Dom Viganò: “Do Vaticano II em diante foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo”.

9 de Junho de 2020
Santo Efrém

 

Li com muito interesse o ensaio de S.E. Athanasius Schneider publicado, no LifeSiteNews, a 1 de Junho, e posteriormente traduzido por Chiesa e post Concilio, intitulado Não há vontade divina positiva nem direito natural para a diversidade de religiões. O estudo de Sua Excelência compendia, com a clareza que distingue as palavras daqueles que falam segundo Cristo, as objecções à suposta legitimidade ao exercício da liberdade religiosa que o Concílio Vaticano II teorizou, contradizendo o testemunho da Sagrada Escritura, a voz da Tradição e o Magistério Católico, que de ambos é guardião.

O mérito deste ensaio reside, antes de tudo, em ter sido capaz de alcançar a relação causal entre os princípios enunciados ou implicados pelo Vaticano II e o seu consequente e lógico efeito nos desvios doutrinários, morais, litúrgicos e disciplinares que surgiram e se desenvolveram progressivamente até hoje. O monstrum gerado nos círculos dos modernistas poderia, a princípio, ser enganoso, mas, crescendo e fortalecendo-se, hoje mostra-se como realmente é na sua natureza subversiva e rebelde. A criatura, então concebida, é sempre a mesma e seria ingénuo pensar que a sua natureza perversa poderia mudar. As tentativas de corrigir os excessos conciliares – invocando a hermenêutica da continuidade – revelaram-se falhadas: Naturam espellas furca, tamen usque recurret (Horácio Epist. I, 10:24). A Declaração de Abu Dhabi e, como Mons. Schneider justamente observa, os seus prenúncios do pantheon de Assis, «foi concebida no espírito do Concílio Vaticano II», como confirma orgulhosamente Bergoglio.

Este “espírito do Concílio” é a licença de legitimidade que os modernistas opõem aos críticos, sem perceberem que é precisamente confessando aquele legado que se confirma não apenas a erroneidade das declarações actuais, mas também a matriz herética que deveria justificá-las. A bem dizer, nunca na vida da Igreja houve um Concílio que representasse um tal evento histórico a ponto de torná-lo diferente dos outros: nunca foi dado um “espírito do Concílio de Nicéia”, nem o “espírito do Concílio de Ferrara-Florença” e muito menos o “espírito do Concílio de Trento”, assim como nunca tivemos um “pós-concílio” depois do IV de Latrão ou do Vaticano I.

O motivo é evidente: aqueles Concílios eram todos, indistintamente, a expressão da voz uníssona da Santa Madre Igreja e, por essa mesma razão, de Nosso Senhor Jesus Cristo. Significativamente, aqueles que apoiam a novidade do Vaticano II também aderem à doutrina herética que vê contraposto o Deus do Antigo Testamento ao Deus do Novo, como se se pudesse dar uma contradição entre as Divinas Pessoas da Santíssima Trindade. Evidentemente, essa contraposição, quase gnóstica ou cabalística, é funcional para a legitimação de um novo sujeito deliberadamente diferente e oposto em relação à Igreja Católica. Os erros doutrinários quase sempre traem também uma heresia trinitária e é, portanto, retornando à proclamação do dogma trinitário que se poderão dispersar as doutrinas que a ele se opõem: ut in confessione veræ sempiternæque deitatis, et in Personis proprietas, et in essentia unitas, et em majestate adoretur æqualitas. Ao professar a verdadeira e eterna divindade, adoramos a propriedade das divinas Pessoas, a unidade na sua essência, a igualdade na sua majestade.

