O Leão de Campos (V): Quem era este homem?

Dom Antônio de Castro Mayer

Dom Antônio de Castro MayerCruz 25 de abril de 1991.

Fidelium animae per misericordiam Dei

requiescant in pace.

Q

uem era este homem elevado a uma posição de alta responsabilidade eclesiástica em 23 de maio de 1948? Quem era este homem que se tornaria uma das “duas testemunhas” da Igreja de sempre, sacrificando a honra do mundo e dias calmos na defesa da Fé Católica?

Todo homem permanece em certo grau envolto em mistério, o coração de cada personalidade humana individual e o centro de cada alma é aberto e revelado apenas para Deus. Há certos aspectos de Dom Antônio de Castro Mayer que não são misteriosos, mas abertos e claros a qualquer olho observador. Facetas de sua personalidade e aspectos de sua alma eram totalmente públicos. Era um daqueles homens abençoados com a unidade de ser, o interno e externo em harmonia, os vários lados de seu caráter unificados num todo. Um homem íntegro. Em seu caráter pode ser encontrado apenas dois mistérios reais a serem explorados mais tarde. Em sua época de fragmentação, insegurança e angústia existencial, andava ele, um homem justo, uno, em paz com seu Deus.

Dom Antônio[…] Nesta primeira foto do novo bispo de Campos consagrado em 1948, a autoridade descansa confortavelmente em seu possuidor; há “aquilo no rosto que [qualquer um] chamaria de bom grado de senhor”. Todos que o conheciam e especialmente aqueles que foram afortunados o bastante para conhecê-lo bem atestam esta autoridade, um dom dado por Deus.

Eles não podem falar do homem e mencionar seu nome sem suas vozes e comportamento assumirem uma espécie de temor e reverência. E, todavia, curiosamente, eles nunca mencionam estas qualidades diretamente. Parecem quase inconscientes do grande efeito que a presença deste homem tinha sobre eles. Sua atitude e vitalidade criavam estima em todos que o encontravam, uma estima próxima da veneração. Ainda quando essas mesmas pessoas falavam diretamente de seu jeito, quando escreviam aquelas qualidades especiais que o faziam único, falavam primeiro de sua humildade, sua simplicidade, sua inocência. Modesto em sua juventude, permaneceu um homem humilde por toda sua vida. Nunca se promovendo nem trabalhando para garantir o avanço de sua carreira quando jovem, permaneceu distante das honras do mundo e muitas vezes mesmo de seus simples prazeres.

Durante sua enfermidade final, que foi longa, seu médico expressou espanto por nunca ter ouvido aquele homem reclamar sequer uma vez, pouco importasse quanto desconforto ou dor experimentava. Quando seus padres tiveram de cuidar dele por causa de seu estado enfraquecido, nunca o ouviram se queixar. Dependia de seus padres para suas refeições. Perguntavam-no: “prefere mamão ou banana de fruta?”. Replicava: “você escolhe”. “Mas temos as duas. Qual você prefere?”, respondiam. “Tanto faz, você escolhe”. As graças de Deus eram abundantes; Dom Antônio apreciaria qualquer coisa que aparecesse em seu caminho. Assim, não surpreende ter vivido numa simplicidade quase de um eremita, se poderia dizer pobreza, no palácio episcopal. Chegaria o dia em que o mundo o puniria por esta santa austeridade. Esse não é o jeito do mundo.

Seus prazeres terrenos eram poucos.  Seus livros, claro, mas isso não é novidade. Aparentemente sua única verdadeira ligação a prazeres deste mundo era seu amor pelo pingue-pongue. Nos fins de seus dias, uma raquete em sua mão indicaria a primavera de vida renovada e energia juvenil. Uma raquete em sua mão extrairia do misterioso íntimo de seu ser um desejo competitivo invisível. Com zelo, ele desafiaria seus padres, os fiéis da diocese ou as crianças que o visitavam. A batalha de dentro e fora da raquete na bolinha branca de plástico sob o revestimento verde na mesa lhe dava grande alegria. Instituiu um campeonato especial e, quando já eram passados seus próprios dias como jogador,  ainda se deliciava assistindo os quatrocentos meninos de toda a diocese mostrarem suas habilidades e avançarem os postos, raquetes em mãos, até a vitória final. Um troféu especial viaja toda primavera para a paróquia cujos moços mostraram a mais extraordinária proeza na competição de pingue-pongue daquele ano.

