Summorum Pontificum em risco? E agora?

Por FratresInUnum.com, 27 de maio de 2021 – O prestigioso blog italiano Messa in latino publicou, anteontem, uma notícia inquietante, segundo a qual o Papa Francisco teria dito aos bispos da Conferência Episcopal Italiana que estaria por ao menos restringir o Motu Proprio Summorum Pontificum, de Bento XVI. A notícia foi rapidamente replicada pelo respeitado blog Rorate coeli e daí rapidamente chegou ao Brasil. 

Dom Rifan e Papa Francisco

7 de Fevereiro de 2018 – Papa Francisco cumprimenta Dom Fernando Rifan e seminaristas da Administração Apostólica São João Maria Vianney.

Obviamente, a possibilidade de que essa previsível desventura aconteça deixa apreensivos os católicos que se beneficiam da liturgia tradicional, muitos dos quais têm sofrido já gravemente com o desacato dos bispos às disposições da Santa Sé que dão aos fieis o direito de ter a Missa de Sempre.

Contudo, é preciso dizer que o próprio Messa in latino deixa claro que chegaram apenas “notícias ainda fragmentárias” e que “parece que o Papa teria anunciado uma reforma para pior do texto do Motu Proprio Summorum Pontificum”. Esses conjuntivos são importantes sobretudo para que se não antecipe nenhuma medida restritiva, visto que a Missa tradicional é uma grande pedra de tropeço no caminho dos modernistas, a qual eles estão ansiosos por remover. Hoje, chega-nos a informação, por meio do movimento francês Paix Liturgique, de que a medida só não foi ainda promulgada por obstrução da Congregação para a Doutrina da Fé, “que sustenta que ela provocaria desordem e oposições incontroláveis em todo o mundo”. Há notícias que já dão conta de grupos franceses se organizando para protestar em Roma, caso, de fato, Francisco vá adiante.

É óbvio que, embora o que vazou forneça maiores detalhes, o ato seria coerente tanto com o trabalho de desmonte da Tradição protagonizado pelo Papa reinante em seu ministério geral, quanto com o específico esfacelamento da Comissão Ecclesia Dei, supressa por Francisco e reduzida a uma Seção da Congregação para a Doutrina da Fé, entregando-se todos os institutos que dela dependiam diretamente à Congregação para os Religiosos, sob a chefia do Cardeal Braz de Aviz. 

Na prática, esse estratagema foi utilíssimo para o boicote à Missa Tradicional, pois os fieis simplesmente deixaram de ter a quem suplicar quando o assunto é a garantia dos direitos explicitados no Motu Proprio Summorum Pontificum. Agora, a restrição das suas disposições seria uma consequência natural de toda essa sabotagem.

A questão, porém, é se Francisco daria tal passo com Bento XVI ainda vivo (pressupondo que existisse por parte dele uma real consideração para com a pessoa do Papa alemão) e, sobretudo, se ele está disposto a enfrentar a fúria dos fieis lesados, especialmente nos Estados Unidos, onde a Missa Tradicional prospera dia após dia e de onde o apelo dos donativos é bastante persuasivo.

No cálculo de ganhos e perdas, compensará para Francisco dar esse golpe, justamente quando ele lança a ideia da sinodalidade? De nossa parte, nunca subestimamos a obstinação do papa argentino e a sua decidida oposição a tudo aquilo que seja realmente católico e tradicional. 

No entanto, vale lembrar que Bento XVI, em Summorum Pontificum, não se limitou a tratar de aspectos disciplinares,  concedendo, sob determinadas condições, a todos os sacerdotes a faculdade de celebrar segundo a chamada forma extraordinária do Rito Romano, mas estabeleceu com todas as letras, em linha de princípio, que “é lícito celebrar o Sacrifício da Missa segundo a edição típica do Missal Romano, promulgada pelo Beato  João XXIII em 1962 e nunca ab-rogada”. 

Em outras palavras, o Papa Ratzinger estava garantindo aquilo já previsto pela bula Quo primum tempore, de São Pio V: mesmo que surgisse alguém que quisesse restringir a celebração da dita forma extraordinária, tal medida seria sempre inválida na raiz, visto que a Missa Tradicional é um rito oficial da Igreja Católica e que jamais foi derrogado validamente por nenhuma disposição anterior — e, ademais, não o poderia ser posteriormente, dado que, “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial”, conforme ele mesmo tentou explicar aos bispos.

