Por Cardeal Carlo Caffarra | Tradução: Marcos Fleurer – FratresInUnum.com: A alternativa a uma Igreja sem doutrina não é uma Igreja pastoral, mas uma Igreja arbitrária e escrava do espírito do tempo: “praxis sine theoria coecus in via” [a práxis sem teoria é cega no caminho], disseram os medievais. Esta armadilha é séria, e se não superada, causa graves danos à Igreja.
Pelo menos por dois motivos. A primeira é que, uma vez que a “Doutrina Sagrada” não é mais do que a Revelação do projeto divino sobre o homem, se a missão da Igreja não está enraizada nela, o que a Igreja diz ao homem? A segunda razão é que quando a Igreja não se cuida contra esta armadilha, corre o risco de respirar o dogma central do relativismo: no que diz respeito ao que devemos a Deus e ao cuidado que devemos ao homem, é indiferente o que penso de Deus e do homem. A “quaestio de veritate” torna-se uma questão secundária.
A segunda armadilha é esquecer que a chave interpretativa da realidade como um todo e, em particular, da história humana não está dentro da própria história. Mas sim na fé. São Máximo, o Confessor, considera que o verdadeiro discípulo de Jesus pensa tudo por meio de Jesus Cristo e de Jesus Cristo através de cada coisa. Eu dou um exemplo muito atual. O enobrecimento da homossexualidade que testemunhamos no Ocidente não se interpreta e se julga tomando como critério a corrente principal de nossas sociedades; o bem o valor moral devido a cada pessoa, que é “metabasis eis allo genos”, ou seja, passagem para um outro gênero, dizem os lógicos. O critério é a “Doutrina Sagrada” em relação à sexualidade, casamento, dimorfismo sexual. A leitura dos sinais dos tempos é um ato teologal e teológico.
A terceira armadilha é o primado da práxis. Refiro-me ao primado fundamental. O fundamento da salvação do homem é a fé do homem, não a ação dele. O que deve preocupar a Igreja não é “in primis” a cooperação com o mundo em grandes processos operacionais, para alcançar objetivos comuns. A preocupação que a Igreja desvela é que o mundo creia Naquele que o Pai enviou para salvá-lo. O primado da práxis leva ao que um grande pensador do século passado chamou de a deslocação das Pessoas Divinas: a segunda Pessoa não é a Palavra, mas o Espírito Santo.
A quarta armadilha, intimamente ligada à anterior, é a redução da proposta cristã à exortação moral. É a armadilha pelagiana, que Santo Agostinho chamou de veneno horrível do cristianismo. Essa redução tem o efeito de tornar a proposta cristã muito chata e muito repetitiva. Deus é o único que em suas ações é sempre imprevisível. E, na verdade, no centro do cristianismo não está o atuar do homem, mas a ação de Deus.
A quinta armadilha é o silêncio em relação ao julgamento de Deus, através da pregação da misericórdia divina feita de tal maneira que corre-se o risco de desaparecer da consciência do homem que escuta a verdade de que Deus o julga.