FratresInUnum.com entrevista José Antônio Ureta, o autor do livro “A ‘mudança de paradigma’ do Papa Francisco. Continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Balanço quinquenal do seu pontificado” [a edição eletrônica do livro pode ser gratuitamente baixada neste link].
Primeiramente, Sr. Ureta, gostaríamos de lhe agradecer por nos conceder essa entrevista. Gostaríamos, primeiramente, que o senhor se apresentasse e falasse brevemente sobre sua formação e atuação.

Sr. Ureta na apresentação de seu livro, em Roma.
Eu que agradeço a oportunidade de poder dirigir-me aos leitores de Fratres in Unum, que acompanho diariamente com vivo interesse, do outro lado do Atlântico, para saber como vão os debates religiosos no Brasil, que para mim é quase uma segunda pátria.
Sou chileno, estudei Direito, mas não me formei, porque, na época tivemos o regime comunista de Salvador Allende, e então passei a dedicar-me full-time a defender a Tradição, a Família e a Propriedade nas pegadas do grande intelectual e líder católico brasileiro, o saudoso Dr Plinio Corrêa de Oliveira.
Como, nesses anos, a TFP estava em plena expansão, fui solicitado para ajudar outros grupos nascentes e, após ter passado três anos no Brasil, colaborei com as associações co-irmãs e autônomas da TFP brasileira no Canada e na África do Sul. Desde 1990 resido na Europa e colaboro com as TFPs locais, especialmente na área da formação intelectual dos novos cooperadores e em pesquisas doutrinárias ligadas à atualidade.
O senhor lançou, recentemente, a obra A ‘mudança de paradigma’ do Papa Francisco. Continuidade ou ruptura na missão da Igreja?. Balanço quinquenal do seu pontificado, que teve repercussão no mundo afora. Fale-nos um pouco sobre a obra, no que ela difere das demais publicações críticas a respeito do pontificado do Papa Francisco, e quais seus objetivos ao lançá-la.
Começo pelo fim. O objetivo é esclarecer os católicos que estão muito confusos desde que o Papa Francisco assumiu o trono de São Pedro e não sabem se estão obrigados a seguir todas as novidades que ele está introduzindo na prática pastoral e na doutrina da Igreja.
O livro é destinado a leigos comuns, com as preocupações de um católico comum, que vive num mundo inteiramente paganizado e que vai ficando cada vez mais anticristão, com legislações como o aborto, o pseudo-casamento homossexual e a eutanásia ou a imposição nas escolas da aberrante ideologia de gênero. Para não falar da absurda agenda ecológica que têm como modelo de desenvolvimento sustentável os índios da Amazônia.
O livro mostra como, nesses temas, o Papa Francisco tem operado uma “mudança de paradigma”, que frequentemente contradiz o ensino e a disciplina tradicionais da Igreja.
A obra difere de outros valiosos contributos para a avaliação do atual pontificado sob dois pontos de vista. De um lado, pelo fato de fazer uma síntese do conjunto dos cinco anos de pontificado, com uma farta documentação (não contei, mas acho que há perto de 500 referências, a grande maioria retirados da Internet, para que todos possam consultar os textos originais – um analista argentino comentou que o livro é uma “mina de ouro” de informações). De outro lado, pela opção de abordar, não temas teológicos e eclesiológicos, nos quais o Papa Francisco também tem operado “mudanças de paradigma”, mas exclusivamente temas ligados à esfera temporal, campo onde os leigos vivem e lutam para preservar sua fé, educar cristãmente seus filhos, etc. Mesmo ao abordar, por exemplo, a questão da comunhão para os divorciados civilmente recasados, autorizada “caso por caso”, na Amoris laetitia, o faz por envolver um problema essencial para os leigos e para toda a ordem social: a indissolubilidade do casamento.
Além dessa “mudança de paradigma” escandalosa da Amoris Laetitia, nesta última semana, chegamos ao ponto de se revisar o próprio Catecismo (sobre a pena de morte — nem mesmo o fato de Bento XVI, responsável pela Congregação para a Doutrina à época da promulgação do Catecismo da Igreja Católica, ainda estar vivo parece refrear o Papa Francisco em sua determinação). Que risco a Igreja corre com tais mudanças no âmbito doutrinal?
Os riscos são enormes e foram muito bem apontados pelo editorial de Fratres in Unum.
Não somente levanta o gravíssimo problema canônico do estatuto de um Papa que promove uma novidade doutrinária que contraria uma verdade revelada infalível, porque ensinada constantemente pelo magistério universal da Igreja, mas a mesma argumentação antropológica e sociológica empregada pelo Papa para justificar tal mudança permite fazer mudanças similares em outras matérias.
Vocês evocaram a possibilidade de aceitar a contracepção, o divórcio e a coabitação pre-matrimonial baseados numa nova consciência social a respeito desses temas. O conhecido vaticanista da rádio e televisão italiana, Aldo Maria Valli, que é pessoalmente contrário à pena de morte, queixou-se da argumentação empregada pelo Papa, pelo mesmo motivo que vocês apontaram e exemplificou com a homossexualidade. Aliás o lobby LGBT já declarou que espera que, em breve, sejam retiradas do Catecismo as frases que afirmam que a tendência homo-erótica é “objetivamente desordenada” e “intrinsecamente desordenada”. É o que pede, há muitos anos, o jesuíta americano James Martin, que será a vedette do próximo Encontro Mundial das Famílias, em Dublin.