Tinha uma habilidade de mover-se entre seus fiéis e misturar-se com eles na vida cotidiana sem de qualquer maneira diminuir ou desfigurar sua autoridade. Sentia-se tão confortável oferecendo uma Missa Solene no Natal ou Páscoa diante de uma multidão abarrotada na Basílica do Santíssimo Salvador em Campos, uma igreja elevada ao status de basílica através de seus esforços, como ao oferecer uma benção à turma da primeira série em sua pequena cerimônia de formatura. Viveu a vida de sua diocese com os fiéis em todos os seus aspectos, em toda faceta possível da existência do dia-a-dia, e contudo sempre manteve sua dignidade como seu bispo. Serviria [como acólito] enquanto era bispo a Missa de seus jovens padres. O fazia sem falsa humildade e sem nunca fazê-los se sentir desajeitados. Não havia nada sobre sua própria Missa que a fizesse extraordinária, nada que a distinguisse. Era um bispo, sim; foi, além disso, um artesão, como o foi seu pai, fazendo bem seu trabalho e no melhor de suas habilidades, mas, ao mesmo tempo, ciente de que estava fazendo um trabalho. Sua atitude foi sempre “arregaçar as mangas e trabalhar”, e fez este trabalho sem pretensão ou esperança de elogios. As palavras do escritor inglês Evelyn Waugh vêm à mente. Numa carta escrita em 1964 ao Catholic Herald, Waugh alertava para os perigos da “renovação explosiva” dos inovadores do Concílio Vaticano Segundo “que desejam mudar o aspecto exterior da Igreja”. Ele chegava a descrever sua própria conversão, especificamente aqueles aspectos da Fé que o levaram à Igreja. Aquela “atração estranha” que mais o atraía, dizia, “era o espetáculo do padre e seus ajudantes na Missa rezada, subindo lentamente o altar sem dar uma olhada sequer para saber os muitos ou poucos que tem em sua congregação; um artesão e seu aprendiz; um homem com um trabalho que apenas ele é qualificado para fazer” (Waugh, Evelyn, A Little Order – Boston: Little, Brown, 1977 – pág. 188). O relato é uma descrição apropriada do trabalho do Bispo de Campos.

Um de seus padres o descreveu nestas palavras: “Ele foi um homem de grande simplicidade. Tinha a alma de uma criança”. Nunca falou mal de outros e se recusava a acreditar, às vezes para sua tristeza, que outros pensariam ou falariam mal dele. Amava crianças e aproveitava as ocasiões quando podia estar com elas. Era, em seu tranqüilo modo, uma delas.

Também permaneceu uma criança em sua devoção às suas mães, sua mãe terrena e sua Mãe espiritual. A incessante e intensa devoção de Dom Antônio à Santa Mãe de Deus marcou seu reinado em Campos. Uma de suas primeiras ações ao tornar-se Bispo de Campos foi publicar uma ordem especial a seus padres – doravante na diocese, ao fim de toda Missa, três Ave-Marias adicionais seriam rezadas pelo padre e fiéis à Nossa Santa Mãe com a intenção de que ela preservasse a verdadeira Fé Católica e de que a heresia nunca encontrasse abrigo na diocese. Tal devoção foi recompensada.

Ele mesmo rezaria o rosário em todas as horas do dia ou da noite. Seus padres relatam que quando viajavam com ele, muitas vezes ele os acordava em horas incomuns para rezar o rosário porque adorava rezar acompanhado. Certa vez durante uma visita ao seminário da Fraternidade São Pio X em Ecône, Suiça, o bispo acordou seus companheiros de viagem depois do “apagar das luzes” do seminário, uma hora de silêncio estritamente obrigatório, e anunciou seu desejo de rezar o rosário. Lembraram a ele que era tarde e que o seminário estava observando um período de silêncio e repouso, mas sua devoção a Nossa Senhora não seria dissuadida. Foram com ele assim que começou a andar pelos corredores do seminário com sua voz ecoando as Ave-Marias. As cabeças dos seminaristas enraivecidos começaram a aparecer enquanto mais e mais portas iam se abrindo bruscamente. Ao encontrar o vibrantemente fervoroso Dom Antônio como o réu rezador, suavemente fechavam suas portas e envergonhados retornavam para suas camas.

[…] A qualidade final de Dom Antônio de Castro Mayer que definia seu caráter é a óbvia – sua grande inteligência. Este dom é evidenciado em suas cartas pastorais e em sua vida, mas pode logo de início ser visto numa espécie de símbolo nas fotos do homem naqueles extraordinários óculos que adornavam seus olhos penetrantes. Se alguém fosse fazer uma caricatura do homem, começaria certamente por aqueles óculos. Pouco depois de sua elevação ao trono episcopal de Campos, os óculos apareceram – enormes, pesados, armação tipo concha. Os olhos escuros que brilham com intenso pensamento ficaram ampliados e pareciam colocados como jóias escuras nos sólidos círculos moldurados dos óculos. Eles dominavam sua cabeça e atraiam a atenção em toda fotografia para aqueles sábios olhos e à mente ágil trabalhando por detrás deles.

