Fonte: Dies Irae
Publica-se, a pedido do Arcebispo Carlo Maria Viganò, uma carta que Sua Excelência Reverendíssima enviou, ontem, ao P. Thomas Weinandy, franciscano capuchinho norte-americano, por ocasião do debate iniciado sobre o Concílio Vaticano II.
10 de Agosto de 2020
São Lourenço, mártir
Reverendo Padre Thomas,
Li com atenção o seu ensaio Vatican II and the Work of the Spirit, publicado, a 27 de Julho de 2020, em Inside the Vatican (aqui). Parece-me que o seu pensamento pode ser resumido nestas duas frases:
«Partilho muitas das preocupações expressas e reconheço a validade de algumas problemáticas teológicas e questões doutrinárias enumeradas. Sinto-me, todavia, incomodado em concluir que o Vaticano II seja, de alguma forma, a fonte e a causa directa do actual estado desanimador da Igreja».
Permita-me, Rev. Padre, usar como auctoritas ao responder-lhe a um seu interessante escrito, Pope Francis and Schism, publicado, no passado 8 de Outubro de 2019, em The Catholic Thing (aqui). As suas observações permitem-me evidenciar uma analogia que espero que possa ajudar a esclarecer o meu pensamento e a demonstrar aos nossos leitores que algumas aparentes divergências possam ser resolvidas graças a uma profícua disputatio que tenha como objectivo principal a glória de Deus, a honra da Igreja e a salvação das almas.
Em Pope Francis and the Schism, você observa, muito oportunamente e com a perspicácia que distingue as suas intervenções, que há uma espécie de dissociação entre a persona Papae e Jorge Mario Bergoglio, uma dicotomia em que o Vigário de Cristo se cala e deixa fazer, enquanto fala e age o exuberante argentino que hoje mora em Santa Marta. Referindo-se à gravíssima situação da Igreja na Alemanha, escreve:
«Em primeiro lugar, muitos dentro da hierarquia alemã sabem que, tornando-se cismáticos, perderiam a sua voz e a sua identidade católica. Não se podem permitir a tal. Precisam de estar em comunhão com o Papa Francisco, porque foi precisamente ele que promoveu o conceito de sinodalidade que estão a tentar implementar. Ele é, portanto, o seu último protector.
Em segundo lugar, embora o Papa Francisco possa impedi-los de fazer algo escandalosamente contrário ao ensinamento da Igreja, ele permitirá que façam coisas ambiguamente contrárias, porque tal ensinamento e prática pastoral ambíguos estariam de acordo com os de Francisco. É nisto que a Igreja se encontra numa situação em que nunca esperaria estar».
E ainda:
«É importante recordar que a situação alemã deve ser vista num contexto mais amplo: a ambiguidade teológica dentro de Amoris Laetitia; o avanço não tão subtil da agenda homossexual; a “refundação” do Instituto (romano) João Paulo II sobre o matrimónio e a família, isto é, o enfraquecimento do ensinamento coerente da Igreja sobre os absolutos morais e sacramentais, especialmente no que diz respeito à indissolubilidade do matrimónio, à homossexualidade, à contracepção e ao aborto.
E, ainda, há a afirmação de Abu Dhabi, que contradiz directamente a vontade do Pai e mina o primado de Jesus Cristo, seu Filho, como Senhor definitivo e Salvador universal.
Além disso, o actual Sínodo da Amazónia está repleto de participantes solidários e apoiantes de tudo o que precede. Devemos também levar em conta os muitos cardeais, bispos, sacerdotes e teólogos teologicamente discutíveisque Francisco apoia e promove a altos cargos eclesiais».
E conclui:
«Considerando tudo isto, percebemos uma situação, de intensidade cada vez maior, em que, por um lado, a maioria dos fiéis do mundo – tanto clero como leigos – são leais e fiéis ao Papa, porque ele é o seu pontífice, mesmo se são críticos sobre o seu pontificado, e, por outro lado, um grande número de fiéis do mundo – clero e leigos – que apoiam com entusiasmo Francisco precisamente porque permite e promove o seu ensinamento e práticas eclesiais ambíguas.
Terminar-se-á, portanto, com a Igreja que se encontrará com um papa que é o papa da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, o líder de facto, para todos os efeitos práticos, de uma igreja cismática. Por ser ele o chefe de ambas, permanece o aspecto de uma só igreja, quando, na realidade, são duas».