Mons. Schneider cita alguns cânones dos Concílios Ecuménicos que propõem, no seu dizer, doutrinas dificilmente aceitáveis hoje, como a obrigação de reconhecer os Judeus através do vestuário ou a proibição de os cristãos serem empregados de patrões maometanos ou hebreus. Entre estes exemplos, há também a necessidade da traditio instrumentorum, declarada pelo Concílio de Florença, posteriormente corrigida pela Constituição Apostólica Sacramentum Ordinis de Pio XII. O Bispo Athanasius comenta: «Pode-se legitimamente esperar e acreditar que um futuro papa ou concílio ecuménico corrigirá as afirmações erróneas pronunciadas» pelo Vaticano II. Parece-me um argumento que, mesmo com a melhor das intenções, mina as fundações do edifício católico. Se, de facto, admitirmos que possam haver actos magisteriais que, por uma alterada sensibilidade, sejam, com o passar do tempo, susceptíveis de revogação, de modificação ou de diferente interpretação, caímos inexoravelmente sob a condenação do Decreto Lamentabili e acabamos por dar razão a quem, recentemente, precisamente com base naquela tese errónea, declarou “não conforme ao Evangelho” a pena capital, chegando a alterar o Catecismo da Igreja Católica. E, de certa maneira, poderíamos, pelo mesmo princípio, acreditar que as palavras do Beato Pio IX, na Quanta cura, foram, de alguma forma, corrigidas precisamente no Vaticano II, tal como Sua Excelência espera que possa acontecer com a Dignitatis humanæ. Dos exemplos que usou, nenhum é, por si só, gravemente erróneo ou herético: ter declarado necessária a traditio instrumentorum para a validade da Ordem não comprometeu, de forma algum, o ministério sacerdotal na Igreja, levando-a a conferir invalidamente as Ordens. Também não me parece que se possa afirmar que este aspecto, por mais importante que seja, tenha insinuado doutrinas erróneas nos fiéis, algo que apenas aconteceu com o último Concílio. E quando, no curso da História, as heresias se espalharam, a Igreja sempre interveio prontamente para condená-las, como aconteceu no tempo do Sínodo de Pistoia, de 1786, que foi, de alguma forma, precursor do Vaticano II, especialmente onde aboliu a Comunhão fora da Missa, introduziu a língua vernácula e aboliu as orações em voz baixa do Cânone; mas ainda mais quando teorizou as bases da colegialidade episcopal, limitando o primado do Papa a mera função ministerial. Reler os actos desse Sínodo deixa-nos estupefactos com a formulação servil dos erros que, posteriormente, encontraremos, ainda maiores, no Concílio presidido por João XXIII e Paulo VI. Por outro lado, como a Verdade bebe de Deus, o erro nutre-se e alimenta-se no Adversário, que odeia a Igreja de Cristo e o seu coração, a Santa Missa e a Santíssima Eucaristia.

Chega um momento na nossa vida em que, por disposição da Providência, somos confrontados com uma escolha decisiva para o futuro da Igreja e para a nossa salvação eterna. Falo da escolha entre compreender o erro em que praticamente todos nós caímos, e quase sempre sem más intenções, e o querer continuar a procurar noutro lugar ou justificar-nos a nós mesmos.

Entre outros erros, também cometemos aquele de considerar os nossos interlocutores pessoas que, apesar da diversidade das ideias e da fé, animadas por boas intenções e que, quando se abrissem à nossa fé, estariam dispostas a corrigir os seus erros. Juntamente com numerosos Padres conciliares, pensámos no ecumenismo como um processo, um convite que chama os dissidentes à única Igreja de Cristo; os idólatras e os pagãos ao único Deus verdadeiro; o povo judeu ao Messias prometido. Mas, a partir do momento em que foi teorizado nas Comissões conciliares, passou a estar em oposição directa à doutrina até então expressa no Magistério.

Pensávamos que certos excessos fossem apenas um exagero daqueles que se deixaram levar pelo entusiasmo da novidade; acreditamos sinceramente que ver João Paulo II rodeado por homens santarrões, bonzinhos, imãs, rabinos, pastores protestantes e outros hereges fosse prova da capacidade da Igreja de convocar as pessoas para invocar a paz de Deus, enquanto que o exemplo autorizado daquele gesto deu início a uma sequência desviante de pantheon mais ou menos oficiais, chegando-se até a ver ser transportado aos ombros de alguns Bispos o ídolo imundo da pachamama, sacrilegamente dissimulado sob a presumida aparência de uma sagrada maternidade. Mas se o simulacro de uma divindade infernal foi capaz de entrar em São Pedro, tal faz parte de um crescendo previsto desde o início. Numerosos Católicos praticantes, e talvez até grande parte dos próprios clérigos, estão hoje convencidos de que a Fé Católica já não é necessária para a salvação eterna; acredita-se que o Deus Uno e Trino, revelado aos nossos pais, seja o mesmo deus de Maomé. Ouvia-se repeti-lo dos púlpitos e das cátedras episcopais já há vinte anos, mas recentemente ouve-se afirmar com ênfase até do mais alto Trono.