Dom AntonioNa medida em que chegava a idade, o bispo e já pequeno homem começou a diminuir fisicamente, encolhendo em tamanho enquanto seu espírito crescia, e os óculos, por serem os mesmos, tornavam-se cada vez mais salientes. Pareciam se tornar gigantes. Ao fim de sua vida, quando os anos e as provações por defender a Fé e a Igreja de Cristo cobraram seu preço total e reduziram a forma física de Dom Antônio novamente ao tamanho diminutivo de um garoto, os óculos tomavam muito do espaço na menor tela da face e servia como prismas escuros radiando a inteligência para fora em fluxos de sábias luzes. No fim ele era uma “sábia criança”, um prodígio idoso para a época.

Padre Possidente, que cuidou do bispo até o fim, conta de sua recuperação de consciência exatos quarenta minutos antes de sua morte. Embora seu corpo estivesse reduzido ao desamparo, embora ele pudesse respirar com muita dificuldade, e embora a fala agora fosse algo do passado, “seus olhos estavam completamente vivos”. Eles cintilavam com “a verdadeira luz que ilumina todo homem e que veio a este mundo”, a luz que este bispo “conheceu”, “recebeu” e “intensificou”. Brilhavam com a “verdadeira luz” que não pode se apagar.

The Mouth of the Lion: Bishop Antonio de Castro Mayer and the last Catholic Diocese. Dr. David Allen White, Angelus Press, 1993 – pág. 51 a 57

Leia as postagens anteriores da série sobre o Leão de Campos.

Post publicado originalmente em 2009.

Dom Júlio Akamine e a sua crítica à Campanha “Sem sacramentos – Sem dízimo”.

Por FratresInUnum.com, 14 de abril de 2021 – É impressionante como o órgão mais sensível no corpo dos bispos seja… o bolso. Quando as suas entradas são ameaçadas, eles reagem passionalmente, sem prestar atenção à lógica ou à coerência, arranjando argumentos de modo frenético.

SSSD

Dom Júlio Endi Akamine, arcebispo de Sorocaba, aventurou-se a comentar a tal campanha “Sem sacramentos, sem dízimo”. Deixemo-lo falar:

“Quem propõe e quem participa dessa campanha acusa a Igreja Católica de ser unicamente motivada e movida por dinheiro. ‘Enquanto não doer no bolso, não ouvirão o grito do povo!’ Seguindo nessa direção, o resultado será o da simonia: ‘Você quer o sacramento? Então pague o dízimo! A graça é difícil de ser alcançada? Então o dízimo deve ser mais alto’”.

Este é o núcleo da sua crítica, a tal campanha conduziria ao pecado de simonia. Contudo, o raciocínio do bispo padece da mais flagrante falta de lógica! Inclusive, esta é uma falácia catalogada classicamente no rol dos sofismas, chama-se: non-sequitur.

Em outras palavras, ao alguém afirmar “sem sacramentos, sem dízimo” não se segue uma proposta de uma compra de sacramentos. O arcebispo faz uma sutil inversão da frase para extrair dela um absurdo que não está de nenhum modo suposto na afirmação. Trata-se de uma pura e simples falsificação!

O Código de Direito Canônico afirma que “os fiéis têm a obrigação de prover às necessidades de Igreja, de forma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade, e para a honesta sustentação dos seus ministros” (c. 222). Ora, se justamente o culto divino está sendo sonegado dos fieis, é inútil alegar ser um absurdo que eles se esquivem de contribuir.

O Catecismo da Igreja Católica afirma que “A simonia define-se como a compra ou venda das realidades espirituais. (…) É impossível alguém apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se a respeito deles como proprietário ou dono, pois eles têm a sua fonte em Deus, e só d’Ele se podem receber gratuitamente. ‘Além das ofertas determinadas pela autoridade competente, o ministro nada peça pela administração dos sacramentos, e tenha o cuidado de que os pobres, em razão da pobreza, não se vejam privados do auxílio dos sacramentos’. A autoridade competente fixa essas ‘oblações’ em virtude do princípio segundo o qual o povo cristão tem o dever de contribuir para o sustento dos ministros da Igreja” (nn. 2121-2122).

Em que momento os fieis estão exigindo comprar os sacramentos? Eles estão apenas mostrando que o dízimo tem relação com o culto divino, que lhes está sendo injustamente sonegado. Quem está agindo como proprietário dos sacramentos? Não seriam justamente os bispos e os padres, que os estão retendo de modo autoritário e clericalista, marginalizando o Povo de Deus?

Falando sobre o dízimo, São Tomás de Aquino diz que “a razão natural dita ao povo o dever de dar o sustento necessário aos ministros do culto divino, que oram pela salvação de seus membros” e diz, também, que “os ministros devem ter maior empenho em procurar o bem espiritual do povo, do que em recolher os bens temporais” (Suma Teológica, II-II, 87, 1).

Ora, quando os ministros sagrados, ao invés de cumprirem o seu dever espiritual, sonegam-no ao povo, furtando-se de ouvir confissões, de dar a Santa Comunhão e mesmo de celebrar Missas, consentindo passivamente naquilo que a autoridade secular determina de modo arbitrário, como alguém pode dizer que o dever de pagar o dízimo ainda se sustente ou, o que é pior, como alguém pode afirmar que dizê-lo equivaleria ou conduziria ao pecado de simonia?