Como diz Valli, “se, de fato, os pressupostos de uma mudança da doutrina passam a ser ‘a sempre mais viva consciência’ de um determinado fenômeno ou de uma determinada condição e ‘a nova compreensão’ que se registra no mundo a propósito daquele fenômeno ou daquela condição, é evidente que o inteiro aparelho doutrinário da Igreja poderá ser facilmente mudado e eventualmente convulsionado”.
Alguns alegam que Francisco mantêm continuidade para com seus predecessores pós-conciliares, só possuindo um ritmo de reformas mais intenso. Essa análise é verdadeira?
No meu livro explico que o denominador comum de todas essas “mudanças de paradigma” é o adaptar-se à Modernidade, a qual tem como unidade moral profunda a emancipação do homem de tudo que o transcende, portanto de Deus e da ordem divina do universo. Isso fica patente, por exemplo, na ideologia de gênero que é uma fuga de realidade.
Essa tentativa de adaptação da Igreja à Modernidade vem do tempo do Modernismo, condenado por S. Pio X. Mas ele ressurgiu depois camuflado e conseguiu impor sua nouvelle théologie nas novidades doutrinárias e ambiguidades contidas nos documentos do Concílio Vaticano II. É exemplificativa desse espírito de acomodação com o mundo a famosa frase de Paulo VI, no discurso de encerramento: “A religião, que é o culto de Deus que quis ser homem, e a religião — porque o é — do culto do homem que quer ser Deus, encontraram-se. Que aconteceu? Combate, luta, anátema? Tudo isto poderia ter-se dado, mas de fato não se deu. (…) Vós, humanistas do nosso tempo, que negais as verdades transcendentes, dai ao Concílio ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós — e nós mais do que ninguém somos cultores do homem”.
Na medida em que os papas pós-conciliares foram difusores dessas novidades doutrinárias fundamentadas no culto humanista do homem, o pontificado de Francisco não é uma ruptura, mas uma continuidade com eles. A diferença está em que não procura mais justificar sua posição numa hermenêutica da continuidade com o ensino tradicional, mas assume a descontinuidade.
A “mudança de paradigma” do Papa Francisco opera-se em relação ao ensino perene da Igreja e, como disse, ela vem do início do século passado.
E o que podemos esperar quanto às reformas futuras? Francisco possui o apoio necessário, sobretudo no colégio cardinalício, para aplicá-las? Ou corre-se o risco de aprofundar ainda mais a divisão entre os católicos?
Tudo dependerá da atitude dos cardeais de orientação progressista moderada ou de orientação tradicional. Se eles fizerem uma enérgica correctio fraterna ao Papa Francisco a propósito da mudança do Catecismo, talvez ele diminua o ritmo da sua revolução. Mas não estou seguro que, mesmo nessa eventualidade, ele o faça. Porque já disse que tem pouco tempo e quer iniciar processos e, segundo um jornalista alemão muito bem informado, ele teria reconhecido num círculo restrito de cardeais que poderá passar para a história como “aquele que dividiu a Igreja”.
De qualquer maneira, por seu apoio à agenda esquerdista, ele perdeu a simpatia inicial de todas as pessoas sensatas. Na Europa, seu apoio à imigração massiva dos muçulmanos é rejeitado abertamente. Na América Latina, sua clara simpatia pelos movimentos e governos esquerdistas (a recente mensagem ao presidente Lula é mais uma manifestação dela) fez com que um abismo esteja crescendo entre ele e a maioria dos fiéis. Nos Estados Unidos, sua inércia na defesa da vida e da família e seu apoio à agenda ecológica não passa pela garganta dos americanos. Até um progressista debandado, como Massimo Faggioli, professor da universidade Vilanova, dos agostinianos, na Pennsylvannia, reconhece num recente artigo para o Commonweal Magazine, intitulado “Francisco e a Esquerda Religiosa”, que o papa não está conseguindo sequer conectar-se com a esquerda americana, como Bento XVI teria feito com a direita, por causa das “diferenças significativas do progressismo do Papa Francisco e o progressismo americano contemporâneo”, que não o acompanha na radicalidade de sua “opção preferencial pelos pobres”. Em outros termos, o Papa Francisco está ficando cada vez mais isolado.
O site LifeSiteNews qualifica a presente crise moral do clero como que “rivalizando com a era dos Borgias”. Qual a relação entre a corrupção doutrinal e a crise moral?
Quando não se segue com fidelidade os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas as modas do mundo, é inevitável que seja “o príncipe deste mundo” que leve a melhor…
Tanto mais quanto, desde o pós Segunda Guerra Mundial, a moda que prevaleceu no mundo e que penetrou na Igreja foi o freudismo e a revolução sexual que ele justificou. Se o instinto sexual é irreprimível e um indivíduo tem uma tendência homossexual, não há nenhum mal em que se o deixe entrar no seminário e lhe seja favorecida a carreira eclesiástica… As consequências estão à vista de todos. Aliás, é preciso assinalar que a imensa maioria dos casos de abuso sexual do clero provém de homossexuais que abusam de adolescentes ou até de adultos. Coisa que o lobby LGBT não permite que seja sublinhado.
Após cinco anos de pontificado, é possível traçar algumas idéias sobre o cenário atual para a sucessão de Francisco?
Tudo dependerá, como disse acima, da atitude que tomem os cardeais progressistas moderados ou de tendência tradicional em vista da flagrante ruptura com o ensino tradicional representada pela rejeição da pena de morte “à luz do Evangelho”.