Sabemos bem que, suportados pelo dito evangélico Littera enim occidit, spiritus autem vivificat, os progressistas e os modernistas souberam ocultar astuciosamente, nos textos conciliares, aquelas expressões ambíguas que, à época, pareciam inofensivas para a maioria, mas que hoje se manifestam na sua valência subversiva. É o método do subsistit in: dizer uma meia verdade não tanto para não ofender o interlocutor (assumindo que seja lícito silenciar a verdade de Deus por respeito a uma Sua criatura), mas com o objectivo de poder usar o meio erro que a verdade inteira dissiparia instantaneamente. Assim, “Ecclesia Christi subsistit na Ecclesia Catholica” não especifica a identidade das duas, mas a existência de uma na outra e, por consistência, também noutras igrejas: eis a passagem aberta às celebrações interconfessionais, às orações ecuménicas, ao fim implacável da necessidade da Igreja em ordem à salvação, da sua singularidade, da sua missionariedade.

Alguns talvez se recordarão que os primeiros encontros ecuménicos eram realizados com os cismáticos do Oriente e, muito prudentemente, com algumas seitas protestantes. Com excepção da Alemanha, da Holanda e da Suíça, os países de tradição católica não acolheram, desde o princípio, as celebrações mistas, com pastores e párocos juntos. Lembro-me que, na época, se falava em remover a penúltima doxologia do Veni Creator para não ferir os Ortodoxos, que não aceitam o Filioque. Hoje, ouvimos recitar as suras do Alcorão dos púlpitos das nossas igrejas, vemos um ídolo de madeira ser adorado por freiras e frades, ouvimos Bispos desdizer o que, até ontem, nos pareciam as desculpas mais plausíveis de tantos extremismos. O que o mundo quer, por instigação da Maçonaria e dos seus tentáculos infernais, é criar uma religião universal, humanitária e ecuménica em que seja banido aquele Deus ciumento que nós adoramos. E se é isto que o mundo quer, qualquer passo na mesma direcção por parte da Igreja é uma escolha infeliz que se voltará contra aqueles que acreditam que podem brincar com Deus. As esperanças da Torre de Babel não podem ser trazidas de volta à vida por um plano globalista que tem como objectivo a eliminação da Igreja Católica para substituí-la por uma confederação de idólatras e hereges unidos pelo ambientalismo e pela fraternidade humana. Não pode haver nenhuma fraternidade senão em Cristo, e só em Cristo: qui non est mecum, contra me est.

É desconcertante que, desta corrida rumo ao abismo, estejam cientes tão poucos e que poucos tenham consciência de qual é a responsabilidade dos líderes da Igreja em apoiar estas ideologias anticristãs, como se quisessem garantir um espaço e um papel na carruagem do pensamento único. E surpreende que ainda persistam em não querer investigar as causas primeiras da crise presente, limitando-se a deplorar os excessos de hoje como se não fossem a consequência lógica e inevitável de um plano orquestrado há décadas atrás. Se a pachamama pôde ter sido adorada numa igreja, devemo-lo à Dignitatis humanae. Se temos uma liturgia protestante e, às vezes, até paganizada, devemo-lo às acções revolucionárias de Mons. Annibale Bugnini e às reformas pós-conciliares. Se se assinou o Documento de Abu Dhabi, deve-se à Nostra Aetate. Se chegamos a delegar as decisões nas Conferências Episcopais – mesmo em gravíssima violação da Concordata, como aconteceu em Itália –, devemo-lo à colegialidade e à sua versão actualizada da sinodalidade. Graças à qual nos encontramos, com a Amoris Laetitia, a dever procurar uma maneira de impedir que aparecesse o que era evidente a todos, ou seja, que aquele documento, preparado por uma impressionante máquina organizacional, deveria legitimar a Comunhão aos divorciados e concubinários, assim como a Querida Amazónia será usada como legitimação de mulheres sacerdotes (o caso de uma “vigária episcopal”, em Friburgo, é muito recente) e a abolição do Sagrado Celibato. Os Prelados que enviaram os Dubia a Francisco, na minha opinião, demonstraram a mesma piedosa ingenuidade: pensar que, quando confrontado com a contestação argumentada do erro, Bergoglio teria compreendido, corrigido os pontos heterodoxos e pedido perdão.

O Concílio foi usado para legitimar, no silêncio da Autoridade, os desvios doutrinais mais aberrantes, as inovações litúrgicas mais ousadas e os abusos mais inescrupulosos. Este Concílio foi tão exaltado a ponto de ser indicado como a única referência legítima para os Católicos, clérigos e bispos, obscurecendo e conotando com um senso de desprezo a doutrina que a Igreja sempre ensinara com autoridade e proibindo a perene liturgia que, por milénios, havia alimentado a fé de uma ininterrupta geração de fiéis, mártires e santos. Entre outras coisas, este Concílio provou ser o único que põe tantos problemas interpretativos e tantas contradições em relação ao Magistério precedente, enquanto não há um – do Concílio de Jerusalém ao Vaticano – que se não harmonize perfeitamente com todo o Magistério e que precise de alguma interpretação.