Muito pelo contrário, a lei da Igreja proíbe que alguém administre sacramentos por simonia (c. 1380). Como explicar que haja bispos que celebram constantemente em certas paróquias ricas justamente porque estas lhes pagam espórtulas mais altas que as outras pobres paróquias? A Igreja proíbe, também, a concessão de um ofício eclesiástico por simonia (c. 149). Ora, o que dizer desses bispos que sempre colocam a sua patota nas paróquias mais ricas e recebem presentes ou mesadas?

Dom Júlio conclui o seu artigo com um chamado à conversão: “É por isso que sou obrigado, a contragosto, a alertar contra essa campanha: não podemos, não devemos, não queremos ceder ao pecado da simonia! É minha obrigação chamar os pecadores à conversão, sem esquecer a necessidade de buscar a própria e de fazer penitência pelos pecados próprios e alheios”.

Pois bem, se Dom Júlio chama de simonia aquilo que não o é, deveria exortar à conversão publicamente, como faziam os santos padres, aqueles que o fazem realmente e que estão se beneficiando do dinheiro suado do povo trabalhador. De nossa parte, convidamos humildemente este arcebispo a cumprir o seu dever de reparação. Seja lá quem for que tenha feito a tal campanha (aliás, muito pouco difundida), não tem absolutamente a intenção de simonia. O bispo incorre aqui em difamação, calúnia, juízo contra o próximo, todos pecados contra a veracidade e, sobretudo, contra a caridade.

Em todo caso, o que mostra muito bem a reação apaixonada do arcebispo de Sorocaba é que as pessoas que moveram esta iniciativa, cuja assertividade não queremos julgar, partiram de uma constatação verdadeira: os bispos não estão sentindo na pele a privação dos sacramentos dos seus fieis justamente porque eles são generosos e não estão deixando faltar ofertas no Templo de Deus. É triste! Abandonou-se Cristo por Mamon, abandonaram-se as ovelhas para viver apenas daquilo que elas podem dar: o leite, a carne, a lã, a vida.

STF decide que o Estado pode impedir cultos presenciais. O silêncio dos bispos e a reação dos católicos.

Por FratresInUnum.com, 9 de abril de 2021 – Por 9 votos contra 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os Estados e Municípios têm o direito de impedir as missas e cultos religiosos presenciais. Enquanto isso, o silêncio da CNBB grita e acusa o seu consentimento diante de uma decisão que deixa os católicos perplexos. 

Mas, e se a votação do STF tivesse sido favorável às Igrejas e deixasse o assunto para a discricionariedade dos bispos? A conclusão seria a mesma: a maioria dos bispos manterias as Igrejas fechadas. A única diferença que a decisão teve, em relação aos católicos, foi a de tirar o peso desta decisão dos ombros dos nossos prelados. O que muito lhes conveio! 

Já na noite de sábado, 3 de abril, Vigília Pascal, a liminar do ministro Nunes Marques liberava a celebração pública das missas, o que favoreceria os fieis que quisessem ao menos assistir a Missa de Páscoa. Houve bispos e padres que decidiram abrir imediatamente as igrejas, tomando todas as precauções sanitárias que o momento exige; precauções, diga-se de passagem, que não podem ser tomadas nos ônibus e trens superlotados, que o nosso povo precisa tomar todas as manhãs para tentar sobreviver no meio desse caos econômico.

A maioria dos bispos, porém, a despeito da liminar, resolveu manter as Igrejas fechadas. Há poucos minutos, o Governador João Dória Júnior disse que o Estado de São Paulo progride da fase emergencial para a fase vermelha, mas que os templos continuam fechados e o Paulistão volta a rodar (por pura pressão da Federação Paulista de Futebol).

Em outras palavras, está provado que as decisões dependem da pressão das autoridades eclesiásticas, cuidadosamente omitida por razões ideológicas.

A propósito, a decisão do STF deve ter sido comemorada efusivamente pela CNBB, que aderiu à seguinte lei: Igrejas vazias e cofres cheios, não deixem de doar.

Durante a Audiência Pública, nenhum bispo ou padre compareceu; foram apenas pastores e representantes de Igrejas evangélicas e um (hum, 01, one) católico que representou todos os fieis que desejam receber os sacramentos. A defesa de Taigara Fernandes, além de brilhante, trouxe outras realidades à tona.

Em primeiro lugar, por que não havia ali nenhum representante da CNBB ou mesmo algum bispo ou padre? Será que não existem clérigos que tenham posições divergentes a respeito, já que o assunto não é dogmático? Por que os bispos contrários à abertura das Igrejas não pediram voz e preferiram agir nos bastidores? Por que os bispos favoráveis também não resolveram falar? 

