Por que Roma marginaliza os greco-católicos ucranianos?

Por Padre Raymond de Souza, The Catholic Herald, 15 de junho de 2018 Tradução de Georges-François Sassine – FratresInUnum.com – As relações entre a maior das igrejas católicas orientais, a Igreja Greco-Católica Ucraniana e a Santa Sé tornaram-se desgastadas nos últimos anos, em vista à falta de apoio desta última à primeira em face da agressão russa contra a Ucrânia (em geral) e contra esta igreja sui iuris (em especial).

Newly elected Major Archbishop Sviatosla
Arcebispo-Maior, Dom Sviatoslav Shevchuk, em sua cerimônia de entronização na Catedral Patriarcal de Kiev. Eventos recentes mostram ressentimento crescente dentro da Igreja Greco-Católica Ucraniana.

Os católicos ucranianos acreditam que a Santa Sé julga ser mais importante manter boas relações com a Igreja Ortodoxa Russa, que é fortemente aliada do presidente russo Vladimir Putin. A conseqüência é que a Santa Sé não protesta como deveria contra a agressão de Putin na Ucrânia.

Dois eventos em Maio sugerem que essas relações desgastadas não serão reparadas tão brevemente.

Primeiro: havia o consistório para novos cardeais anunciados no domingo de Pentecostes. Liderando a lista de 11 novos cardeais eleitores, estava Louis Raphaël I Sako, patriarca da Babilônia e chefe da Igreja Caldeia, principal igreja católica oriental do Iraque. Tornar o patriarca um cardeal foi um ato amplamente visto como sinal de solidariedade aos já muito sofridos católicos iraquianos.

Em 2016, o Papa Francisco fez algo parecido com a Síria, embora nesta vez não tenha escolhido um oriental para o cardinalato, mas um bispo italiano que servia como núncio em Damasco.

No entanto, em cinco consistórios para a criação de novos cardeais, o Papa Francisco “passou”  por Dom Sviatoslav Shevchuk, chefe da igreja ucraniana e arcebispo-maior de Kiev. Os antecessores de Dom Shevchuk foram todos cardeais, que remontam ao tempo em que a Igreja Greco-Católica Ucraniana – quase liquidada por Stalin – era a maior igreja clandestina do mundo.

O Papa Francisco traça um novo rumo na seleção dos cardeais, mas mesmo diante da natureza idiossincrática de suas escolhas, é evidente que as igrejas sofredoras e os povos sofredores são favorecidos pelos cardeais. O fato de a Ucrânia ter sido negligenciada cinco vezes em cinco anos sugere que o sofrimento ucraniano ressoa menos em Roma do que as objeções dos ortodoxos russos, que consideram a própria existência dos greco-católicos ucranianos (assim como sua sede e seu arcebispo-maior) como uma afronta.

O segundo sinal de que as relações da Igreja Greco-Católica Ucraniana com a Santa Sé não se recupera, ocorreu quando o papa Francisco recebeu uma delegação da Igreja Ortodoxa Russa, liderada pelo Metropolita Hilarion, representante de Kirill, Patriarca de Moscou, para as relações com outras Igrejas. Durante o encontro, o Papa Francisco fez um discurso calorosamente recebido e promovido pelos ortodoxos russos.

“Eu gostaria de reiterar que a Igreja Católica nunca permitirá que uma atitude de divisão surja de seu povo”, disse o Papa Francisco. “Nós nunca nos permitiremos fazer isso, eu não quero isso. Em Moscou – na Rússia – existe apenas um patriarcado: o seu”.

Na Ucrânia há um esforço para estabelecer um novo patriarcado ortodoxo independente de Moscou. É um conto complexo, habilmente descrito nestas páginas na semana passada pelo Pe. Mark Drew. É apoiado pelo governo ucraniano e tem apoio entre muitos ucranianos que se ressentem de que sua autoridade religiosa – o Patriarcado de Moscou – defenda firmemente seu opressor político, Putin.

A Igreja Greco-Católica Ucraniana apoia os esforços para ter um novo patriarca ortodoxo ucraniano unificado, autônomo e independente de Moscou. Isso enfurece os ortodoxos russos, por isso eles ficaram muito satisfeitos em ouvir o Santo Padre – aos seus ouvidos, pelo menos – tomar o seu lado.

“A Igreja Católica, as Igrejas Católicas não devem se envolver em assuntos internos da Igreja Ortodoxa Russa, nem em questões políticas”, disse o papa Francisco. “Esta é a minha atitude e a atitude da Santa Sé hoje. E aqueles que se intrometem não obedecem à Santa Sé ”.