Confesso-o com serenidade e sem controvérsia: fui um dos muitos que, apesar de muitas perplexidades e medos, que hoje se mostram absolutamente legítimos, confiaram na autoridade da Hierarquia com uma obediência incondicional. Na realidade, penso que muitos, e eu entre eles, não considerámos inicialmente a possibilidade de um conflito entre a obediência a uma ordem da Hierarquia e a fidelidade à própria Igreja. Para tornar tangível a separação inatural, ou melhor, diria perversa, entre Hierarquia e Igreja, entre obediência e fidelidade, foi certamente este último Pontificado.

Na sala das lágrimas, adjacente à Capela Sistina, enquanto Mons. Guido Marini preparava o roquete, a mozeta e a estola para a primeira aparição do “neo-eleito” Papa, Bergoglio exclamou: “O carnaval acabou!”, recusando, com desdém, as insígnias que todos os Papas até então humildemente aceitaram como distintivas do Vigário de Cristo. Mas naquelas palavras havia algo de verdadeiro, mesmo que dito involuntariamente: a 13 de Março de 2013 caía a máscara dos conspiradores, finalmente livres da desconfortável presença de Bento XVI e descaradamente orgulhosos de terem finalmente conseguido promover um Cardeal que encarnava os seus ideais, o seu modo de revolucionar a Igreja, de tornar preterível a doutrina, adaptável a moral, adulterável a liturgia, revogável a disciplina. E tudo isto foi considerado, pelos próprios protagonistas da conspiração, a consequência lógica e a aplicação óbvia do Vaticano II, segundo eles enfraquecido precisamente pelas críticas expressas pelo próprio Bento XVI. A maior afronta daquele Pontificado foi a liberalização da veneranda Liturgia Tridentina, à qual era finalmente reconhecida legitimidade, interrompendo cinquenta anos de ilegítimo ostracismo. Não é por acaso que os apoiantes de Bergoglio são os mesmos que vêem no Concílio o primeiro evento de uma nova igreja, antes da qual havia uma velha religião com uma velha liturgia. Não é precisamente por acaso: aquilo que afirmam impunemente, provocando o escândalo dos moderados, é o que crêem também os Católicos, a saber: que, apesar de todas as tentativas de hermenêutica da continuidade miseravelmente naufragadas no primeiro confronto com a realidade da crise presente, é inegável que, do Vaticano II em diante, foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo. Essa obscureceu progressivamente a divina instituição fundada por Nosso Senhor para substituí-la por uma entidade bastarda, correspondente à desejada religião universal que foi inicialmente teorizada pela Maçonaria. Expressões como novo humanismofraternidade universaldignidade do homem são palavras de ordem do humanitarismo filantrópico que nega o verdadeiro Deus, da solidariedade horizontal de errante inspiração espiritualista e do irenismo ecuménico que a Igreja condena sem apelo. «Nam et loquela tua manifestum te facit» (Mt 26, 73): este recurso frequente, quase obsessivo, ao mesmo vocabulário do inimigo revela a adesão à ideologia em que esse se inspira; por outro lado, a renúncia sistemática à linguagem clara, inequívoca e cristalina própria da Igreja confirma a vontade de se destacar não apenas da forma católica, mas também da sua substância.

Aquilo que, desde há anos, ouvimos enunciado, vagamente e sem claras conotações, do mais alto Trono, encontramo-lo elaborado num verdadeiro e próprio manifesto dos apoiantes do actual Pontificado: a democratização da Igreja não mais pela colegialidade inventada pelo Vaticano II, mas o synodal path inaugurado no Sínodo sobre a Família; a demolição do sacerdócio ministerial através do seu enfraquecimento, com as derrogações do Celibato eclesiástico e a introdução de figuras femininas com funções quase sacerdotais; a passagem silenciosa do ecumenismo dirigido aos irmãos separados a uma forma de pan-ecumenismo que abaixa a Verdade do único Deus Uno e Trino ao nível das idolatrias e das superstições mais infernais; a aceitação de um diálogo inter-religioso que pressupõe o relativismo religioso e exclui o anúncio missionário; a desmistificação do Papado, perseguida pelo próprio Bergoglio como cifra do Pontificado; a progressiva legitimação do politically correct: ideologia de género, sodomia, casamentos homossexuais, doutrinas malthusianas, ecologismo, imigracionismo… Não reconhecer as raízes destes desvios nos princípios estabelecidos pelo Concílio impossibilita qualquer cura: se o diagnóstico persistir contra as evidências para excluir a patologia inicial, não pode formular uma terapia adequada.

