Evangelho do 5º domingo depois de Pentecostes: S. Mateus V, 20-24.
Por Padre Élcio Murucci, 23 de junho de 2018 – FratresInUnum.com
“Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Se vossa justiça não vai além da justiça dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus. Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás; e quem matar, será réu em juízo. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão será levado ao tribunal do juízo; e o que chamar a seu irmão: tolo, será réu diante do Conselho. E o que lhe chamar louco, será condenado ao fogo da Geena. Portanto, se trouxeres a tua oferenda ao altar, e te lembrares que o teu irmão tem contra ti alguma coisa, deixa a tua oferenda diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e depois vem fazer a tua oblação”.
Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
Tive a inspiração de resumir o sermão que Santo Agostinho fez sobre o Evangelho deste 5º Domingo depois de Pentecostes.
O Santo Evangelho cuja leitura acabamos de ouvir, muito nos fez tremer, se temos fé. Não tremem aqueles que não têm fé. Na verdade, para se chegar a segurança na vida sem fim, deve-se tremer agora nesta vida que tem fim. E nós trememos. E como não tremer quando se ouve a própria Verdade dizer: “Quem chamar a seu irmão ‘louco’, será réu do fogo da Geena”. Por outro lado diz São Tiago na sua Epístola: “Nenhum homem é capaz de domar a sua língua” (Tiago III, 7 e 8).
Que faremos então, irmãos meus? Se Jesus disse: “Quem chamar a seu irmão ‘louco’ será réu do fogo eterno” e se a Sagrada Escritura também diz: “O homem não tem capacidade de domar a sua língua”, logo estamos todos condenados? De modo nenhum! Porque diz também o Espírito Santo na Bíblia Sagrada: “Senhor, Vós fostes nosso refúgio de geração em geração” (Conf. Salmo 89, 1). Vossa ira é justa, ó Senhor! A ninguém mandais injustamente para o fogo eterno. Entendemos, caríssimos, que, se o homem não tem capacidade para domar a sua língua, deve se refugiar em Deus para domá-la. Tomemos o exemplo dos próprios animais que nós homens domamos. Nem o cavalo, nem o camelo, nem o elefante, nem a serpente, nem o leão se domam a si mesmos. Para domá-los, lança-se mão do homem. Logo, para domar o homem. é mister recorrer a Deus. Refugiemo-nos n’Ele!
Sim, Senhor, “Vós fostes nosso refúgio”. Sem dúvida, Deus nos domará se nós nos refugiarmos n’Ele. Se nos deixarmos domar por Ele. O homem doma um leão que não é obra de suas mãos; e não há de domar a ti quem te tirou do nada pelo poder de Suas mãos? Olhai, caríssimos, para os animais ferozes. Ruge um leão e nós trememos. Contudo, o homem se sente capaz de domá-lo. Não pela força física, mas pela inteligência.
Nisto o homem é mais forte que o leão, porque foi feito à imagem de Deus. Assim o homem, que é imagem de Deus, doma a fera. E não domará Deus a Sua imagem, que é o homem?
Em Deus, pois, está nossa esperança; sujeitemo-nos a Ele e imploremos Sua misericórdia; ponhamos n’Ele nossa confiança; e, tanto nos doma, amansa e nos faz perfeitos quanto nos submetemos a Ele e n’Ele nos refugiamos. Ás vezes Deus, nosso Domador, também lança mão do chicote e da vara. São as provações e humilhações a que nos submete. Tu, ó homem, domas um cavalo para que uma vez manso te seja adjutório, conduzindo-te sobre ele. E, no entanto, quando morre, tu o abandonas às aves. No entanto, quando Deus te doma é para dar-te uma recompensa, que não é outra senão Ele mesmo. Depois de uma morte passageira, ressuscita-te, devolvendo a ti a carne sem faltar sequer um cabelo. Ele te ressuscita, para te colocar entre os anjos para sempre. Ali já não necessitas mais de ser domado, porque serás posse deste mesmo Pai, infinitamente doce. Então será Deus tudo em todos. Não haverá então infelicidade que nos prove, senão felicidade que nos satisfaça plenamente. Só Deus será nosso pastor; nosso Deus será nossa bebida; nosso Deus será nossa glória; nosso Deus será nossa riqueza. Toda variedade de bens que andas buscando aqui na terra, tê-los-á todos juntos n’Ele, em Deus. Buscai, caríssimos, não os bens, mas o Bem supremo que contém em Si todos os bens.