O motivo é simples: politicagem eclesiástica. Os favoráveis a que o Estado determine o fechamento das Igrejas não querem dar a cara para não atrair a cólera dos fieis; aqueles que são contrários, preferem guardar silêncio para não se indisporem contra o establishment cnbbístico. Em suma, tudo não passa daquela velha covardia dos pilantras.

Mas, em segundo lugar, a coragem de um católico leigo que, em nome do Centro do Bosco, entidade civil que agrega leigos, mostra o rosto e diz aquilo que a Igreja deveria dizer revela um panorama paradigmático.

Em 1996, o Pe. Ignace de la Potterie, conhecidíssimo exegeta, jesuíta, amigo de Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e, portanto, àquela altura, custódio do segredo de Fátima, deu uma entrevista ao Jornal da Conferência Episcopal Italiana, Avvenire, em que disse: “Tem realmente razão Nossa Senhora em Fátima: os leigos salvarão a Igreja dos sacerdotes e dos bispos”. 

A frase, apesar de ser desconcertante e de não aparecer em nenhum dos documentos publicados sobre Fátima, é muito coerente com outras afirmações de testemunhas do segredo.

Dom Alberto do Amaral, bispo emérito de Fátima, numa conferência de 1984, afirma: “O segredo de Fátima não fala nem de bomba atômica nem de artefatos nucleares […]. A perda da fé de um continente é pior que a destruição de uma nação; e é verdade que a fé diminui continuamente na Europa. A perda da fé católica na Igreja é bem mais grave que uma guerra nuclear” (declaração desmentida em 1986, mas depois confirmada em março de 1995).

O cardeal Alfredo Ottaviani, numa conferência de 1967, diz: “Eu tive a graça e o dom de ler o texto do terceiro segredo. […] Posso lhes dizer apenas isto: que virão tempos muito difíceis para a Igreja e que é preciso muita oração para que a apostasia não seja grande demais”.

Ainda mais explícito é o conteúdo de uma carta do cardeal Luigi Ciappi, por muito tempo teólogo da Casa Pontifícia, endereçada ao professor Baumgartner. Na missiva, escrita em 2000, mas tornada pública em março de 2002, o purpurado revela: “No terceiro segredo se prevê, entre outras coisas, que a grande apostasia na Igreja começará do seu ponto mais alto”.

Ora, o que estamos vendo bem diante dos nossos olhos? A maioria do clero caiu na irreligião e no naturalismo e renunciou à sua missão sobrenatural, diante do silêncio cúmplice da outra parte, que resolve resistir em silêncio. A única voz que sobressai é a dos leigos. 

São os leigos, pais e mães de família honrados, a conservar a fé católica sem concessões ecumênicas ou maçônicas, são aqueles cristãos de respeito, não manchados pela torpeza da sodomia ou pelo dinheirismo, pela aburguesamento ou pelo egoísmo, aquelas famílias numerosas e destemidas que estão recebendo a graça de Nossa Senhora para este momento de grande bagunça dentro e fora dos muros da Santa Igreja.

Temos que permanecer firmes, pois os pastores nos abandonaram à fúria dos lobos. Eles realmente pensam que nós todos somos negacionistas e estão cegados por esta falsa preocupação pela vida – “que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?”.

Nós não estamos sós: a Virgem de Fátima nos está conferindo graças e mais graças para a luta. Mais do que nunca, é a hora de os fieis católicos leigos manifestarem sua filial e respeitosa RESISTÊNCIA

Mais católico que… os bispos!

FratresInUnum.com, 5 de abril de 2021. – O dia da mentira já passou, mas há verdades tão inverossímeis que parecem não verdadeiras. Antigamente, quando alguém queria usar uma hipérbole para se referir ao excesso de devoção de alguém, dizia que fulano “é mais católico que o papa”. Bem… Chegamos ao fundo do poço. Agora é oficial: um ministro do STF pode ser mais católico que um bispo. Explicamos.

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No último sábado, o Min. Kássio Nunes, do STF, emitiu uma liminar autorizando as Igrejas a realizarem cultos públicos com a lotação de 25% da sua capacidade: isto não equivale a uma restrição, mas ao reconhecimento de que o Estado não pode exigir menos do que isso, dado ser o culto público reconhecido como uma atividade essencial, direito que a Constituição chama inviolável.

Ora, o que se esperaria de um prelado da Igreja Católica em pleno domingo de Páscoa? Que rapidamente organizasse celebrações para os fiéis, seguindo as normas sanitárias. Mas…, nem na ficção jamais se viu tamanha impiedade e cegueira ideológica: muitos, diríamos mesmo a maioria, dos bispos mantiverem a decisão de conservar as Igrejas fechadas e de privar os fiéis dos sacramentos.

Em outras palavras, um ministro do STF é capaz de reconhecer a essencialidade do culto, essencialidade que um bispo nega em favor de uma genérica “defesa da vida”.