Tentemos agora substituir o Papa com o Concílio e Bergoglio com o Vaticano II: penso que você achará interessante o paralelismo, quase servil, resultante. De facto, tanto pelo Papado como por um Concílio Ecuménico, o Católico nutre aquela veneração e aquele respeito que a Igreja lhe pede: por um lado, para com o Vigário de Cristo, por outro, por um acto solene do Magistério em que é a voz de Nosso Senhor que fala através do Romano Pontífice e dos Bispos com ele reunidos. Se pensarmos em São Pio V e no Concílio de Trento, ou em Pio IX e no Vaticano I, não será difícil encontrar a perfeita correspondência entre aqueles Papas e o Papado, e entre aqueles Concílios e o Magistério infalível da Igreja. Melhor, só o pensar numa possível dicotomia recairia justamente em sanções canónicas e ofenderia os piedosos ouvidos dos fiéis.
No entanto, como você mesmo releva, com Jorge Mario Bergoglio, nas surreais vestes de Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, «a única expressão que posso encontrar para descrever esta situação é “cisma dentro do Papado”, porque o Papa, precisamente como Papa, será, efectivamente, o líder de um segmento da Igreja que, através da sua doutrina, do ensinamento moral e da estrutura eclesial, é, em todos os efeitos práticos, cismático».
Por isso me pergunto: se você admite, caro Padre Thomas – que prova dolorosa a que a Providência submete a Igreja para puni-la pelos pecados dos seus membros mais indignos e, especialmente, dos seus líderes –, que o próprio Papa está em estado de cisma com a Igreja, ao ponto de poder falar de um «cisma dentro do Papado», por que motivo não pode aceitar que o mesmo aconteceu por um acto solene, como um Concílio, e que o Vaticano II representou um caso de “cisma dentro do Magistério”? Se este Papa pode ser, «em todos os efeitos práticos, cismático» – e eu diria também herege –, porquê que não o pode ter sido também aquele Concílio, não obstante ambos terem sido instituídos por Nosso Senhor para confirmar os irmãos na Fé e na Moral? O quê que impede, pergunto-lhe, os Actos do Vaticano II de se desviarem do sulco da Tradição, quando o próprio Supremo Pastor pode renegar o ensinamento dos seus Predecessores? E se a persona Papae está em cisma com o Papado, porquê que um Concílio, que se quis pastoral e que se absteve de promulgar dogmas, não poderia contradizer os outros Concílios canónicos, entrando em cisma de facto com o Magistério Católico?
Também é verdade que esta situação é um hapax, um caso em si que nunca se viu na história da Igreja; mas se isto vale para o Papado – num crescendo de Roncalli a Bergoglio –, não vejo por que não deveria valer para o Vaticano II, que, graças aos últimos Pontífices, se configurou como um evento em si mesmo e, como tal, foi usado pelos seus defensores?
Para retomar as suas palavras, «aquilo com que a Igreja acabará» é um Concílio que é um Concílio da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, o primeiro concílio de facto, para todos os efeitos práticos, de uma igreja cismática, ou seja, aquela “igreja conciliar” que se considera nascida do Vaticano II. Visto que o Vaticano II é um Concílio Ecuménico e um conciliábulo, permanece o aspecto de um único Concílio, embora, na realidade, sejam dois. E acrescentaria: um legítimo e ortodoxo, abortado ao nascer com a subversão dos esquemas preparatórios, e um ilegítimo e herético (ou, pelo menos, favens haeresim) ao qual todos os Inovadores se referem, incluindo Bergoglio, para legitimar os seus desvios doutrinários, morais e litúrgicos. Exactamente como «muitos cardeais, bispos, sacerdotes e teólogos teologicamente discutíveis que Francisco apoia e promove a altos cargos eclesiais» argumentam que se deve reconhecer a autoridade do Vigário de Cristo nos actos de governo e de magistério realizados por Jorge Mario, precisamente no momento em que, com aqueles actos, ele se mostra, «em todos os efeitos práticos, cismático».
E se de um lado é verdade que «embora o Papa Francisco possa impedi-los de fazer algo escandalosamente contrário ao ensinamento da Igreja, ele permitirá que façam coisas ambiguamente contrárias, porque tal ensinamento e prática pastoral ambíguos estariam de acordo com os de Francisco», é igualmente verdade – parafraseando as suas palavras – que «embora João XXIII e Paulo VI pudessem ter impedido os modernistas de fazer algo escandalosamente contrário ao ensinamento da Igreja, eles permitiram-lhes que fizessem coisas que são ambiguamente contrárias, porque tal ensinamento e prática pastoral ambíguos estavam de acordo com os de Roncalli e de Montini».
