Entrevista releva verdadeiro caos na mente do reitor do Santuário Nacional de Aparecida.
‘Se fosse por convicção política, não faria’, diz reitor do Santuário após pedido de desculpa em ‘caso Lula’
Reitor do Santuário Nacional de Aparecida, padre João Batista de Almeida explica por que pediu desculpas após críticas à missa com participação de romaria pró-Lula
Por Xandu Alves, O Vale, 24 de maio de 2018: Após a tempestade de críticas nas redes sociais à missa com participação de romaria do PT, no último domingo, o reitor do Santuário Nacional de Aparecida, padre João Batista de Almeida, recuou e pediu desculpas aos devotos.
A polêmica começou com errônea atribuição ao reitor de frase dita por leitor da equipe do Santuário, que pede que Nossa Senhora abençoe o ex-presidente Lula, dizendo: “Que se faça a verdadeira justiça, e que ele possa estar entre nós”.
Para ele, mesmo que a missão do Santuário seja acolher independentemente do matiz político, o clima reinante no país o levou a pedir desculpas. “Existe uma situação de intolerância muito grande entre os vários grupos políticos, religiosos, e essa intolerância está chegando a quase ódio. E achamos por bem pedir perdão pelo constrangimento, pela dor que causamos.”
João Batista negou que tenha agido por interesse político. “Me sinto tranquilo. Não fiz por convicção política, senão estaria totalmente contrário àquilo. Fiz por uma missão evangelizadora. Tenho obrigação de receber todos os romeiros”.
Ele admite que a frase sobre Lula foi o estopim, mas não só. “Se não tivesse esse ponto, teria outro. O que está posto é essa insatisfação, intransigência, essa maneira de achar que o mundo é do jeito que eu olho somente”.
Segundo João Batista, por mais que estivesse em sua atribuição, o Santuário optou por recuar e desculpar-se.
“Trabalhamos num lugar que tem como princípio acolher para evangelizar. Fiz uma reflexão [na homilia] de que somos uma comunidade e precisamos nos unir apesar das diferenças. Parece que a palavra que foi dita e a nossa função não surtiu efeito”.
Questionado sobre se as desculpas não reforçam a intolerância, o reitor discordou. “Reconhecemos que, embora cumprimos a missão do Santuário, esse nosso gesto causou sofrimento, constrangimento e insatisfação”.
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O que causou o pedido de desculpas?
Existe no país uma situação de intolerância muito grande entre os vários grupos políticos, religiosos, e essa intolerância está chegando a quase ódio. E achamos por bem pedir perdão pelo constrangimento, pela dor que causamos.
Mas que dor vocês causaram? Foi a frase que pediu a liberdade do Lula na missa, dita por um leitor do Santuário?
Se não tivesse esse ponto, teria outro. O que está posto é essa insatisfação, intransigência, essa maneira de achar que o mundo é do jeito que eu olho somente. Estamos vivendo esse momento. Por isso é que a Igreja tem que levar esperança e precisamos fazer o caminho contrário. É o que nós temos feito. Em 2017, uma escola de samba homenageou Nossa Senhora e fomos levar a imagem. Também levamos a imagem a um templo budista. Promovemos oração pela paz com representantes de todas as religiões. Tivemos Congresso Mariológico com participaram de um sheik e de um pastor, que vieram dar palestra. Precisamos promover atos e situações que levem às pessoas ao congraçamento.
Infelizmente, não fomos nós que promovemos a romaria. Nós fomos procurados e os romeiros vieram rezar naquela intenção, e aí é que apareceu a situação de intolerância. Hoje não se não convive com o outro. Ele não pensa como eu penso. Entendemos o sentimento das pessoas e elas têm razão até. Diante da situação toda do país, os governantes estão como os culpados dessa situação. Entendemos todo mundo. Não conseguimos interferir no sentimento da pessoa. Pedimos perdão pelo sentimento que você está tendo.
Nesse aspecto, o Santuário não teria sido vítima dessa intolerância?
Trabalhamos num lugar que tem como princípio acolher para evangelizar. Como evangelizar sem acolher? Na missa, fiz uma homilia de 22 minutos e no final da celebração pessoas que não são petistas vieram parabenizar pela homilia. Foi uma reflexão de que somos uma comunidade e precisamos nos unir apesar das diferenças que há entre nós. Parece que a palavra que foi dita e a nossa função não surtiu efeito nenhum. Nesse momento, as pessoas estão machucadas com os fatos e pode prejudicar em vez de ajudar.
Mas pedir perdão não reforça a divisão?
Entendemos que não. Pedimos perdão por termos causado sentimento ruim nas pessoas. Estamos reconhecendo que, embora tenhamos cumprido a missão do Santuário, não importa de onde elas vêm e o que vêm rezar, esse nosso gesto causou sofrimento, constrangimento e insatisfação em muitas pessoas. Há aqueles que concordam conosco, mas não se manifestam. Alguém tem que assumir a responsabilidade. E foi por isso que celebrei a missa. A responsabilidade é minha. Não poderia simplesmente colocar outro padre.