As eventuais medidas de restrição que poderiam ser tomadas por Francisco, na verdade, não teriam nenhum valor e os padres que quisessem poderiam continuar tranquilamente celebrando a Missa de Sempre. Portanto, a manutenção da Fé ortodoxa e da liturgia católica, nesses casos, exigiria mais virtude e mais coragem da parte do pequeno resto do clero que se quisesse manter fiel à Tradição, o que significa que isso atrairia mais graças para eles mesmos e para os fieis, mesmo que salgados pelo peso da perseguição.

Se os bons padres estarão dispostos a chegar a isso nós não sabemos. Contudo, tais medidas deixariam mais clara, como se fosse necessário, a ruptura de Francisco com a parte sadia da Igreja e tornariam ainda mais insustentável a narrativa concordista.

Diante do cisma herético alemão, é bem provável que os inimigos da Igreja cheguem a este ponto para provocarem a parte ortodoxa a fim de forçarem uma espécie de “cisma” à direita, graças às medidas persecutórias que se tomariam contra aqueles que quisessem conservar intacto o direito de celebrar na forma tradicional.

Trata-se da reedição do “empurremo-lo ao cisma“, estratégia dos primeiros anos de pós-concílio confessada por um bispo progressista quando se referia a Dom Marcel Lefebvre. A diferença, hoje, é que à época só havia Dom Lefebvre, Dom Antonio de Castro Mayer e alguns poucos leigos; agora, contra toda a expectativa dos moribundos amantes do Vaticano II, há um exército de jovens leigos e padres que brotam feito água de fontes ocultas em cada diocese. 

Em caso de um “empurrão ao cisma”, caberia a esses Católicos a fortaleza de resistir sem cair na armadilha colocada pelo adversário de uma ruptura institucional, ruptura que a parte heterodoxa institucionalmente não admite para si em hipótese alguma, apesar de todas as suas heresias (vide o caso já citado da Igreja alemã; seria tão fácil pegar as malas e partirem para a igreja protestante, não?) para as quais podem contar com a complacência do papa argentino, que justamente apertou o acelerador para que se chegasse nesse ponto. A não ruptura da parte heterodoxa, porém, é tão somente uma impostura institucional, pois, sem a verdadeira Fé, mesmo que se mantenham na estrutura, já não mais pertencem à Igreja.

23 comentários sobre “Summorum Pontificum em risco? E agora?

  1. Há males que vem para o bem. Sem assim acontecer, conforme a notícia, muitos frutos poderão ser colhidos desta situação. O primeiro, como já citado, é saber quem é quem nessa história. O segundo, e mais importante na minha visão, é encarar a situação como ela realmente é, sem floreios, e deixar de mendigar um “acolhimento” daqueles que usurpam o liderança da igreja para o bem de tudo que não é católico. Não são os fiéis à Tradição e à Igreja de Sempre que precisam se reconciliar, mas sim os que colocaram em prática a demolição modernista, seja padre, bispo, papa ou leigo – a Igreja é de Cristo.

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    1. Correto.
      D. Lefebvre em seus últimos dias entendeu que, de maneira objetiva, não era ele nem a FSSPX que deveriam provar que eram católicos, mas os modernos é que deveriam provar seu catolicismo, subscrevendo o Syllabus, as Encíclicas Quanta Cura, Libertas Praestantissima, Pascendi, o decreto Lamentabili, o Decretum Contra Communismum, a Bula Que Primum Tempore, etc.

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  2. “pressupondo que existisse por parte dele uma real consideração para com a pessoa do Papa alemão”….kkkkkk…é verdade.

    Da minha parte eu torço por isso. Quero que todas as mascaras e cortinas caiam. Ora, se na morte de Nosso Senhor o véu do templo rasgou-se de cima a baixo, porque para esse clero “humano demais” não haveria também tão descortinamento de suas falsidades e apostasia? Deixa o castelo de cartas da Igreja conciliar cair. Santidade não se improvisa, ou é ou não é

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  3. Eu acho que até tá demorando demais! Não sei porque o SP ainda não foi rasgado, pisado e execrado publicamente! Desse papa aí eu espero tudo!