Nosso Deus e Redentor e Pai nos doma, castiga e às vezes emprega até o chicote, mas tudo isto é para nos entregar uma herança que será Nosso mesmo Pai. Com este fim nos corrige, e ainda há quem murmura e chega até a blasfemar! Um blasfemo, porém, não açoitado, não encontrará um Juiz irado? Não é, porventura, preferível que Deus te açoite, ó homem, mas te receba por filho, do que não te castigue mas te abandone?
Digamos, pois, ao Senhor, Nosso Deus: “Senhor, Vós fostes nosso refúgio de geração em geração. Na primeira geração e na segunda, Vós fostes nosso refúgio. Refúgio para que nascêssemos, quando ainda não existíamos; refúgio para que renascêssemos, quando éramos pecadores; refúgio para nos sustentar, quando fugíamos de Vós; refúgio para nos levantar e guiar, quando éramos vossos filhos; sempre fostes nosso refúgio. Não voltaremos a deixar-Vos quando nos haveis curado de nossos males, quando haveis domado nossa carne, nosso orgulho, nossa ira e assim nos enriquecido de vossos bens; bens estes que nos dais entre carícias para evitarmos as fadigas do caminho. E quando nos corrigis, açoitais e bateis, é para que não nos afastemos do caminho. Vós, ó Senhor, serás nosso refúgio! Amém!
NB: Hoje, 24 de junho é Festa de S. João Batista que é de 1ª classe, enquanto o domingo é de 2ª classe. Assim sendo, a missa de hoje é a do Nascimento de S. João Batista. Pensei, então em fazer estas poucas reflexões que creio farão algum bem a nós sacerdotes.
SÃO JOÃO BATISTA É MODELO DOS SACERDOTES
Toda a grandeza e santidade do Precursor vêm das suas relações com o Messias: é Seu Precursor. Precederá a Jesus Cristo no espírito e virtude de Elias. Preparará o caminho para Jesus. É predestinado e consagrado por Deus para a obra de Jesus Cristo. João Batista será sempre pequeno aos seus próprios olhos e fará de tudo para sê-lo na estimação dos homens: “É preciso que Cristo cresça e que eu diminua” (S. João, III, 30). Ele será grande, sim, mas só diante do Senhor. Este, aliás, foi o belíssimo elogio que dele fez o Arcanjo S. Gabriel: “Ele será grande diante do Senhor” (S. Lucas I, 15). O seu nascimento e a sua vida, as suas palavras e ações, a sua glória e as suas virtudes referem-se a Jesus, como ao seu centro, e é principalmente sob este aspecto que João Batista oferece para os sacerdotes um modelo a seguir: Tudo deve ser para Jesus; tudo é de Jesus.
Qual foi o ministério que Deus confiou ao Precursor? Fazer conhecer o Filho de Deus encarnado, e com isto lançar os fundamentos de reino de Cristo na terra. Podemos dizer que esta foi precisamente o VOCAÇÃO de João Batista. Zacarias, pai de João Batista, profetizou iluminado pelo Espírito Santo ao dizer no seu “Benedictus”: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel!… E tu, menino, serás chamado o profeta do Altíssimo, porque irás ‘adiante da face do Senhor a preparar os seus caminhos’; para dar aos seu povo o conhecimento da salvação, para remissão dos seus pecados, pelas entranhas da misericórdia de nosso Deus, graças à qual nos visitou do alto o Sol nascente, ‘para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra do morte’; para dirigir os nossos pés no caminho da paz” (S. Lucas I, 68 e 76-79). E diz o Evangelista S. João: “Houve um homem enviado por Deus que se chamava João. Este veio por testemunha para dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da Luz (o Verbo)” (S. João I, 6-8).
S. João Batista confessará e não negará e confessará que ele não era o Messias, a Luz, que haveria de salvar o mundo. Ele, na verdade, nasceu com esta missão sublime: mostrar a Luz ao mundo, Jesus receberá dele não a sua missão, mas a autenticidade da sua missão. Mostrará Jesus Cristo ao povo como sendo o verdadeiro Messias para salvar a humanidade do pecado: “Eis Aquele que tira o pecado do mundo” (S. João I, 29). Que missão sublime a de João Batista! Por isso é que o Anjo assegurou: “Ele será grande diante do Senhor”. E o próprio Jesus dirá de seu Precursor: “Na verdade vos digo que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro [profeta] maior que João Batista” (S. Mateus XI, 11). Na verdade, como precursor anunciado por Malaquias III, 1, é o maior profeta, porque enquanto os outros anunciaram o Cristo, ele com sua mão batizou-O, apontou-O com seu dedo e preparou os corações para recebê-Lo.
