedosa e religiosamente educados, que, ou não cumprem a obrigação, ou não abandonam o mau hábito, a dilação da absolvição, digo, é um ótimo meio para incutir uma maior detestação do pecado e para robustecer sua vontade débil.
c) Se o reincidente está dubiamente disposto e não urge a necessidade de o absolver sob condição, absolutamente falando, a absolvição deve ser diferida para que, assim, possa constar por experiência, qual seja a vontade do penitente. Como porém, nos tempos atuais, principalmente nas cidades e lugares onde a fé enlanguesce, e as obrigações espirituais são negligenciadas, a negação ou dilação da absolvição por vezes pouco adianta, e até, antes pelo contrário, [tais penitentes] se sentem ofendidos e ficam revoltados e assim mais ainda os endurece; ordinariamente age melhor o confessor que se esforça para dispor tais penitentes a terem dor e bom propósito, e prescreve-lhes meios particulares de emenda e depois os absolve.
Nota. Para que não seja erradamente entendida e aplicada a teoria de Santo Afonso sobre os sinais extraordinários de disposição, deve-se notar:
1) Nos ocasionários e reincidentes não se requer uma dor extraordinária ou maior e um propósito mais firme: pois, desde que haja uma disposição suficiente, seguramente, podem ser absolvidos.
2) O ocasionário e reincidente sempre pode ser absolvido, desde que ele possa ser julgado prudentemente pelo confessor como verdadeiramente disposto, qualquer que seja o sinal no qual se funde tal juízo; quer ordinário, quer extraordinário, quer o penitente apresente-o na confissão, quer o mostre finalmente levado pela admoestação do confessor.
3) Por isso agiria imprudentemente o confessor, que simplesmente julgasse indisposto o penitente ocasionário e reincidente, por não ter descoberto nele senão um ou outro dos sinais extraordinários; e agiria mais imprudentemente ainda aquele confessor que a um tal penitente reincidente absolutamente diferisse a absolvição, sem que empregasse o cuidado e se esforçasse com salutares admoestações para levá-lo a ter a dor e o propósito necessários.
Um caso. Os reincidentes em embriaguez e como tais conhecidos publicamente, que quase toda semana ou muitas vezes ainda se embriagam, não devem ser inteiramente repelidos dos sacramentos, mas ordinariamente, nem imediatamente devem ser admitidos a eles. Não devem ser terminantemente excluídos dos sacramentos, porque não se deve desesperar da emenda de ninguém; mas também não devem ser imediatamente admitidos aos sacramentos, principalmente porque não se deve absolver aquele que, depois de breve tempo se prevê que vai violar o seu propósito (a não ser que urge a necessidade): pois se deveria temer o escândalo, caso caísse novamente logo após ter recebido os sacramentos; ademais, porque antes ele deve reparar o escândalo público. Assim, se deve diferir a absolvição até que, um tanto pelo menos se tenha emendado. E mesmo também no caso em que, por um sinal extraordinário de arrependimento, fosse imediatamente absolvido, é mister não admiti-lo imediatamente à santa Comunhão, quer para que, neste ínterim, possa reparar o escândalo público, quer para evitar talvez um novo escândalo caso venha recair. (Noldin, Summa Theologiae Moralis, V. III, L. 5, De Poenitentia, q. 3ª, a. n. 395-397).