Comentário ao Evangelho do 1º Domingo do Advento no Missa Romano Tradicional.
S. Lucas XXI, 25-33
25. Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra, consternação dos povos pela confusão do bramido do mar e das ondas, 26. mirrando-se os homens de susto, na expectação do que virá sobre todo o mundo, porque as virtudes dos céus se abalarão. 27. Então verão o Filho do homem vir sobre uma nuvem com grande poder e majestade. 28. Quando começarem, pois, a suceder estas coisas, erguei-vos e levantai as vossas cabeças, porque está próxima a vossa libertação. 29. Acrescentou esta comparação: Vede a figueira e todas as árvores. 30. Quando começam a desabrochar, conheceis que está perto o estio. 31. Assim, também, quando virdes que acontecem estas coisas, sabei que
está próximo o reino de Deus. 32. Em verdade vos digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas se cumpram. 33. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.
Hoje é o primeiro domingo do Advento, tempo de preparação para a comemoração do Santo Natal, data esta, como diz São Paulo escrevendo a Tito III, 4, “em que se manifestou a bondade de Deus nosso Salvador e o seu amor pelos homens, não pelas obras de justiça que tivéssemos feito, mas por sua misericórdia”.

Assim, à primeira vista, talvez tenhamos dificuldade em compreender porque no início do Advento, a Santa Madre Igreja, nos leva a meditar sobre a segunda vinda de Jesus, que será com grande poder e majestade e para julgar os vivos e os mortos. Na preparação de um mistério de bondade e amor a Igreja quer que meditemos num mistério da Justiça divina no Juízo Universal incutindo-nos temor, e, como diz Jesus no vers. 26: “Mirrando-se os homens de susto”.
A Santa Madre Igreja assim fazendo, age com sabedoria porque a Sagrada Escritura afirma que: “O temor do Senhor é o início da sabedoria” (Prov.. I, 7) e no Eclesiástico I, 27 diz: “O temor do Senhor expulsa o pecado; quem não tem este temor não poderá ser justo”. Ora, caríssimos, a melhor preparação para celebrarmos o Santo Natal, é evitar o pecado, convertermo-nos e começarmos uma vida nova sempre na graça de Deus.
A Santa Igreja, aliás, não só inicia, mas, como vimos no domingo passado, o último do ano litúrgico, também falou-nos do fim do mundo e do Juízo Final. Ela quer que passemos santamente o ano e assim nos leva a meditar sobre os novíssimos, porque segue, outrossim, o conselho do próprio Divino Espírito Santo nas Sagradas Escrituras: “Em todas as tuas obras lembra-te dos teus novíssimos e nunca jamais pecarás” (Eclesiástico VII, 40).
Caríssimos, vamos resumir o que escrever sobre o Juízo Universal, o grande Doutor da Igreja, Santo Afonso M. de Ligório: O Redentor destinou o dia do Juízo Universal (chamado com razão, na Escritura, o dia do Senhor), no qual Jesus Cristo se fará reconhecer por todos como universal e soberano Senhor de todas as coisas (Sl 9, 17). Esse dia não se chama dia de misericórdia e perdão, mas “dia da ira, da tribulação e da angústia, dia de miséria e calamidade” (Sofonias I, 15). Nele o Senhor se ressarcirá justamente da honra e da glória que os pecadores quiseram arrebatar-Lhe neste mundo.
Vejamos como há de suceder o juízo nesse grande dia. A vinda do divino Juiz será precedida de maravilhoso fogo do céu (Salmo 96, 3), que abrasará a terra e tudo quanto nela exista (2 S. Pedro III, 10). Palácios, templos, cidades, povos e reinos, tudo se reduzirá a um montão de cinzas. É mister purificar pelo fogo esta grande casa, contaminada de pecados. Tal é o fim que terão todas as riquezas, pompas e delícias da terra. Mortos os homens, soará a trombeta e todos ressuscitarão (1 Cor. XV, 52). Dizia S. Jerônimo: “Quando considero o dia do juízo, estremeço. Parece-me ouvir a terrível trombeta que chama: Levantai-vos, mortos, e vinde ao juízo”.
Ao clamor pavoroso dessa voz descerão do céu as almas gloriosas dos bem-aventurados para se unirem a seus corpos, com que serviram a Deus neste mundo. As almas infelizes dos condenados sairão do inferno e se unirão a seus corpos malditos, que foram instrumentos para ofender a Deus.
