Evangelho do 12º Domingo depois de Pentecostes – S. Lucas X, 23-37.
Por Padre Élcio Murucci, 11 de agosto de 2018 – FratresInUnum.com
Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
O Divino Mestre acabara de dizer aos seus discípulos: “Alegrai-vos por ter os vossos nomes escritos nos Céus!” E um doutor da Lei, para tentar a Jesus, perguntou-Lhe: “Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?” Que pergunta importante, capital! No entanto, o doutor da Lei fê-la com má intenção: queria armar uma cilada ao Salvador e esperava obrigá-Lo a dizer algo contrário às tradições recebidas, para assim poder acusá-Lo. “O orgulho, diz São Gregório Magno, é o sinal mais certo da condenação de uma alma”.
Nosso Senhor, Sabedoria infinita, para mostrar a inutilidade da insidiosa pergunta do doutor e a sua má fé, coloca-o na obrigação de ser ele mesmo, doutor da Lei, a dar a resposta: “Vós, doutor da Lei, encarregado de explicá-la aos outros, dizei-me, que está escrito na Lei? Como ledes vós”?
Caríssimos e amados irmãos, prouvera a Deus que antes de fazer ou empreender qualquer coisa, perguntássemos a nós mesmos: “Que está escrito na Lei de Deus e da Santa Igreja”? Quais são os meus deveres de estado diante de Deus? Evitaríamos, sem dúvida, muitas faltas!
Mas voltemos ao doutor da Lei. Este escriba não teve mais que repetir os dois preceitos fundamentais que Moisés tinha dado aos Israelitas: “Amarás o Senhor, teu Deus, e o próximo como a ti mesmo”. Fê-lo como quem conhece a sua cartilha, e merece a felicitação de Jesus. Mas sentia-se humilhado; necessitava justificar a sua atitude diante do público. – Amar o próximo, está bem; isso já todos nós sabíamos. “Mas quem é o meu próximo”?
De Jericó a Jerusalém é um terrível deserto. É uma subida abrupta, montanhosa, acidentada, ladeada de barrancos, uma subida de uns trinta e oito quilômetros, cujos extremos apresentam uns mil metros de desnível. Jericó é um oásis, a cidade mais antiga do mundo (várias vezes reconstruída) e também a mais baixa do mundo, a 340 metros abaixo do nível do mar. Pois bem, Jesus situa a sua parábola do bom Samaritano neste cenário.
Nosso Senhor Jesus Cristo, a Sabedoria eterna, graças a uma inexcedível mestria, vai obrigar o legista a confessar uma coisa que parecia um absurdo na boca de um doutor da lei. “Israelita que matar um pagão, dizia o Talmud – não merece a morte, porque o pagão não é próximo” E um samaritano? Os judeus tinham um ódio e desprezo profundos por eles. Tanto assim, que, quando os doutores do templo quiserem exprimir todo o ódio que tinham a Jesus, chamar-lhe-ão samaritano.
Contada a parábola, só faltava tirar a moral da história: – “Qual dos três, perguntou Jesus ao doutor, é, na tua maneira de ver, o próximo daquele que caiu na mão dos ladrões? Não havia dúvida possível, mas o escriba absteve-se, com muita habilidade, de pronunciar o nome odioso: – “O que se compadeceu dele -responde” – “Então vai, exclamou Jesus secamente – e faze tu o mesmo”. Como se dissesse: Tem presente Sr. doutor da lei, que a lei da caridade deve-se observar em relação a todos: judeus e pagãos, descendentes de Abraão e samaritanos. Jesus não se quer limitar a oferecer uma descrição bonita ou a dar uma lição teórica: “Faze tu o mesmo”. Na verdade a ideia não tem valor nenhum se não se transforma em vida. Faze tu o mesmo, ainda que se trate de um infiel, de um inimigo, de um samaritano.
A parábola do bom Samaritano é o quadro mais belo e mais perfeito que se poderia fazer do amor do próximo. O Samaritano vê um homem por terra, mortalmente ferido. Para ter o amor do próximo, para praticar esta virtude, é preciso primeiro ver, não desviar os olhos da miséria que se nos apresenta. Não basta; é preciso ainda saber ver, deter-se um instante no caminho, considerar e compreender os males alheios, e não fazer como o sacerdote e o levita, que viram e passaram. Depois é preciso ter compaixão, aproximar-se, pelo coração, daqueles que sofrem, não limitar-se a uma compaixão estéril, mas imitar o Samaritano, dar como ele, em favor do próximo, tempo, dinheiro, trabalho, a sua própria pessoa, em uma palavra, dedicar-se como uma boa mãe.
Caríssimos, a parábola do Samaritano tem ainda uma explicação que lhe deram os Santos Padres, e que não convém deixar em silêncio. Explicam eles: – O homem que caiu em poder dos ladrões, é o pecador abandonado, semi-morto, na estrada da vida, moralmente ferido pelo demônio em suas faculdades naturais, e por ele despojado dos bens sobrenaturais. O sacerdote e o levita que passam sem socorrê-lo, é a Sinagoga tão somente preocupada com a leitura da Santas Escrituras, lendo-a sem compreendê-la, estudando-a sem praticá-la. O Samaritano, é Nosso Senhor Jesus Cristo que desce da Jerusalém celeste e atravessa a terra coberta de demônios que invadiram a criação inteira. Jesus viu a humanidade despojada da graça e semi-morta, teve compaixão do seu
estado, aproximou-se, e, abrindo o vaso precioso da sua santa Humanidade ferida pelos nossos crimes, dele tirou o óleo das suas lágrimas e o vinho do seu sangue, para curar-lhe as chagas. Depois, tomou nos braços o pobre pecador, o fez subir à sua própria cruz, e o conduziu à hospedaria que é a sua Igreja. Passou à cabeceira do enfermo uma primeira noite, e, no dia seguinte, na manhã da sua ressurreição, chamou o estalajadeiro, os ministros da Igreja, e lhe disse: Cuidai bem desse enfermo. Eis aqui dois dinheiros – o Evangelho e os Sacramentos; com esses recursos cuidai do seu completo restabelecimento e, quando voltar – no dia do juízo – então te pagarei todo o restante do vosso trabalho.