Parece-me, assim, Rev. Padre, que encontra a confirmação do que afirmei no meu ensaio que esteve na origem da disputatio sobre o Concílio, ou seja, que o “recipiente-concílio” foi usado para dar aparente autoridade a um evento deliberadamente subversivo, exactamente como hoje, diante dos nossos olhos, o Vigário de Cristo é usado para dar aparente autoridade a uma operação deliberadamente subversiva. Em ambos os casos, o senso inato de respeito pela Igreja de Cristo por parte dos fiéis e do Clero foi utilizado como um estratagema infernal – um cavalo de Troia introduzido na Cidadela Sagrada – para dissuadir qualquer forma de obrigatória divergência, qualquer crítica, qualquer legítima denúncia.
É doloroso observar que esta constatação, longe de reabilitar o Vaticano II, confirma uma profunda crise de toda a instituição eclesiástica, obra de renegados que abusaram da sua autoridade contra a própria Autoridade, do poder papal contra o próprio Papado, da autoridade dos Padres Conciliares contra a Igreja. Uma tortuosa e covarde traição operada de dentro da própria Igreja, como já havia predito e condenado São Pio X na Encíclica Pascendi, indicando os modernistas como os inimigos mais nocivos da Igreja.
Dante coloca os fraudulentos no Nono Círculo do Inferno, não o esqueçamos.
Receba, reverendo e caro Padre Thomas, a minha Bênção.
† Carlo Maria Viganò, Arcebispo
“(…) Essa autoridade viva e infalível está naquela Igreja que foi construída por Cristo, o Senhor, sobre Pedro, Cabeça, Príncipe e Pastor da Igreja universal, cuja fé, *por promessa divina, nunca falhará*, mas sempre e sem intervalo durará nos legítimos pontífices que, descendentes do próprio Pedro e colocados em sua Cátedra, também são herdeiros e defensores de sua própria doutrina, dignidade, honra e poder” – Papa Pio IX – Encíclica Qui Pluribus – 9 de Novembro de 1846
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Ou seja: ou se é Papa de fato e de direito, plena e perfeitamente constituído, sacramental e jurisdicionalmente, ou integralmente não se é!
Esse é o ensinamento da Igreja.
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Fica uma pergunta que deveria estar já respondida:
Como devemos proceder diante dos fatos ?
Ficar de braços cruzados?
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No entanto, como você mesmo releva, com Jorge Mario Bergoglio, nas surreais vestes de Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, «a única expressão que posso encontrar para descrever esta situação é “cisma dentro do Papado”, porque o Papa, precisamente como Papa, será, efectivamente, o líder de um segmento da Igreja que, através da sua doutrina, do ensinamento moral e da estrutura eclesial, é, em todos os efeitos práticos, cismático».
O trechinho acima e mais demonstrariam a que ponto à época do Vaticano II como a subversão doutrinária chegou e afetou muitos católicos sem fé bem esclarecida, desde os papas nesse tempo João XXIII e Paulo VI, mudada em certas partes pelo ultra liberal papa Francisco à nova e paralela igreja católica versão século XXI – contrapondo-se à única, verdadeira e legítima Igreja católica de Nosso Senhor Jesus Cristo, a de 2000 anos!
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Refinado e profundo ensaio teológico associado a uma invulgar clareza de raciocínio e de conceitos, a serviço da Tradição e Magistério bimilenar, sabotados pelo “ Cavalo de Tróia “ ardilosamente introduzido no CVII, como o professor Roberto Di Mattei já havia sinalizado em suas obras clássicas sobre aquele evento.
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Viva Dom Vigano!
Viva Dom Lefebvre!
Viva Dom Mayer!
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A verdade é que o Concílio Vaticano II teve um proposito, destruir toda a forma cristã criada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo o que foi proposto teve outras intenções e hoje com Bergoglio vemos isso de forma explicita. Claro que não podemos jogar a culpa só nele, outros Papas tiveram a sua parcela de responsabilidade, e quando se tentou reverter isso, sabemos o que aconteceu, houve praticamente um golpe. Talvez hoje o mais correto seria um novo concílio, mas os cardeais de hoje teriam que ser afastados e novos nomeados.
A nova Teologia preconizado por Paulo VI, deveria ser retificado para que se pudesse voltar as tradições de uma verdadeira Igreja Católica. O rito deixado para trás deve ser revisto de tal forma que a natureza e o propósito intrínseco de sua tradição possa estar mais claramente manifesto na vontade de todos.
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Bastante interessante esse artigo. Os “modernos” gostam de chamar os grupos que rejeitam o Vaticano II de cismáticos, mas a acusação, além de perfeitamente refutável, é também retorquível – quem rompe com a Igreja de dois mil anos são eles. O artigo nos ajuda a pensar, entre outras coisas, sobre isso. O blog Dies Irae, aliás, está cheio de informações desse tipo. Que Deus os abençoe.