Que diferença haverá então entre os corpos dos justos e dos condenados! Os justos parecerão formosos, cândidos, mais resplandecentes que o sol (S. Mateus XIII, 43). Feliz aquele que nesta vida soube mortificar sua carne, recusando-lhe os prazeres proibidos, ou que, para melhor refreá-la, como fizeram os Santos, a macerou e lhe negou também os gozos permitidos dos sentidos!… Pelo contrário, os corpos dos réprobos serão disformes, e hediondos. Que suplício então para o condenado ter de unir-se a seu corpo! … “Corpo maldito – dirá a alma – foi para te contentar que me perdi!” Responder-lhe-á o corpo: “E tu, alma maldita, tu que estavas dotada da razão, por que me concedeste aqueles deleites, que, por toda a eternidade, fizeram a tua e a minha desgraça?”
Assim que os mortos ressuscitarem, farão os anjos que se reúnam todos no vale de Josafá para serem julgados (Joel III, 14) e separarão ali os justos dos réprobos (S. Mat. XIII, 49). Os justos ficarão à direita; os condenados, à esquerda… Que confusão experimentarão os ímpios, quando, apartados dos justos, se sentirem abandonados! Disse S. João Crisóstomo que, se os condenados não tivessem de sofrer outras penas, essa confusão bastaria para dar-lhes os tormentos do inferno.
Caríssimo irmão, abandona o caminho que conduz à esquerda. Os eleitos serão colocados à direita, e para maior glória – segundo afirma o Apóstolo – serão elevados aos ares, acima das nuvens, e esperarão com os anjos a Jesus Cristo, que deve descer do céu (1 Tess IV, 17). Os réprobos, à esquerda, como reses destinadas ao matadouro, aguardarão o Supremo Juiz, que há de tornar pública a condenação de todos os seus inimigos.
Abrem-se, enfim, os céus e aparecem os anjos para assistir ao juízo, trazendo os sinais da Paixão de Cristo, disse Santo Tomás. Singularmente resplandecerá a santa Cruz. “E então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu; e todos os povos da terra chorarão” (S. Mat.
XXIV, 30). Os Apóstolos serão assessores e com Jesus Cristo julgarão os povos. Aparecerá, enfim, o Eterno Juiz em luminoso trono de majestade: “E verão o Filho do Homem, que virá nas nuvens do céu, com grande poder e majestade. À sua presença chorarão os povos” (S. Mat. XXIV, 30). A presença de Cristo trará aos eleitos inefável consolo, e aos réprobos aflições maiores que as do próprio inferno, disse S. Jerônimo. Cumprir-se-á, então, a profecia de S. João: “Os condenados pedirão às montanhas que caiam sobre eles e os ocultem à vista do Juiz irritado” (Apoc. VI, 16).
Começará o julgamento, abrindo-se os autos do processo, isto é, as consciências de todos (Dan. VII, 10). A própria consciência dos homens os acusará depois (Rom. II, 15). A seguir, darão testemunho clamando vingança, os lugares em que os pecadores ofenderam a Deus (Hab. II, 11). Virá enfim, o testemunho do próprio Juiz que esteve presente a quantas ofensas lhe fizeram (Jer. XXIX, 23). Disse S. Paulo que naquele momento o Senhor “porá às claras o que se acha escondido nas trevas” (1 Cor. IV, 5). Os pecados dos eleitos, no sentir do Mestre das Sentenças e de outros teólogos, não serão manifestados, mas ficarão encobertos, segundo estas palavras de Davi: “Bem- aventurados aqueles, cujas iniquidades foram perdoadas, e cujos pecados são apagados” (Salmo 31, 1). Pelo contrário – disse S. Basílio – as culpas dos réprobos serão vistas por todos, ao primeiro relancear d’olhos, como se estivessem representadas num quadro. Exclama S. Tomás: “Se no horto de Getsêmani, ao dizer Jesus: Sou eu, caíram por terra todos os soldados que vinham para o prender, que sucederá quando, sentado no seu trono de Juiz, disser aos condenados: “Aqui estou, sou aquele a quem tanto haveis desprezado!”.
Chegada a hora da sentença, Jesus Cristo dirá aos eleitos estas palavras, cheias de doçura: “Vinde, benditos de meu Pai, e possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo” (S. Mat. XXV, 34). Que consolação não sentirão aqueles que ouvirem estas palavras do soberano Juiz: “Vinde, filhos benditos, vinde a meu reino. Já não há mais a sofrer, nem a temer. Comigo estais e permanecereis eternamente.
