Por Hermes Rodrigues Nery
Os bispos venezuelanos, pressionados pelo peso da realidade, é que pressionaram o papa Francisco a não ficar omisso diante da gravíssima crise da Venezuela, com o risco de comprometer toda a credibilidade internacional da diplomacia vaticana. Foi a pressão dos bispos que fez a Secretaria de Estado rechaçar a Constituinte de Maduro.
FratresInUnum.com – 17 de agosto de 2017: Foram os bispos venezuelanos que fizeram pressão para que o Vaticano rechaçasse a Constituinte de Nicolás Maduro. A situação da Venezuela se agravara de tal forma, que não havia mais como protelar o silêncio, a omissão, ou mesmo a ambiguidade de posição a respeito dos abusos de um regime político a devastar um país, com a maioria da população vulnerável à pobreza, ao despotismo e à violência.
Os fatos concretos mostravam o peso da realidade, que não era mais possível ignorar: o equívoco do projeto político da “Pátria Grande”, cuja integração latino-americana (visando a implantação do socialismo) dava evidências de falimento. Nesse contexto, a Venezuela passou a tornar-se um problema sério demais para o primeiro papa latino-americano, que recebera efusivamente os líderes dos movimentos populares de esquerda no Vaticano, como João Pedro Stédile, Evo Morales, e também o próprio Nicolás Maduro, dentre outros.
Phil Lawler destacou no Catholic Culture que “os bispos venezuelanos foram firmes e consistentes em sua oposição à campanha de Maduro para consolidar seu poder. (…) Do Vaticano, no entanto, houve silêncio. E Maduro, um demagogo hábil, não hesitou em chamar a atenção para esse silêncio, alegando que, enquanto os bispos venezuelanos se opõem a ele, o Papa não. Até apenas esta semana, não houve uma declaração clara do Vaticano para provar o erro de Maduro”. William McGurn destacou no Wall Street Journal que “o papa Francisco tem sido severo em seu julgamento sobre o tipo de ‘populismo’ praticado por Donald Trump, mas parece odiar denunciar o ‘populismo’ de uma esquerda latino-americana”.
Diante do cenário cada vez mais tenso na Venezuela, os analistas internacionais passaram a observar a postura do papa Francisco em relação aos desdobramentos da crise, pois muitos se recordavam do que ele dissera, com ênfase, ao Pe. Antonio Spadaro, na histórica entrevista da revista La Civiltà Cattolica: “nunca fui de direita”.
Ao falar sobre como os próprios líderes mundiais de esquerda avaliam Nicolás Maduro, Jacopo Barizaggazi mencionou Jorge Mario Bergoglio, afirmando: “O papa nascido na Argentina tem sido um forte apoio aos chamados líderes progressistas na América Latina, como Evo Morales, da Bolívia, e seus críticos o acusam de ambiguidade em relação ao governo na Venezuela. O Vaticano tentou mediar entre Maduro e a oposição, mas, em uma coletiva de imprensa, em abril, o papa parecia culpar a oposição pela falta de progresso, dizendo: ‘Parte da oposição não quer isso’. O analista do Vaticano, Sandro Magister, escreveu, em maio, que o papa foi “imperdoavelmente imprudente com Maduro e o chavismo”, além de ser “incompreensivelmente reticente às vítimas da repressão e à agressão que atinge a própria Igreja”.
O que o papa latino-americano poderia fazer caso a situação chegasse a um ponto em que não seria mais possível qualquer neutralidade, nem mesmo tibieza, especialmente quando os fatos comprovassem o horror de um regime político, com premissas e aspectos contrários à doutrina moral e social católica? Outros envolvimentos de Bergoglio no complexo contexto latino-americano geraram controvérsias, como o restabelecimento diplomático dos Estados Unidos e Cuba (Obama/Raul Castro, visando o fim do embargo a Cuba) e o polêmico “acordo de paz” entre o governo da Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
A sua aposta política, em alguns casos, deixava brechas para os líderes de esquerda instrumentalizarem certos pronunciamentos e iniciativas de Bergoglio (que chocavam os católicos) para favorecer seus intentos políticos, como também, em certos aspectos, a agenda das fundações internacionais e das agências da ONU. Não apenas as declarações polêmicas e ambíguas, mas também as atitudes que alargavam tais brechas. Afinal, os católicos ficavam cada vez mais confusos e angustiados quando viam, por exemplo, as portas abertas do Vaticano para receber, com efusão, Gustavo Gutierrez, Jeffrey Sachs e Paul Ehrlich, enquanto Michel Schooyans e Christine Wolmer deixavam de ser vitalícios na Pontifícia Academia para a Vida, para dar lugar a outros, inclusive abortistas, como Nigel Biggar.
Com a Venezuela, o “papa político” fez mais uma vez uma aposta arriscada, ao receber Maduro no Vaticano (quando a crise já indicava abusos inaceitáveis) e a colocar o cardeal Pietro Parolin à frente de negociações em que, desde o início, os bispos venezuelanos sabiam que com Maduro não havia o que dialogar, pois o que ele queria mesmo era radicalizar o chavismo, com o qual estava comprometido. Não apenas Maduro, mas outras lideranças de esquerda esperavam que não viesse de Bergoglio uma condenação política explícita e contundente, a curto prazo, pois ele, “defendeu várias vezes um estado forte que forneça os bens de ‘casa, terra e trabalho’ para a população”, como destacou George Neumayr.
No entanto, nos últimos meses, o que os bispos desejavam era uma palavra mais firme do Vaticano justamente contra o bolivarianismo, que Maduro não estava disposto em ceder. Era evidente que o impasse chegaria, quando as consequências do regime fizessem vítimas fatais, como já vinha acontecendo. O fato é que a situação na Venezuela passou a exigir mais do que uma tomada de posição, mas ações a requererem coragem e coerência. Por isso, os bispos venezuelanos buscaram a audiência com o papa, a fórceps, o que ocorreu em 8 de junho de 2017, como conta McGurn: “… uma reunião de seis bispos que foram obrigados ao horário de Francisco, quando eles voaram para Roma em junho – sem serem convidados.”
Os prelados levaram a Francisco a posição da realidade, como salientou o Pe. Raymond J. de Souza, no Crux: “Não há mais nenhuma dúvida. Maduro preside um regime desonesto que está matando seu próprio povo em defesa de uma ideologia socialista desacreditada. Por que o papa Francisco procuraria permanecer neutro entre esse regime e as massas sofredoras?” E então, os bispos apresentaram concretamente a lista dos mortos do regime de Maduro (muitos jovens), e disseram que não há como ser ambíguo nessa questão, pois do contrário a Igreja perderia credibilidade. A pressão dos bispos venezuelanos, portanto, foi decisiva para a Secretaria de Estado do Vaticano ter rechaçado a Constituinte de Maduro.