Esta operação de honestidade intelectual requer uma grande humildade, antes de tudo no reconhecer ter sido enganados durante décadas, em boa fé, por pessoas que, constituídas em autoridade, não foram capazes de vigiar e guardar o rebanho de Cristo: aqueles que vivem em silêncio, alguns por muitos compromissos, outros por conveniência, outros por má-fé ou até mesmo por dolo. Estes últimos, que traíram a Igreja, devem ser identificados, censurados, convidados a emendar-se e, se não se arrependerem, expulsos do recinto sagrado. Assim age um verdadeiro Pastor, que se preocupa com a saúde das ovelhas e que dá a vida por elas; tivemos e ainda temos muitos mercenários para quem a anuência dos inimigos de Cristo é mais importante que a fidelidade à Sua Esposa.

Eis como, com honestidade e serenidade, obedeci, há sessenta anos, a ordens questionáveis, acreditando que representassem a voz amorosa da Igreja, e hoje, com igual serenidade e honestidade, reconheço que me deixei enganar. Ser coerente hoje em dia, perseverando no erro, representaria uma escolha infeliz e tornar-me-ia cúmplice desta fraude. Reivindicar uma lucidez de julgamento desde o início não seria honesto: sabíamos todos que o Concílio representaria, mais ou menos, uma revolução, mas não podíamos imaginar que tal se revelaria tão devastadora, mesmo para o trabalho daqueles que deveriam tê-lo evitado. E se até Bento XVI ainda poderíamos imaginar que o golpe de estado do Vaticano II (que o cardeal Suenens definiu o 1789 da Igreja) conheceria uma desaceleração, nos últimos anos, mesmo os mais ingénuos dentre nós compreenderam que o silêncio, por medo de suscitar um cisma, a tentativa de ajustar os documentos papais no sentido católico para remediar a ambiguidade pretendida, os apelos e os dubia a Francisco, deixados eloquentemente sem resposta, são uma confirmação da situação de gravíssima apostasia à qual estão expostos os líderes da Hierarquia, enquanto o povo cristão e o clero se sentem irremediavelmente afastados e considerados quase com aborrecimento por parte do Episcopado.

A Declaração de Abu Dhabi é o manifesto ideológico de uma ideia de paz e de cooperação entre as religiões que pode ter alguma possibilidade de tolerância se vier de pagãos, privados da luz da Fé e do fogo da Caridade. Mas quem tem a graça de ser filho de Deus, em virtude do Santo Baptismo, deveria ficar horrorizado só com a ideia de poder construir uma blasfema Torre de Babel numa versão moderna, tentando reunir a única verdadeira Igreja de Cristo, herdeira das promessas do Povo eleito, com aqueles que negam o Messias e com aqueles que consideram blasfema só a ideia de um Deus Trino. O amor de Deus não conhece medidas e não tolera compromissos, caso contrário simplesmente não é Caridade, sem a qual não é possível permanecer n’Ele: qui manet in caritate, in Deo manet, et Deus in eo. Pouco importa se é uma declaração ou um documento magisterial: sabemos muito bem que a mens subversiva dos modernistas aposta precisamente nestes cavalos para difundir o erro. E sabemos muito bem que o objectivo destas iniciativas ecuménicas e inter-religiosas não é converter a Cristo quantos estão distantes da única Igreja, mas desviar e corromper aqueles que ainda conservam a Fé católica, levando-os a acreditar ser desejável uma grande religião universal que une “numa única casa” as três grandes religiões abraâmicas: este é o triunfo do plano maçónico em preparação para o reino do Anticristo! Que isto se concretize com uma Bula dogmática, com uma declaração ou com uma entrevista de Scalfari no Repubblica, pouco importa, porque as palavras de Bergoglio são esperadas pelos seus apoiantes como um sinal, ao qual responder com uma série de iniciativas já preparadas e organizadas anteriormente. E se Bergoglio não segue as indicações recebidas, multidões de teólogos e clérigos já estão prontos a lamentar-se da “solidão do Papa Francisco”, qual premissa para a sua demissão (por exemplo, penso em Massimo Faggioli num dos seus recentes escritos). Por outro lado, não seria a primeira vez que estes usam o Papa quando favorece os seus planos e se livram dele ou atacam-no assim que se afasta.