Abençôo as lágrimas que sobre os vossos pecados derramastes. Entrai na glória, onde juntos permaneceremos por toda a eternidade”. A virgem Santíssima abençoará também os seus devotos e os convidará a entrar com ela no céu. E assim, os justos, entoando gozosos Aleluias, entrarão na glória celestial, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.
Os réprobos, ao contrário, dirão a Jesus Cristo: “E nós, desgraçados, que será feito de nós?” E o Juiz Eterno dir-lhes-á: Já que desprezastes e recusastes minha graça , apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno (S. Mat. XXV, 34). Apartai-vos de mim, que nunca mais vos quero ver nem ouvir. Ide, ide, malditos, que desprezastes minha bênção…” Mas para onde, Senhor, irão estes desgraçados?… Ao fogo do inferno, para arder ali em corpo e alma…” E por quantos séculos?… Por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus. Depois desta sentença, abrir-se-á na terra um imenso abismo e nele cairão conjuntamente demônios e réprobos. Verão como atrás deles se fechará aquela porta que nunca mais se há de abrir… Nunca mais durante toda a eternidade!… Ó maldito pecado!… A que triste fim levarás um dia tantas pobres almas!… Ai! das almas infelizes às quais aguarda tão deplorável fim.
Vejamos, agora, o que escreveu Santo Tomás de Aquino: SUM. THEOL., 3ª Parte, q. 59, a. 5.
Se além do juízo proferido no tempo presente, haverá um outro Juízo Universal. Este quinto artigo discute-se assim: Parece que além do juízo particular proferido no tempo presente, não haverá nenhum outro juízo universal.
OBJEÇÕES:
1 – Pois, é inútil acrescentar qualquer juízo, depois da retribuição dos prêmios. Ora, no tempo presente é que se faz a retribuição dos prêmios e das penas: disse, pois, o Senhor ao ladrão na cruz como se lê em Lucas XVI, 22: Hoje estarás comigo no paraíso, diz-se em outro lugar do Evangelho que morreu o rico e foi sepultado no inferno (Lucas XII, 22). Logo, é vão esperar o Juízo Final.
2 – Demais: Em Naum I, 9 diz-se, segundo outra tradução (dos Setenta): “Deus não julgará duas vezes a mesma coisa” [segundo a Vulgata: a tribulação não virá duas vezes]. Ora, no tempo presente o juízo de Deus se exerce na ordem temporal e na espiritual. Logo, parece que não devemos esperar nenhum juízo final.
3 – Demais: O prêmio e a pena correspondem ao mérito e ao demérito. Mas o mérito e o demérito não recaem sobre o corpo senão enquanto instrumento da alma. Logo, nem o prêmio ou a pena são devidos aos corpos senão por causa da alma. Portanto, não há necessidade de nenhum juízo final para ser o homem premiado ou punido no seu corpo, além daquele pelo qual são punidas ou premiadas as almas.
SED CONTRA:
Mas, EM CONTRÁRIO, diz o Evangelho em João XII, 48: ” A palavra que eu vos tenho falado, esta o julgará no último dia”. Logo, haverá um juízo no último dia além do juízo exercido no presente tempo [logo após a morte].
RESPONDO dando a SOLUÇÃO: Deve-se dizer que o juízo de uma coisa mutável não se pode dar perfeitamente senão depois de sua consumação: assim nenhum juízo perfeito sobre a qualidade de uma ação pode ser proferido, antes de consumada em si e nos seus efeitos. Pois, muitas ações, que parecem úteis, demonstram-se nocivas pelos seus efeitos.
Semelhantemente, nenhum juízo perfeito pode ser proferido de um homem, enquanto não se lhe terminar a vida; porque pode de muitos modos mudar do bem para o mal ou vice-versa, ou do bem para o melhor, ou do mal para o pior. Donde o dizer o Apóstolo em Hebreus IX, 27: “Está decretado aos homens que morram uma só vez e que depois disto se siga o juízo”.
Devemos, porém, saber que, embora a morte termine a vida de um homem em si mesma, contudo permanece, de certo modo, dependente do futuro.
– Primeiro, por viver ainda na memória dos outros, que às vezes deles guardam uma fama boa ou má, que não corresponde à verdade.
– Segundo, por perdurar nos filhos, que são como parte do pai, segundo aquilo da Escritura em Eclesiástico XXX, 14: “Morre o pai dele e foi como se não morresse, porque deixou depois de si um seu semelhante”. E contudo muitos que foram bons deixaram maus filhos e inversamente.
– Terceiro, quanto ao efeito das suas obras; assim, os sofismas de Ario e de outros sedutores gerarão a infidelidade até ao fim do mundo, bem como até o fim progredirá a fé nascida da pregação dos Apóstolos.
