O ‘dilema Sheen’: Igreja Católica enfrenta um dilema na avaliação dos santos.

IHU – Agora que sabemos que a cerimônia de beatificação programada para o dia 21 de dezembro de Dom Fulton Sheen foi adiada, podemos levantar questões mais amplas sobre como avaliamos não só os candidatos potenciais à santidade, mas aqueles que já cruzaram a linha final, tendo em mente os escândalos de abuso sexual.

O artigo é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 08-12-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Depois de inicialmente informar que o Vaticano havia adiado a beatificação a pedido de alguns bispos americanos, a Diocese de Rochester, onde Sheen trabalhou como bispo auxiliar de 1959 a 1966 e como bispo até se aposentar em 1969, reconheceu em nota que solicitou o adiamento para “permitir uma análise mais aprofundada [do papel de Sheen] nas nomeações dos padres”.

Claro deve ficar que não existe nenhuma indicação de má conduta por parte de Sheen. Alguém ligado à Diocese de PeoriaIllinois, que liderou a causa de beatificação, disse a jornalistas que as preocupações elencadas no pedido focalizam um padre de Rochester acusado de conduta sexual imprópria durante os anos em que Sheen atuava como bispo, mas insistiu que o caso havia sido investigado plenamente e nenhuma conduta imprópria fora descoberta.

Esta precaução em Rochester é compreensível, visto que ela, em setembro, se tornou a primeira do estado de Nova York a buscar proteção contra falência em meio a uma nova onda de ações judiciais relacionada a abusos sexuais, onda impulsionada por uma suspensão, de um ano no estado, para que se possam ajuizar casos antes impedidos pelo estatuto de limitações. Algumas das acusações remontam à década de 1960 e, obviamente, a diocese não quer o espetáculo de ver um ex-bispo seu proclamado beato com uma história que pode ser arriscada.

Ainda temos de aguardar para ver o que o histórico de Sheen vai mostrar, mas em si o caso atual ilustra um novo fato a respeito da santidade na Igreja Católica: para dar sequência a fim de ser proclamado santo, qualquer candidato que esteve em cargo de liderança na Igreja – isto é, bispo ou superior religioso – precisará mostrar que não “sujou as mãos” nos escândalos de abuso sexual.

O que este novo padrão deixa em aberto, no entanto, é o que fazer no caso de alguém que já foi proclamado santo, mas cujo histórico mais tarde mostrou ser suspeito de não ter lidado corretamente com as acusações de abuso.

Provavelmente o melhor – e mais delicado – exemplo é São João Paulo II, beatificado em 2011, apenas seis anos depois de sua morte, pelo Papa Bento XVI, e canonizado três anos mais tarde, em 2014, pelo Papa Francisco.

Na época, alguns críticos alertaram que um processo acelerado de santificação corria o risco de errar, dependendo daquilo que uma análise posterior desenterre sobre como os casos de abuso sexual foram lidados sob o comando do falecido papa.

Na ocasião, a maioria dos analistas tinha em mente o falecido padre mexicano Marcial Maciel Degollado, fundador da Legião de Cristo, que enfrentou acusações em meados da década de 1990, mas que só sofreu sanções depois da transição ao pontificado de Bento XVIMaciel Degollado fora claramente favorecido por autoridades do papado de João Paulo.

Hoje, com facilidade podemos acrescentar o caso do ex-cardeal e ex-padre Theodore McCarrick. Quando (e se) o Vaticano publicar finalmente o seu aguardado relatório sobre o conteúdo dos seus arquivos relativos a McCarrick, é possível que os registros deem a entender que certas autoridades próximas a João Paulo II tiveram conhecimento das preocupações em torno de McCarrick, mas que, por algum motivo, não reagiram conforme os padrões atuais sugerem.

Em nota do dia 06-10-2018, o Vaticano insinuou essa possibilidade.

“A Santa Sé está ciente de que, a partir do exame dos fatos e das circunstâncias, poderão surgir escolhas que não foram coerentes com a abordagem atual a tais questões”, lê-se no texto divulgado.

Teologicamente falando, uma vez que um papa canoniza um santo o julgamento é considerado definitivo, portanto nenhum santo teria a santidade revogada. Além disso: santidade nunca equivaleu a uma declaração de perfeição pessoal. Ela se assemelha mais a um reconhecimento de que a santidade é alcançável, mesmo em meio a falhas e dificuldades.

A questão em aberto ilustrada pelo exemplo de João Paulo II – embora dificilmente exclusiva a ele – é sobre se, após a crise de abusos, a santidade de certas figuras deveria vir com um asterisco, algo como a Calçada da Fama dos jogadores de baseball que jogaram durante os anos em que usavam esteroides.

Claro que há defesas legítimas a serem feitas do histórico de João Paulo. Poderíamos dizer, por exemplo, que, na época em que os casos de Maciel ou McCarrick haviam chegado ao seu conhecimento, o falecido pontífice já se encontrava debilitado pela idade e doença e que, portando, ele dependia de seus assessores para lidar com casos assim.

Ou poderíamos dizer que é injusto projetar no passado compreensões e protocolos que só foram criados depois de 2002 – embora, se for este o caso, será difícil explicar por que é justo no caso de Sheen.

A questão maior aqui é que os escândalos de abuso clerical nos dão, hoje, um novo olhar através do qual os santos, futuros ou que já foram declarados, serão vistos.