A Igreja celebrou, no passado domingo, a Santíssima Trindade e propõe-nos, no Breviário, a recitação do Symbolum Athanasianum, agora proscrito pela liturgia conciliar e já confinado a apenas duas ocasiões na reforma de 1962. Daquele Símbolo, agora desaparecido, permanecem gravadas em letras de ouro as primeiras palavras: «Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est ut teneat Catholicam fidem; quam nisi quisque integram invioletamque servaverit, absque dubio in aeternum peribit».

 Carlo Maria Viganò

Fonte: Dies Irae

20 comentários sobre “Dom Viganò: “Do Vaticano II em diante foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo”.

  1. Meu Deus tenha miseticórdia de nós!!! Q a Mãe da Igreja proteja os cristãos !!!!

    Curtir

  2. Caros Fratres;

    Em meio às lágrimas de comoção e, digamos “santo espanto”, pude encontrar as críticas que vários de meus irmãos no Sacerdócio e este que aqui lhes escreve, notamos no malfadado “Concílio das Maravilhas”!
    Pela primeira vez em meus 55 anos de Sacerdócio vejo um alto dignatário da Hierarquia Católica afirmar, sem nenhuma “diplomacia”, ou dubiedade, as heresias emanadas daquele conciliábulo.
    Chega de falsa “hermenêutica da continuidade”!
    Há uma clara ruptura e contradição entre a Igreja Católica e a igreja conciliar!
    Tão evidente como a diferença entre Luz e trevas, entre Verdade e erro!
    Durante muitos anos alguns desses meus irmãos e eu continuamos a rezar a Missa Católica (ainda que de forma “discreta e reservada”, como nos aconselhara nosso santo Bispo – que também o fazia!), reclusos em capelas privadas, ou, como em meu caso, rezava no Altar-mor de minha Matriz, com as portas fechadas e sequer sem assistência de um coroinha!
    Quanto sofremos!
    Em nome da obediência fomos obrigados a conviver com a heresia.
    Eu NUNCA rezei o “novo ofertório”, tampouco JAMAIS pronunciei nenhuma das “novas orações eucarísticas”, sequer usava aqueles blasfemos jornaizinhos dominicais, cuja parte final trazia instigações políticas e heresias explícitas!
    Procurei conservar em minha Paróquia a Fé Católica, enquanto pude!
    Por isso, vários irmãos no Sacerdócio e eu fomos “aposentados”, porque nossa “prática pastoral” era oposta à da diocese!
    Ao ler esta declaração de um alto hierarca afirmando que há uma nova igreja, a “igreja conciliar” que, falsamente usurpou a Verdadeira Igreja de Cristo, faz-me sentir o início de um processo de correção daquilo que destroçou nossa Santa Fé!
    Agradeço por ver este reinício dos combates aos erros conciliares, sobretudo na festa de Santo Antônio, o “martelo das heresias”!
    Que o Bom Deus tenha piedade de nós!
    Imaculado e Doloroso Coração de Maria, rogai por nós e triunfai sobre o inimigo das almas!

    Curtir

    1. Senhor Padre José Antônio, com todo respeito, não foi Monsenhor Lefebvre o primeiro que bradou essas verdades em completo desassombro, custando-lhe as piores condenações, por defender justamente o que Mons. Viganò, com 50 anos de atraso, descobriu?

      Curtir

  3. Descobri que estão fazendo lá em Moscou o mesmo que a PUCRS de Porto Alegre: transformando a Teologia em matéria “científica” e do mesmo status que outras matérias elencadas numa “Escola de Humanidades”!! Pergunto: o que Moscou e Porto Alegre têm em comum para um projeto tão igual, já instalado aqui?? Resposta possível: a Maçonaria com sua globalista ideologia de “humanismo” substituindo o Cristianismo e todas as religiões…”Humanismo”, a estratégia global maçônica e etc, do Anticristo.A “capela” redonda ocultista da PUCRS já foi transformada em salão de meditações e o Santíssimo retirado de lá há tempos, então o projeto aqui é bem adiantado. Resumindo outras considerações: também álibe das manobras do próprio Concilio Vaticano II, o tal “Movimento Modernista” é estratégico e de origem ocultista satânica para “desconstruir” e destruir toda cultura milenar e divergente dos propósitos muito mais perversos do que o simples globalismo das forças por trás do deep state e da deep church…etc…quem puder entenda.