Quem poderia o Papa Francisco ter em mente? Os ortodoxos russos certamente concluíram que o Santo Padre estava falando sobre a Igreja Greco-Católica Ucraniana e Dom Shevchuk. É difícil pensar em qualquer outro candidato plausível, dadas as circunstâncias atuais.

Nos últimos anos, acredita-se que o Vaticano se ofenda com a Igreja Greco-Católica Ucraniana , ou a tolerância dos ataques contra a mesma, por parte dos ortodoxos russos. Isso certamente faz parte do preço exigido pelo Patriarcado de Moscou para um encontro com o Papa Francisco – algo há muito tempo negado a São João Paulo II. . Esse encontro histórico aconteceu em Havana em fevereiro de 2016.

A questão é se a nova relação entre a Santa Sé e os ortodoxos russos exigirá relações tensas entre católicos, a saber, a Santa Sé e os greco-católicos ucranianos. Eventos recentes sugerem que isso acontecerá.

Padre Raymond J de Souza é sacerdote da Arquidiocese de Kingston, Ontário, e editor-chefe da convivium.ca. Este artigo apareceu pela primeira vez na edição de 15 de junho de 2018 do Catholic Herald.

11 comentários sobre “Por que Roma marginaliza os greco-católicos ucranianos?

  1. Eu passei a frequentar a missa ucraniana por causa do rito tradicional e piedoso do qual eles não abrem mão, me solidarizo com eles. E os padres modernos detestam a minha atitude, querem que eu continuem frequentando o novus ordoe relativizado!

    Curtir

  2. “Nós nunca nos permitiremos fazer isso, eu não quero isso. Em Moscou – na Rússia – existe apenas um patriarcado: o seu”. Só nesta frase já há uma heresia, a heresia de reconhecer jurisdição válida a um cismático, como se fosse bispo legítimo.

    Curtir

  3. Bergoglio é mau, pois poderia muito bem apoiar a Igreja Ucraniana sem necessariamente condenar a guerra da Crimeia. Bastaria ordenar que os greco-ortodoxos-católicos se abstivessem dessa discussão – afinal, a Crimeia sempre foi russa, e foi incorporada à Ucrânia por uma canetada de Krushev.
    Então ambos os lados estão errados – o papa autoritário que não apoia essa igreja perseguida, e esses ucranianos que se intrometem nessa questão política do Donbass e Crimeia.

    Curtir

  4. Isso recorda o sucedido no Concilio Vaticano II de não condenar o intrinsecamente mau e revolucionario comunismo para poder receber os prelados ortodoxos – de doxos apenas nome, são cismáticos – pois sabia-se serem agentes da KGB travestidos de prelados, a começar de Putin aliado de Cirilo I da Igreja Ortodoxa Russa-IOR, associada a um governo disfarçadamente cristão, embora do subversivo Putin, ex agente da KGB, também excelente ator de teatro quando defende os cristãos(politicamente corretos), como ele mesmo, ambos homens muito “entendidos e praticantes” da fé cristã(versão relativista).
    Evidente que o papa Francisco, sempre apoiador das esquerdas, mais que notorio, obviamente daria preferencia a Putin em detrimento dos católicos greco-romanos pois prejudicariam os “diálogos” entre ambos, sucedendo-se isso mesmo entre nós católicos tradicionais, tratados como rígidos, legalistas, mais parecidos seríamos no entendimento dele como os neo fariseus com seus seiscentos e tantos preceitos!

    Curtir

  5. Esse discurso foi a famosa indireta, que na realidade mais direta seria impossível. Um verdadeiro tapa na cara da igreja greco-católica ucraniana que já tanto sofreu na História. Ora, ninguém quer estabelecer outro patriarcado em Moscou, isso é invenção de Bergoglio para alfinetar os greco-católicos e ortodoxos ucranianos, pois ambos querem o seu patriarcado em Kiev, o que Moscou é contra, pois levaria a perder influência no que consideram seu território. Bergoglio prefere sacrificar seus próprios fiéis em vez de defende-los, tudo em nome de “relações cordiais” com Moscou. Nota-se que essa mesma estratégia vem sendo aplicada com relação à China.

    Curtir

  6. Não me admiraria se o próximo Papa – depois da atual crise – pudesse sair da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Já reparam quais foram as palavras mais enigmáticas do Pe. Malachi Martin em relação ao Segredo de Fátima?

    Curtir

Os comentários estão desativados.