E se, por exemplo, ficarmos sabendo que Dom Oscar Romero, de El Salvador, o herói martirizado da Teologia da Libertação, errou na forma como lidou em uma acusação de abuso contra um padre? E se ficarmos sabendo que São Paulo VI também errou enquanto era arcebispo de Milão? E se, de fato, pudermos mostrar que São Carlos Borromeu acobertou uma acusação de abuso, ou Santo Inácio de Loyola, ou qualquer outra figura referenciada que alguma vez esteve responsável pelo clero?

Se as respostas não parecem intuitivamente óbvias, é porque provavelmente elas não o são – e é isso, em uma palavra, o que podemos chamar, de agora em diante, de o “dilema Sheen” da Igreja Católica.

7 comentários sobre “O ‘dilema Sheen’: Igreja Católica enfrenta um dilema na avaliação dos santos.

  1. O ponto a ser comentado já foi dito acima:…”santidade nunca equivaleu a uma declaração de perfeição pessoal.”
    Além disto, tomando como exemplo São João Paulo II, é necessário analisar na vida pregressa do santificável se houve efetivamente algum histórico de abuso sexual em seu comportamento, o não foi o caso deste papa.
    Demais decisões tomadas por ele com relação a outros padres ou bispos ou cardeais não podem e não devem ser levadas em conta, uma vez que (a menos provado o contrário) são julgamentos sujeitos a falhas de informações ou mesmo de julgamentos, próprios das imperfeições humanas.
    Como exemplo ainda, temos o caso de Pio XII que, embora não tenha sido beatificado, aplicaram sobre ele calúnias de colaboração com o regime nazista simplesmente por ter sido Núncio Apostólico na Baviera e depois Cardeal Camerlengo, quando promoveu concordatas com diversos países na Europa inclusive na Alemanha.
    Se futuramente surgirem milagres comprovados, atribuídos a Pio XII, algo extraordinário e realmente comprovado, como devem ser os milagres, a sua santificação jamais poderia ser contestada baseada num histórico de calúnias e difamações criadas sabida e propositalmente por elementos sinistros da esquerda que abundam o planeta.

    Curtir

  2. Na minha opinião, o critério para as “novas” canonização, pós CVII não ficaram claras o suficiente. Neste caso em específico pode ser um exemplo disso ou seja insegurança, por outro lado pode ser também um típico caso de “queima de reputação” de uma pessoa idônea.

    Curtir

  3. Nao entendi esse trecho:

    “E se, de fato, pudermos mostrar que São Carlos Borromeu acobertou uma acusação de abuso, ou Santo Inácio de Loyola, ou qualquer outra figura referenciada que alguma vez esteve responsável pelo clero?”

    É de se perguntar como algo tão contrário à justiça e à caridade possa constar na agenda de algum Santo de Deus.

    Parece que o articulista quer livrar a cara de Montini, Wojtyla e outros desastres ecológicos do mesmo tipo. E começa, como novo Descartes da eclesiolândia dos palpiteiros, a duvidar de tudo.

    Curtir

  4. “Santidade nunca equivaleu a uma declaração de perfeição pessoal. Ela se assemelha mais a um reconhecimento de que a santidade é alcançável, mesmo em meio a falhas e dificuldades.”
    É sério isso?
    Não é jornalista católico, certo?

    Curtir

  5. As canonizações, após vaticano II, são muito duvidosas. Canonizar, por exemplo, Paulo VI, que, após a sua morte, deixou a Igreja num total caos, fica evidente que a mesma não tem nada a ver com a santidade. Da mesma forma canonizar João Paulo II que normatizou, o caos deixado por Paulo VI, no novo código do direito canónico e no novo catecismo, é outra evidência que as mesmas não têm nada a ver com a santidade, mas simplesmente é um gesto politico que visa, indirectamente, salvar o Vaticano II. A mensagem é simples: Como o Vaticano II é maus, se nos deu papas santos? É esta mensagem que está por detrás destas canonizações.

    Curtir

  6. Estão é preocupados de beatificar um santo de verdade. Essa turma apóstata se deu conta de que um beato com D. Fulton Sheen neste momento não ajuda seus planos de destruição da Igreja (e edificação da falsa igreja, a toqude caixa). É um vale-tudo. Essas declarações já dão o tom de que mancharão a reputação deste e de todos aqueles que demonstrarem real santidade. Valerão apenas santos que combinem com suas causas..mas, no céu, quem é santo o é mesmo, independente de canonização. E, se pensar bem, canonização de falso papa não ia valer mesmo…

    Curtir

  7. Os objetivos desse artigo são muito obscuros!

    Para mim é um futuro ataque a TODA Igreja.

    Logo virá ataques até mesmo contra os apóstolos: Onde serão criadas farsantes “descobertas arqueológicas” onde São Paulo será acusado de abusar de menores, também São Pedro, São Mateus, etc etc etc.

    Até mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo será acusado falsamente de abusador nas mão desses anti Deus que de forma estratégica estão pretendendo varre o cristianismo da fase da terra.

    PS: O tal “Porta dos Fundos” fez um episodio onde coloca Jesus Cristo como homossexual. Quem garante, confirmando o que estou dizendo, eles não venham a fazer um episodio colocando Nosso Senhor e os apóstolos como abusadores de menores?

    Curtir

Os comentários estão desativados.