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Se a heresia ocorreu com Francisco, por que não poderia ter ocorrido também com o Vaticano II?
Não são comuns estas infecções na Autoridade Suprema da Igreja militante, mas já ocorreram fatos semelhantes como os casos dos Papas Libério e Honório.
É óbvio que o Modernismo condenado por São Pio X pode acabar culminando nesta situação mais do que terrível.
A questão é se Deus, em Suas promessas feitas a Pedro, teria deixado a possibilidade de ocorrência da subversão na Suprema Autoridade e instância militante da Igreja.
Em princípio, a gente pode concluir perfeitamente que Deus em Sua providência teria cuidado de impedir tais desgraças no Papado e no Episcopado.
Mas a gente não pode negar os fatos, fechar os olhos para o erro grave ou fabricar confusões que fazem o dogma e a heresia coincidirem no mesmo objeto ou ser. A gente não tem o direito de ignorar a heresia ou fazer de conta que ela não existe. A doutrina foi transmitida justamente para que o verdadeiro crente tenha a capacidade de discernir entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal.
Os fatos estão aí. A fé não é racionalista, mas é racional. O homem racional age de acordo com a verdade que a sua inteligência conhece.
Se houve heresia, houve heresia. Não é lícito ao catequizado, batizado e crente integral e verdadeiro ficar em cima do muro.
O homem moderno tem se preocupado bastante com trabalho, dinheiro, sentimento etc, e se deixado decair para a condição de burro de puxar a carroça em matéria de religião.
O homem esperto moderno desenvolve softwares usando da mais acurada matemática e lógica, mas, parafraseando a Imitação de Cristo, o que adianta saber o curso dos astros e não saber a verdade de fé mais simples do catecismo?
Na boa, isso é muito abusivo e injusto! O homem se ajoelhou diante de todas as criaturas e se fechou totalmente para Deus. Isso é irracional. Ninguém tem o direito de fazer pouco caso da palavra de Deus.
Infelizmente, a Igreja Católica verdadeira está dispersa em poucos grupos. Que Roma possa recuperar a sua Tradição e expulsar os lobos do curral! A Igreja é Romana, não é aborígene! Nossos Ritos litúrgicos e nosso Cânon Missae são os da Igreja de Roma. Não fabricamos Missas nem Ceias.
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Então, ambos estão concordando com Guérard des Lauriers ?! ( não com a mesma terminologia, obviamente ).
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Excelente!! Exato!!
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Esse assunto, da possibilidade de heresia/cisma por parte de um papa, tem sido ultimamente relegado ao rol do besteirol, do folclore e da superstição.
Se alguém é papa, eleito canonicamente, isto é, conforme o que a Igreja dispõe e determina para uma eleição lícita e válida, já temos o primeiro encaminhamento da questão. Será este o caso do jesuítica argentino?
Fala-se publicamente de “mafia”, daqui e de acolá, de renúncia, de pressão externa… O que, diante de Deus, há de boataria ou de consistente nisso tudo? Houve um convescote de cardeais na Embaixada Britânica às vésperas da eleição? Levaram seus paramentos e aventais ou não houve loja?
Suposta válida a eleição: o bolostrocante e bem nutrido jesuíta argentino transtornou ou não a disciplina do sacramento do matrimônio? Introduziu algo novo que fere, além da disciplina, a doutrina acerca deste sacramento? Em caso positivo, o jesuíta ratificou formalmente essa suposta (ou efetiva) variação doutrinal? Ou seja, o jesuíta ensinou algo que contraria a letra do Evangelho e o constate sentir da Igreja sobre o assunto?
Em caso positivo, em vista da pertinácia e constância na matéria, o jesuíta deve ser considerado e tido por herege público e inimigo da Igreja?
O que advém dessa constatação?
A distinção entre pessoa jurídica e sujeito real de nada serve. Não se trata do caso de um mau prefeito que exerce mal o seu mandato:
De fato, Deus nao pode reconhecer como cabeça da Igreja a quem se pôs, proprio iudicio, para fora dela. É este o caso do jesuíta? Parece que sim. E no entanto ele nao pode ser defenestrado por ninguém.
Se nao é este o caso, a discussão é ociosa. Mas essa segunda possibilidade abre as portas para uma infindável série de aporias e problemas doutrinais se quisermos mantet o princípio de identidade e não contradição. Pois será preciso dizer que a Igreja nao disse o que disse; ou que disse o que não disse.
Será preciso admitir que tudo é uma grande palhaçada.
Vou até arrumar um relíquia de Paulo Seis, doutor dessa igreja, e usá-la de patuá no pescoço. Nada que uma simoniazinha nao resolva…
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