Ora, mas seria realmente impossível que se organizassem serviços religiosos sem aglomeração? Por exemplo, uma paróquia não poderia distribuir a Comunhão fora da Missa, como sempre se fez na Igreja, num intervalo largo de tempo, em que as pessoas entrassem e saíssem? Os liturgistas modernos desdenham dessa alternativa, pois supervalorizam a “participação comunitária”, esta mesma que agora eles inviabilizam com o seu fanatismo liturgicista do “tudo ou nada”.

Obviamente, a decisão monocrática do ministro pode ainda ser revertida pelo plenário do Supremo, mas, neste ínterim, ao menos fica escandalosamente respondida a questão que se faz parodiando a Escritura: “mas algo de bom pode vir do STF?”, pelo jeito ao menos não algo tão ruim quanto o que vem da cabeça destes nossos “pastores” (as aspas aqui são propositais, pois eles se comportam como mercenários – para utilizar a linguagem de Nosso Senhor no Evangelho de São João –, mercenários que apenas querem o dinheiro do povo, enquanto dispersam as ovelhas à mercê dos lobos).

Os neopentecostais é que se aproveitarão muito bem da situação e promoverão seus cultos de curandeirismo e exorcismo, atirando os católicos na sua superstição, enquanto os padres bons-moços desertam da batalha, com o consolo de serem mui obedientes aos seus bispos e de viveram a “comunhão”.

A situação tem algo de paradigmático, mostra exatamente a essência desta nova religião humanista professada pelo novo clero, formado segunda a mentalidade da teologia moderna: não importa mais a vida espiritual, a oração e os sacramentos; a única coisa que importa é a vida natural, a saúde e os direitos humanos. O novo credo dessa religião não admite a transcendência de Deus e a salvação da nossa alma, quer apenas imanentizar a esperança cristã, ensinando o homem a ter bem-estar e justiça social. As celebrações litúrgicas e os sacramentos não são vistos por eles como um bem em si mesmo, mas apenas como um momento para doutrinar o povo segundo as suas ideologias.

Realmente, o mundo virou de ponta-cabeça. Nós podemos esperar mais fé de um ministro do supremo do que de um pastor de almas. Se mesmo durante uma epidemia, como o povo não pode contar com o amparo dos padres, não é de se admirar que encontre guarida nos braços de um pastor evangélico. O cenário de um Brasil católico se torna cada vez mais longinquamente pretérito; o que se vai desenhando é um triste panorama: o futuro do Brasil é a confusão e o protestantismo.

Obrigado pela resposta ao dubium! Mas quando responderá aos dubia, Santo Padre?

Por José Antonio Ureta

FratresInUnum.com, 4 de abril de 2021 – Pouco mais de um mês após o escândalo de Ushuaia, que indiretamente crepitou no Papa Francisco, a Congregação para a Doutrina da Fé, sob a forma de resposta a um dubium, declarou ilícitas as cerimônias de bênção de uniões homossexuais.

Como indiquei em meu artigo “Com a palavra o Papa Francisco”, as circunstâncias gravíssimas do caso obrigavam o Papa a intervir, sob pena de seu silêncio ser interpretado como aprovação: foi um caso no país natal do Pontífice; os “beneficiários” foram dois secretários do governo local, um dos quais é trans; estiveram presentes na cerimônia o atual governador e a ex-governadora, que realizou o primeiro “casamento” homossexual da América Latina; a Paróquia é central na cidade e o celebrante era um salesiano, a Congregação mais importante de toda a Patagônia; e, o pior de tudo, o “casal” declarou que o Pároco havia informado o Bispo, o que este último negou apenas parcialmente.

Francisco não quis intervir pessoalmente, mas o fez através da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), aproveitando a circunstância de que, “em alguns ambientes eclesiais, se estão a difundir projetos e propostas de bênçãos para uniões de pessoas do mesmo sexo”, numa velada referência ao Caminho Sinodal alemão. Mas o documento foi apresentado oficialmente ao Papa numa audiência e obteve a sua aprovação explícita. Essencialmente, declara que “não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a relações estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta, por, si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”.

Respondendo ao dubium: “A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?”, o Cardeal Luis Ladaria, Prefeito da CDF, explica que, para uma relação humana poder ser objeto de uma bênção, é necessário que “aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor”. O que, obviamente, não acontece nas uniões homossexuais.

Além disso — acrescenta o comunicado —, tal bênção também é ilícita “enquanto constituiria, de certo modo, uma imitação ou uma referência de analogia à bênção nupcial; todavia, “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”.

Alegra-nos que a Santa Sé tenha finalmente feito ouvir a sua voz em rápida reação ao acontecido em 6 de fevereiro na Patagônia argentina, e, ainda mais, refutasse os altos Prelados que se pronunciaram a favor da celebração de tais cerimônias, que exprimem a clara intenção de “aprovar e encorajar uma escolha e uma práxis de vida que não podem ser reconhecidas como objetivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados”.