– Quarto, quanto ao corpo que, umas vezes é dado honras e, outras, é deixado insepulto; e contudo vem ao cabo a resolver-se de todo em cinzas.
– Quinto, quanto às coisas em que o homem fixou o seu afeto, p. ex. em certos bens temporais, dos quais uns acabam mais depressa e outros duram mais diuturnamente.
Ora, todas essas coisas estão sujeitas à estimativa do juízo divino. Por onde, não podem elas todas ser perfeita e manifestamente julgadas, enquanto dura o curso desta vida. Donde a necessidade de um juízo final, no dia derradeiro, quando o que concerne a cada homem em particular, perfeitamente e de qualquer modo, será perfeita e manifestamente julgado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. [É bom reler cada objeção antes de ler sua resposta]. Certos homens foram de opinião que nem as almas dos santos serão premiadas no céu, nem as dos condenados punidas no inferno, até o dia do Juízo (final). O que é manifestamente falso, pelo dito do Apóstolo em 2 Cor. V, 8: “Cheios de confiança, temos mais vontade de nos ausentarmos do corpo e estar presentes ao Senhor”; o que é já não andar por fé, mas por visão, como resulta da seqüência do texto. Ora, isso é ver a Deus em essência, no que consiste a vida eterna, conforme está claro no Evangelho de S. João XVIII, 3. Por onde é manifesto que as almas separadas do corpo vivem na vida eterna. Donde se conclui que depois da morte, no que toca à alma, o homem está posto num estado imutável. E assim, para prêmio da alma não é necessário seja o juízo diferido para depois. Mas, como há outras coisas que dizem respeito ao homem e se desenrolam em todo o decurso do tempo e que não estão isentas ao juízo divino, é necessário que de
novo, ao fim dos tempos, sejam trazidas a juízo. Embora, pois, por elas o homem não mereça nem desmereça, contudo lhe redundam de certo modo em prêmio ou em pena. E por isso é necessário seja tudo ponderado no juízo final.
RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO: [por gentileza, leia a objeção acima]. Deus não julgará duas vezes a mesma causa, i. é, sob a mesma luz. Mas, à luzes diversas, nenhum inconveniente há em julgar Ele duas vezes.
RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO: [por gentileza, leia a objeção acima]. Embora o prêmio ou a pena do corpo dependa do prêmio ou da pena da alma, contudo, não sendo a alma mutável, em virtude do corpo, senão por acidente, desde que estiver separada dele ficará num estado imutável e receberá então a sua sentença. Ao contrário, o corpo permanecerá mutável até ao fim dos tempos. Logo e necessariamente, no juízo final é que há de receber o prêmio ou a pena.
Caríssimos, gostaria de acrescentar algo que Santo Tomás de Aquino diz sobre os Anjos no Juízo Universal: O Doutor Angélico lembra primeiramente que a sorte eterna dos anjos, tanto dos bons como dos maus, já está decidida; possuem o prêmio ou a pena que corresponde à sua fidelidade ou infidelidade a Deus. Todavia, acrescenta que no último juízo será considerado o que de bem ou de mal tiverem praticado em suas relações com os homens no decurso da História; isto lhes valerá consequentemente um aumento acidental de glória ou de pena. (Cf. Summa Theologica, Supl. q. 89, a. 8).
Creio que, por analogia, e mudando o que deve ser mudado, podemos aplicar este raciocínio do Santo Doutor também aos homens no que tange às consequências de suas obras (tanto dos bons como dos maus) depois da morte até o fim do mundo. Em outras palavras: pelo Juízo Particular logo após a alma sair do corpo já estão fixadas a salvação dos bons, e a condenação dos maus; mas, no Juízo Final, os bons receberão o prêmio pelas boas consequências de suas boas obras depois da morte e os maus o castigo pelas consequências de suas más obras pós túmulo até o fim do mundo. Aliás é o que, em outras palavras, ensina o Doutor Angélico na resposta à primeira objeção.
Meu Deus e meu Salvador! Já que declarastes pela boca do vosso Profeta: “Convertei-vos a mim, e eu me voltarei a vós” (Zac. I, 3), tudo abandono, renuncio a todos os gozos e bens do mundo, e converto-me, abraçando a Vós, meu amantíssimo Redentor. Recebei-me no vosso Coração e inflamai-me no vosso santo amor, de modo que jamais cogite em separar-me de Vós… Maria Santíssima, minha esperança, meu refúgio e minha mãe, ajudai-me e alcançai-me a santa perseverança. Amém!