Terminemos com uma oração de Santa Catarina de Sena: ” Ó Cristo, doce Jesus, concedei-me esta santa caridade a fim de perseverar no bem e de jamais me afastar dele, pois quem possui a caridade está fundado em Vós, rocha viva e, segundo os Vossos exemplos, aprende de Vós a amar o seu Criador e o seu próximo. Em Vós, ó Cristo, leio a regra e a doutrina que me convém guardar, porque Vós sois o caminho, a verdade e a vida; lendo em Vós, poderei seguir o caminho reto e atender somente à honra de Deus e à salvação do próximo”. Amém!
Completando o artigo: SOBRE O AMOR DE DEUS. Devemos distinguir dois elementos no amor: a complacência e a benevolência. Que é complacência? Vamos dar exemplo do que acontece com o amor entre pessoas aqui na terra e depois aplicaremos subindo até Deus. Assim, as qualidades dos entes queridos nos enlevam: eis aí a complacência. Agora, queremos bem àquelas pessoas cujos dotes nos cativam: eis aí a benevolência. E nosso amor de complacência e de benevolência deve ser afetivo e efetivo. Há amor afetivo quando suscitamos no nosso coração, tais sentimentos tanto de complacência como de benevolência. E, desde já devemos saber que este amor afetivo para com Deus se exerce e se dilata na oração.
Mas este amor afetivo só será sincero se for acompanhado do amor efetivo, ou seja, é mister que opere e que realmente sirvamos a Deus. Em outras palavras, o nosso amor deve ser provado pela prática dos mandamentos e das virtudes. Portanto o amor interno deve ser manifestado externamente e é assim que conhecemos inclusive o seu valor exato. Como disse o Divino Mestre: “Não é aquele que diz Senhor, Senhor, que vai entrar no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está no céu”. Diz também: “Quem me ama, guarda os meus mandamentos, faz o que eu mando”. Portanto, querer julgar a intensidade do amor apenas pelo surtos do coração é expor-se a ilusões. É na renúncia da própria vontade e na aceitação amorosa e inteira da vontade divina, que encontramos a prova inconteste do lídimo amor de Deus. Se o amor perfeito não pode nascer nem crescer sem o exercício da oração e a prática constante do amor afetivo, tão pouco se pode desenvolver sem as obras, sem a luta generosa contra os nossos defeitos e a fidelidade às virtudes cristãs.
SOBRE O AMOR DO PRÓXIMO: Há duas espécies: o natural e o sobrenatural. É natural, por exemplo, ao homem amar sua família, seus amigos, seus semelhantes. Disse um autor pagão: “Sou homem e nada do que é humano me pode ser indiferente”. Assim, instintivamente nos compadecemos dos que sofrem e procuramos oferecer-lhes nossos préstimos. Naturalmente temos prazer em fazer alguém feliz. Dizia o pagão Virgílio, grande escritor latino: “Haut ignara mali miseris succurrere disco”; em Português: “Conhecendo a desgraça, sei prestar auxílio aos desgraçados”. Este sentimento, embora, puramente natural, é obra de Deus e por conseguinte não podemos desprezá-lo. A inclinação de fazer bem ao próximo foi colocada na alma humana por Deus. E nos planos divinos, esse amor natural deve servir de começo para o amor sobrenatural, porque a graça sobrenatural não destrói a natureza feita por Deus, mas, pelo contrário, a supõe. A lei de Moisés já rezava: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico XIX, 18).
Mas, nossa natureza foi vulnerada pelo pecado original. Daí necessitamos daquela recomendação feita por Tobias a seu filho: “Não faças a outrem aquilo que não queiras que te façam” (Tobias XVI). Como já dissemos, se o homem traz em si uma inclinação para querer bem ao próximo, por outro lado, é levado, quase que sem perceber, a colocar-se acima do próximo, a achar-se que merece atenções que ele mesmo não emprega em relação aos seus semelhantes. Daí, de um lado, é-lhe agradável fazer o bem; de outro, custa-lhe ser contrariado. E como os interesses dos homens, às vezes, são opostos, isto é, o que constitui a felicidade de um, causa tristeza a outro, as vontades de um e outro se opõem.
De tudo isto devemos concluir, que, para haver caridade é mister renúncia de si mesmo. Não podemos ceder ao amor próprio um tanto excessivo, porque ele leva o homem a ter invejas e aversões. Daí, os corações apaixonados por si mesmos, são mesquinhos e amam poucas pessoas, e mesmo assim, levados pelo mesmo amor de si mesmos. Na verdade, gostam daqueles que têm os mesmos defeitos, daqueles que lhe são simpáticos ou que os lisonjeiam. Por outro lado, criticam os que não concordam com eles.
O egoísmo é a fonte do amor imperfeito ao próximo. É ele que causa a maior parte das faltas contra a caridade. A Lei mosaica contentou-se com “amar o próximo como a nós mesmos”, mas o Coração de Jesus fez e quis que fizéssemos muito mais: “Eu vos dou um novo mandamento, é que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” Jesus quer que nos amemos, porque somos filhos de Deus. S. Paulo dizia aos Filipenses: “Trago-vos todos em meu coração, eu vos amo com o coração de Cristo” (Filip. I, 8).
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