    Curtir

    1. O Leão de Campos ainda ruge, mesmo que no silêncio da cova — a voz da lágrima de Dom Antônio Castro Mayer está clamando a todos desde a terra, o dia de pagar pelas ofensas ao Nosso Senhor Eucarístico está logo à porta do átrio deste 8 de dezembro de 65, dia maldito que nunca acabou.

      Curtir

  4. Só resta saber que o fará o Mons. Viganò agora…

    Diante dessa explosiva crítica ao Vaticano II, nunca suficientemente amaldiçoado (nas palavras de sedevacantistas), fiquei curioso para saber que rumo tomará Mons. Viganò: aderirá aos filhos de Mons. Lefebvre ou ao movimento sedevacantista?!?
    Só uma dessas atitudes será condizente com o seu pronunciamento. Se ele nada fizer, e ficar somente nas palavras, será decepcionante e suas palavras terão sido letras mortas!

    Aguardando, ansioso, os próximos capítulos!

    Curtir

    1. Pelo histórico do arcebispo (Vatileaks e outros enfrentamentos “políticos”), ficará nas palavras, pois parece-me que aproveitou a ocasião para atacar os Papas que não lhe fizeram cardeal apesar da bela carreira (exclusivamente) diplomática.

      Curtir

  5. Na minha opinião, um dos melhores textos já replicados aqui no Fratres. Caberia escrever muito sobre ele. Destaco o trecho abaixo:

    “…aqueles que vivem em silêncio, alguns por muitos compromissos, outros por conveniência, outros por má-fé ou até mesmo por dolo. Estes últimos, que traíram a Igreja, devem ser identificados, censurados, convidados a emendar-se e, se não se arrependerem, expulsos do recinto sagrado. Assim age um verdadeiro Pastor, que se preocupa com a saúde das ovelhas e que dá a vida por elas; tivemos e ainda temos muitos mercenários para quem a anuência dos inimigos de Cristo é mais importante que a fidelidade à Sua Esposa”

    O clero atual precisa fazer esse mesmo caminho interno, e com coragem e honestidade intelectual própria de servos de Cristo, reconhecer onde errou e onde se deixou errar. À essa altura do campeonato, não acredito mais na inocência e bom mocismo de ninguém, nem dos Papas já falecidos!Tem que se apontar para o Lobo e quem quis agir como pastor de verdade! Quando o João XXIII disse que a “Igreja não condena mais preferindo a misericórdia” e denunciando “os profetas do apocalipse” em alusão à mensagem de Fátima, que a Igreja se tornou refém dela mesma e vivemos hoje o pico dessa crise ( Não do covid) com o papa Francisco.

    Curtir

  6. Esta aí uma voz diferente daquelas já conhecidas marginalizadas incansáveis e e fervorosas vozes dos Bispos e padres da FSSPX e outras (que jamais deixaram de dizer estas coisas). Está agora um outro Bispo a abertamente falar.
    Os neoconservadores muito contentes com um modernismo disfarçado de tradição ficam perplexos de ver um Bispo ir aonde eles abominavam… Será que também o chamarão de cismatico como o Cardeal Burke faz com a FSSPX ?

    Será Mons Vigano mais um que clamará no deserto e ninguém irá ver ? Será que os neoconservadores ficaram ainda presos aos outros que negociam com o modernismo e se negam a ir aonde é necessário, e ainda mandam que não se vá ao deserto ?

    Lembremo-nos das palavras de Nosso Senhor sobre o tratamento que deram a São João Batista.

    Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
    Mas, a quem assemelharei esta geração? É semelhante aos meninos que se assentam nas praças, e clamam aos seus companheiros,
    E dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.
    Porquanto veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio.
    Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores. Mas a sabedoria é justificada por seus filhos.
    Então começou ele a lançar em rosto às cidades onde se operou a maior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido, dizendo:
    Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza.
    Por isso eu vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidom, no dia do juízo, do que para vós.
    E tu, Cafarnaum, que te ergues até ao céu, serás abatida até ao inferno; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje.
    Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti.

    Mateus 11:15-24

    Curtir

  7. “Do Vaticano II em diante foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo”. ATÉ QUE ENFIM ALGUÉM COMO CORAGEM APOSTÓLICA PRA DENUNCIAR ISSO. So não vê quem é cego.

    Curtir

  8. É hora de mandar o vaticano 2 e seus ímpios promotores para a lata de lixo da história! Chega de heresia no templo de Deus!