Lamentamos, porém, que o documento não diga que as uniões homossexuais estáveis são mais graves e pecaminosas do que as esporádicas – porque endurecem o pecador no seu vício e o levam à impenitência – e que até insinue o contrário ao tecer elogios à “presença, em tais relações, de elementos positivos, que em si são dignos de ser apreciados e valorizados”.

Se nos alegra que a resposta ao dubium reitere uma verdade tão evidente como a de que a Igreja “não abençoa nem pode abençoar o pecado” (era o que faltava!), ficamos um pouco decepcionados com a ausência de uma agravante: que se trata de relações que constituem uma “depravação grave” e um daqueles pecados que “bradam ao Céu” (Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357 e 1867).

A nossa satisfação seria plena se o Santo Padre, aproveitando o impulso dessa declaração, desse finalmente uma resposta aos cinco dubia apresentados pelos Cardeais Meisner, Caffarra, Brandmüller e Burke, sobre a correta interpretação do capítulo VIII de Amoris lætitia

A reputação do Papa Francisco ficaria ainda mais comprometida se aparecesse aos olhos dos católicos como conivente com a recepção sacrílega da Sagrada Comunhão por parte de divorciados civilmente recasados ​​do que se parecesse conivente com a escandalosa “bênção” de uma união homossexual em Ushuaia.

O início do ano Amoris lætitia, no dia 19 de março, é uma boa ocasião para ele exercer o munus petrino, confirmando os seus irmãos na fé e respondendo “sim” ou “não” às cinco perguntas feitas pelos Cardeais, cujo teor nós aproveitamos a oportunidade para relembrar:

  1. Pergunta-se se — de acordo com quanto se afirma em Amoris lætitia, nn. 300-305 — tornou-se agora possível conceder a absolvição no Sacramento da Penitência e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive, more uxorio, com outra sem que estejam cumpridas as condições previstas por Familiaris consortio, n.º 84, e, entretanto, confirmadas por Reconciliatio et pænitentia, n.º 34, e por Sacramentum caritatis, n.º 29. Pode a expressão “[e]m certos casos”, da nota 351 (n.º 305) da Exortação Amoris lætitia, ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver more uxorio?
  1. Continua a ser válido, após a Exortação pós-sinodal Amoris lætitia(cf. n.º 304), o ensinamento da Encíclica, de São João Paulo II, Veritatis splendor, n.º 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer exceção, que proíbem atos intrinsecamente maus?
  1. Depois de Amoris lætitia, n.º 301, ainda se pode afirmar que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da Lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objectiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?
  1. Depois das afirmações de Amoris lætitia, n.º 302, relativas às “circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral”, ainda se deve ter como válido o ensinamento da Encíclica, de São João Paulo II, Veritatis splendor, n.º 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo a qual: “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objeto, num ato ‘subjetivamente’ honesto ou defensível como opção”?
  1. Depois de Amoris lætitia, n.º 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da Encíclica de São João Paulo II, Veritatis splendor, n.º 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar exceções às normas morais absolutas que proíbem ações intrinsecamente más pelo próprio objeto?

Ou teremos de esperar por outro escândalo na Argentina para que Vossa Santidade se digne responder a esses distintos Prelados, dois dos quais aguardam a sua resposta já na eternidade?

Surrexit Christus vere, Alleluia!

Resurrexit sicut dixit. Alleluia!

O Fratres in Unum deseja a seus leitores uma Feliz e Santa Páscoa! Viva Cristo Rei!

Por Padre Élcio Murucci | FratresInUnum.com

“Vós não sabeis que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Nós fomos, pois, sepultados com Ele, a fim de morrer (para o pecado) pelo batismo, para que assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos uma vida nova” (Rom. VI, 3 e 4).

Os méritos de Jesus Cristo adquiridos pela sua Paixão e Morte, subsistem para depois da Sua gloriosa Ressurreição. Para isto significar, quis conservar as cicatrizes das chagas: apresenta-as ao Pai em toda a sua beleza, como títulos à comunicação da sua Graça. Como diz São Paulo: “… (Jesus) porque permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa. Por isso pode salvar perpetuamente  os que por Ele mesmo se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por nós”(Hebr. VII, 25).

É logo no Batismo que participamos da graça da Ressurreição. É também o que diz S. Paulo, como acima transcrevemos.  A água santa em que mergulhamos no Batismo é, segundo o Apóstolo, a imagem do sepulcro (Na época se administrava o batismo também por imersão). Ao sair dela, fica a alma purificada de toda a falta, de toda a mancha, livre da morte espiritual e revestida da graça, princípio da vida divina. Jesus Cristo tem infinito desejo de nos comunicar a Sua vida gloriosa, assim como teve um ardente desejo de ser batizado com o batismo de sangue para nossa salvação. E o que é mister seja feito para correspondermos a este desejo divino e nos tornarmos semelhantes a Jesus ressuscitado?