E assim, os sacerdotes devem reconhecer a sublimidade de sua missão e procurar fazer jus à ela. O sacerdote é o homem de Jesus Cristo, encarregado de O manifestar ao mundo e de Lhe franquear a entrada dos corações. Tenho cumprido esta sublime missão? E para realizar esta tão sublime missão, que fez o Precursor? Levou uma vida santa. Quando Deus chama alguém para determinada missão, dá ao seu enviado os meios e graças necessárias para cumpri-la. Jesus concede-lhe a autoridade de missão capaz de dominar os espíritos e a autoridade de virtudes e santidade para comover os corações. Pois bem!
as maravilhas que acompanham o seu nascimento dispuseram-no para influir eficazmente nos espíritos. Não fará milagres, porque os do seu nascimento serão suficientes para estabelecer a verdade do seu testemunho. João Batista, apenas nasce, é conhecido e respeitado, como o enviado de Deus; fale ele, e os povos o acreditarão.
Mas, era mister, outrossim, mover os corações, arrancá-los da paixões e trazê-los para Nosso Senhor Jesus Cristo. Para tanto, precisava de uma SANTIDADE que atraísse os olhares e a admiração. O retiro é o ambiente propício para a santidade; e ele retira-se desde bem novo ainda, para os desertos e aí se conserva até ao dia em que o Espírito Santo mandou que pregasse: “O Senhor, falou a João, filho de Zacarias, no deserto. E ele foi por toda a terra do Jordão, pregando o batismo de penitência para remissão dos pecados” (S. Lucas III, 2 e 3).
Naquele santo retiro, em que se ocupou? Conversar com Deus e praticar rigorosa penitência. Ele já fora santificado no seio materno e, como diz o Espírito Santo: “Ora o menino crescia e se fortificava no espírito” (S. Luc. I, 30). Fazia penitências para aplacar a Deus em favor dos pecadores, aos quais ele havia de anunciar o Messias.
Ó Jesus! todas as graças por mim recebidas na qualidade de sacerdote, tiveram por fim, fazer de mim um digno ministro de Jesus Cristo, e, por que não dizê-lo? um santo, já que “sancta sanctis”. Ó meu Deus! como me pesa não ter eu correspondido aos vossos desígnios tão fielmente como o vosso precursor!… Felizes dos sacerdotes que foram santos e que são santos imitando fielmente o Precursor!!! Mas para Deus nunca é tarde! Empreguemos, pelo menos, o resto de nossas vidas, procurando tudo só para Jesus, e que tudo em nossas pessoas seja de Jesus exclusivamente. Devemos, caríssimos colegas no sacerdócio, banir dos nossos corações toda tentação de vaidade, vício este infelizmente
não tão raro. S. João Batista, obtém os mais felizes resultados. É tido por Elias, ou por um dos antigos profetas ressuscitado; é tido pelo próprio Messias. Diante desta glória, O Batista confunde-se, humilha-se: “É preciso que Jesus cresça e que eu diminua”. Dizia também: “Eu na verdade batizo-vos com água, mas virá um mais forte do que eu, a quem
não sou digno de desatar a correia dos sapatos; Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.
Muitos poderiam pensar que a humildade de João Batista torná-lo-ia complacente na presença dos grandes. Mas assim agiria um orgulhoso que só pensa em si. João Batista disse a verdade nas margens do Jordão, e di-la-á em face do rei Herodes: “NON LICET”, “NÃO TE É LÍCITO”. Com esta palavra arrojada, combate o escândalo intrepidamente. Prendem-no; degolam-no. E assim, no seio materno, no nascimento, na vida e na morte, o precursor de Jesus Cristo, dá testemunho d’Ele. Tudo nele é de Jesus Cristo, como tudo é para Jesus Cristo. Ó Jesus, Vós desejais agora como então, entrar nas almas, para lhes levar a paz e a salvação; dai-nos, pois, santos sacerdotes, que vos preparem o caminho. Fazei de todos os vossos ministros, como de João Batista, lâmpadas acesas, para que à luz que alumia, juntem sempre a caridade que abrasa. Amém!