    Curtir

  9. Eu só posso imaginar o rombo que esse texto causou no Vaticano, como eu queria ser uma mosquinha romana…
    Aos poucos os “fracassados” se juntam ao Exército do Senhor, eram os anti-helenistas, os poucos fracassados de outrora, mas juntos sob o estandarte negro do Deus de Israel, destruiu os maculados hebreus e expulsou os invasores estrangeiros; a Igreja hoje está prestes aos Macabeus, só nos falta os santos irmãos, os martelos do Senhor, para destruir os ídolos e vencer os inimigos da Casa de Israel.
    Já temos a profanação, temos os mártires, temos os profetas silenciados, temos os soldados sem armas, e mais, temos os invasores e seus aliados internos; quanto teremos de esperar pelos juízes de Israel? Que Deus tenha misericórdia do Seu Povo, não merecemos, mas pedimos mesmo assim!

    Curtir

  10. Reverendíssimo Padre José Antônio,
    Sua bênção!
    Agradeço a sua sinceridade.
    E gostaria de lhe fazer uma pergunta.
    Não é necessário muito esforço para ver a crise e o caminho inédito tomado pela igreja pós-conciliar. Mesmo cegos e surdos, se tiverem um pouco de boa vontade, conseguem enxergar e ouvir, que há uma ruptura entre a Igreja antes e depois do Vaticano II.
    O senhor nos disse que sempre celebrou, de forma discreta, a Santa Missa Tradicional. E que nunca, nas celebrações do novo ordinário, usou as novas orações eucarísticas nem o novo ofertório.
    Contudo, minha dúvida é acerca da sua consciência. Como o senhor consegue suportar há 55 anos essa situação? Como suportar que há uma igreja antes e depois do Concílio? Uma Missa nova e dessacralizada e a Missa de sempre? Doutrinas novas que contradizem o Magistério de sempre da Igreja? Como a sua consciência consegue suportar toda essa contradição?
    Estou perguntando isso por mim mesmo, pois às vezes sinto que não suportarei todas essas dúvidas.
    Talvez, o senhor nuna tenha nem quisto pensar nisso, mas é a minha própria consciência que me acusa, que me angustia. Por isso, essa pergunta é também para mim. Gostaria também de saber como lidar com essa situação, pois às vezes acho que vou enlouquecer…
    Desculpe querer conhecer os segredos da sua consciência!
    Salve Maria Santíssima, nossa Mãe, nossa Esperança!

    Curtir

  11. “Na sala das lágrimas, adjacente à Capela Sistina, enquanto Mons. Guido Marini preparava o roquete, a mozeta e a estola para a primeira aparição do “neo-eleito” Papa, Bergoglio exclamou: “O carnaval acabou!”, recusando, com desdém, as insígnias que todos os Papas até então humildemente aceitaram como distintivas do Vigário de Cristo.”
    Alguma fonte confiável confirmou essa declaração? Até o que me conste, a fala foi veemente desmentida pelos meios de comunicação. Usar esse argumento enfraquece a credibilidade do texto

    Curtir

  12. Isso foi realmente escrito por Vigano? É basicamente uma declaração de guerra contra o papa Francisco.
    Eu acho que nunca vi um texto tão duro escrito por um bispo.
    Não estou reclamando, mas surpreende.

    Curtir

  13. Muito boa tarde a todos e
    Salve Maria.

    O link abaixo é de um vídeo de uma senhora que atende pelo nome de Helga e que está erradicada em Espanha; nele, essa mesma senhora lê uma troca de correspondência entre Viganò e uma monja enclausurada.

    A impressão que tenho é a de que, no futuro, com a percepção da gravidade do problema que afeta a Igreja, a única alternativa aos que pretendem se manter fiéis será reconhecer a apostasia daqueles que ocupam cargos dentro da hierarquia e, assim, não se submeter de maneira alguma à essa pretensa autoridade pois, de fato e de direito, não a teriam.

    O mal precisa ser expurgado de dentro da Igreja, com Rosários e Látegos!

    Originalmente, os méritos são do vaticanista Marco Tossati, publicizados por Stilum Curiae.

    Reparem no que Viganò diz a partir de 11:15 , principalmente.

    Curtir

    1. Espantosa a resposta de Mons. Viganò à monja de clausura. Ele entendeu a crise toda, parece que caiu-lhe sobre a cabeça e ele já não a pode negar.
      Pedirei a Deus que, uma vez tendo feito o correto diagnóstico da realidade, ele decida com luz e sabedoria o que fará ora em diante.

      Curtir

Os comentários estão desativados.