É preciso viver no espírito do nosso Batismo: renunciar de verdade (e não só de lábios) a tudo o que na nossa vida é viciado pelo pecado; fazer “morrer” cada vez mais o “velho homem”. Continuando o texto supracitado no início: “Porque, se nos tornarmos uma só planta com Cristo, por uma morte semelhante a d’Ele, o mesmo sucederá por uma ressurreição semelhante, sabendo nós que o nosso homem velho foi crucificado juntamente com Ele, a fim de que seja destruído o corpo do pecado, para que não sirvamos jamais ao pecado” (Rom. VI, 5 e 6).

Assim, tudo em nós deve ser dominado e governado pela graça. Nisto consiste para nós toda a santidade: afastar-nos do pecado, das ocasiões do pecado, desapegarmo-nos das criaturas e de tudo o que é terreno, para vivermos em Deus e para Deus com a maior plenitude e estabilidade possíveis. E São Paulo continua explicando: “De fato aquele que morreu, justificado está do pecado. E, se morremos com Cristo, creiamos que viveremos também juntamente com Cristo”…

Caríssimos, esta obra de santidade inaugurada no Batismo, continua durante toda a nossa existência. São Paulo dizia: “Eu morro todos os dias”. É certo que Jesus Cristo só morreu uma vez; deu-nos assim o poder de morrer com Ele para tudo o que é pecado. Nós, porém, devemos “morrer” todos os dias, pois conservamos em nós as raízes do pecado, raízes estas que o demônio trabalha para fazer brotar de novo. Portanto, destruir em nós essas raízes, fugir de toda a infidelidade, desapegar-se de todo criatura amada por si mesma, afastar das nossas ações todo o motivo, não só culpável, mas puramente natural; libertar-nos de tudo o que é criado, terreno, conservar o coração livre duma liberdade espiritual, – eis, caríssimos, o primeiro elemento da nossa santidade. Mostra-o S. Paulo em termos os mais expressivos: “Purificai-vos do velho fermento para serdes uma massa nova; pois, desde que Jesus Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado por nós, tornastes-vos pães ázimos. Participemos portanto do banquete, não com o fermento antigo, o fermento do mal e da perversidade, mas com os ázimos da verdade e da sinceridade”.

Aqui também faz-se mister uma explicação: Entre os Israelitas, nas vésperas da festa da Páscoa, deviam desaparecer das casas toda a espécie de fermento; No dia da festa, depois de imolado o cordeiro pascal, comiam-no com pães ázimos, isto é, sem fermento, não levedados (Cf. Ex. XII, 26 e 27).  Pois bem! Tudo aquilo eram apenas “figuras e símbolos” da verdadeira Páscoa, a Páscoa cristã. Naquele momento da regeneração batismal, participamos da morte de Cristo, que fazia morrer em nós o pecado: tornamo-nos, e assim devemos permanecer pela graça, uma nova massa, isto é, “nova criatura”, “novo homem”, a exemplo de Jesus Cristo saído glorioso do sepulcro.

Os judeus, chegada a Páscoa, se abstinham de todo o fermento para comer a cordeiro pascal, assim também vós, cristãos,  que quereis participar do mistério da Ressurreição e unir-vos a Jesus Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado por vós, deveis, doravante, levar uma vida isenta de todo o pecado; deveis abster-vos desses maus desejos que são como que um fermento de malícia e perversidade; deveis conservar em vós a graça que vos fará viver na verdade e na sinceridade da lei divina.

Não podemos servir a dois senhores ao mesmo tempo. E, se renunciamos ao demônio, suas obras que são os pecados, e suas pompas e vaidades que levam ao pecado, digo, se renunciamos a tudo isto, é justamente para vivermos para Deus. E este viver para Deus encerra em si uma infinidade de graus. Supõe em primeiro lugar afastamento total de todo pecado mortal; pois, entre este e a vida divina há incompatibilidade absoluta. Há depois a separação do pecado venial, das raízes do pecado, de todo o motivo natural; desapego de tudo quanto é criado. Quanto mais completa for esta separação, mais libertados estamos, mais livres espiritualmente e mais se desenvolve e desabrocha também em nós a vida divina; à medida que a alma se liberta do humano, abre-se para o divino, vive na verdade a vida de Deus.

Caríssimos, permaneceremos em Jesus que é a Vida, pela graça, pela fé que n’Ele temos, pelas virtudes de que Ele é o modelo perfeito. E é preciso que Jesus Cristo reine em nossos corações. É mister que tudo em nós Lhe seja submetido.  Jesus deve ser a nossa vida. Oxalá pudéssemos dizer com toda verdade como São Paulo: “Vivo, mas não sou mais que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim!”

Vamos resumir tudo também com palavras de São Paulo: “Portanto, se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à destra de Deus; afeiçoai-vos às coisas que são lá de cima, não às que estão sobre a terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col. III, 1-3). Amém!

Publicado originalmente na Páscoa de 2016