Ficou surpreso com a reação?
Já esperava a reação contrária. Na novena de 2016, tivemos a participação de grupo afro que entrou trazendo a imagem de Nossa Senhora e tivemos mais de 600 mil acessos e boa parte deles era criticando, achando que não deveria ser. Não foi a prece em si, mas o fato de o pessoal estar dentro da igreja. Quando acolhemos as congadas de São Benedito algumas pessoas se sentem muito mal. Fugimos da nossa rotina diária e isso causou esse constrangimento todo. É normal e a gente não pode tirar a razão das pessoas que estão sentindo isso. Não temos direito de falar quem está errado. Não podemos não cumprir a nossa missão.
Já estávamos esperando uma reação contrária. Quando anunciou a romaria e já se fez um movimento contrário. Os telefones do Santuário congestionaram com reclamações. Existe movimento para insuflar.
Acolher a romaria não foi evangélico?
Sim, mas é hora de acalmar os ânimos e dizer pela intolerância, mas não tivemos sucesso, e as pessoas não entenderam assim. Precisamos agora continuar a nossa missão com aqueles que acreditarem nela, e a maioria acredita. O Santuário sempre teve muita credibilidade diante dos peregrinos.
O Santuário poderia proibir se grupos neonazistas quisessem fazer uma romaria, por exemplo?
Não tivemos nenhum caso assim, de extremos. Toda romaria organizada que procura o Santuário a gente senta, conversa e estabelecemos normas e princípios, e é por isso que a situação não foi pior. Essa questão da prece foi uma concessão dentre tantas coisas que a romaria [do PT] pedia. Dissemos a eles que seria uma missa não só para a romaria, que já constava no calendário dominical, e que não iríamos dirigir unicamente a eles. E é o que falamos para todos que vêm aqui organizadamente. Numa situação de extremistas, tem que conversa e discutir. Estabelecer os limites da celebração. A impressão que eu tenho é que estava esperando acontecer e qualquer coisa serviria de motivo.
É uma pré-intolerância?
Ela já está posta e só precisa de uma chama. Existe uma crítica contra a CNBB, contra determinada ações contra da Igreja, como em Londrina no começo do ano [participantes de um encontro promovido pela Igreja levaram cartazes pró-Lula, causando muitas críticas], e está aí e não tem como. Há um grau de intolerância tão grande que precisa se destruir o outro. Isso acaba explodindo no coração das pessoas.
A romaria do PT teve alguma postura inadequada durante a missa?
Não percebi. Tínhamos combinado tudo isso antes. A equipe de organização segurou tudo isso. As pessoas queriam se manifestar e gritar. O que houve é próprio de romaria e as pessoas se manifestam, e isso acontece com todas as romarias grandes, com mais de 500 pessoas. Quando fala o nome é normal. Quando falei o nome e a saudação a elas, é normal [ter a reação], não poderia ignorá-las, de jeito nenhum. Boa parte das pessoas são de Igreja e de comunidade que frequentam missa, e por isso a coisa foi tranquila. E não vi nada de problema. Estávamos preparados para caso houvesse alguma coisa fora do padrão.
Qual o ensinamento que fica?
É muito cedo para tirar conclusões. Mas no momento, me sinto tranquilo diante daquilo que eu fiz. Não fiz por convicção política, senão estaria totalmente contrário àquilo. Fiz por uma missão evangelizadora, tenho obrigação de receber todos os romeiros que vêm, e fico triste porque muitas pessoas se sentiram indignadas, não posso tirar o sentimento delas e voltar e fazer a história diferente. Vamos ter que aguardar os acontecimentos. O Santuário tem metodologia de trabalho, os redentoristas há 126 anos trabalham aqui e existe um compromisso com a Igreja do Brasil, com a Igreja do mundo. Oferecemos para todos indistintamente. Todos serão acolhidos com alegria e o que vierem buscar, oferecemos.
Além das críticas nas redes sociais, houve algum outro reflexo contrário?
Não houve reflexos. Está mesmo com essa situação de insatisfação dos devotos. Eu espero que haja uma paz apesar de não poder desfazer o fato em si, mas pelo menos àqueles que têm espírito cristão que coloquem em prática o que Jesus pede: ame os seus inimigos e rezem por aqueles que vos perseguem. Amar e rezar.
O sr. foi muito criticado pela frase pedindo a liberdade de Lula, mas não foi o sr. quem a disse. Como fica essa situação?
Não adianta dizer que não foi o padre quem falou. Na verdade, não querem explicação e querem extravar o sentimento. Recebi uma ligação de uma senhora que me colocou lá embaixo. É o que ela queria dizer. Não quer saber o que aconteceu e esse é o problema, não há explicação para o fato, as pessoas não querem explicação.