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    1. Dificilmente isso aconteceria. Para os modernistas, o SP se presta a dar uma aparência de concórdia e misericórdia para com a Fé e os verdadeiros católicos, enquanto agem completamente às avessas em seus efetivos e heréticos tentáculos em vários dicastérios romanos, conferências episcopais e dioceses mundo afora. O que pode acontecer são certas mudanças no SP que imponham uma cada vez maior aceitação ao “credo modernista” em troca da manutenção do que eles julgam ser benevolências revogáveis.

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  4. Temos que nos apoiar no que vem do Senhor Deus verdadeiro e não em simples invencionices de doutrinas humanas desse século ideologista e sumamente modernista, alienante e relativista sedizente católico, venha de onde vier, optando por tudo ao inverso da vontade de Deus, apegando no niilismo, porém, tem-se sempre tenazmente antepor-se no: – dê no que der, assumimos as consequências – de prosseguirmos no mesmo de sempre, com a igual doutrina sob os auspícios das máximas proferidas por S Vicente de Lérins, no: “quod semper et quod ubique et quod ab omnibus creditum est”!
    Aliás o que vier fora disso, fique de fora de uma vez por todas e, ao acaso, possuimos ou ressuscitou a versão II de Ário, doutro modelo, atualizado, ele e seus asseclas e capachos, donos dos templos e tudo o mais de concreto terreno, de menos a eterna e imutável doutrina da Igreja católica de 2000 anos?
    Que valor tem possuirem os bens terrenos, como os templos, entretanto, faltarem-lhes as graças celestiais que persistirão por toda a eternidade?
    Que esperar do papa Francisco anti Summorum Pontificum que outorgou aos pagãos do PC chinês poderem ordenar bispos “católicos”? Ou “vem à minha mente dizer se é uma insensatez, uma heresia, não sei” etc. etc.?
    Ótimo que o saudoso Bento XVI continua vivo – mais um obstáculo às esquerdas-maçonaria por detrás!

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  5. As gerações dos meus avós e dos meus pais chegaram a fazer parte da Diocese de Campos e lá permaneceram até 1985, ano da ruptura local. Eu nasci em 1988, portanto já nasci na União Sacerdotal São João Batista Maria Vianney, logo nunca pertenci à Diocese de Campos. Realmente, a Diocese de Campos e a União Sacerdotal eram igrejas distintas, separadas e independentes entre si – nunca foram “a mesma Igreja”, como alguns boçais oriundos do progressismo vieram pra cá e ousam usar dos templos construídos por nossos antepassados e pertencentes à União Sacerdotal para propagarem esta mentira e maledicência.

    Todo mundo sempre esteve ciente da separação entre as ditas Igrejas, e isto nunca foi considerado cismático. Ninguém considerava isso cismático. Meu posicionamento é de que não é cismático e nunca será.

    Agora, conservadores que se intimidam com qualquer documento tendencioso, errôneo e artificial obviamente não têm o sensus fidei necessário para reagir contra esta abominação e na intensidade e violência cristã que a situação exige. Refiro-me à energia da geração dos meus avós.

    Parece que terão que fazer antes um curso de tradicionalismo para fazerem frente à gravidade da presente situação. Mas, enfim, qualquer atitude neste sentido é melhor do que nada, apesar de insuficiente!!!

    A postura conservadora, moderada, nunca foi suficiente para fazer frente a esta desgraça do progressismo. E, por isso mesmo, a Igreja arde e é destruída na maioria de suas instituições eclesiásticas, paróquias, dioceses, conventos etc. E sob o deboche de alguém que se veste de branco!

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    1. Meu irmão foi da Paróquia do Terço. Deixou Campos. qdo o Vaticano retirou seu Bispo
      EXMO DOM CASTRO MAYER . Retirou,se a uma Ermida na Fazenda Nossa Senhora da LAGRIMAS. Ribeirão Claro onde veio a falecer DPDE 60 ANOS DE SEU SACERDOCIO. e está sepultado sob a Capela que construiu. Foi construtor e REITOR do seminário de Jacarezinho até que Bispo não concordou com sua direção espiritual. SOM GERALDO PROENÇA DE SIGAUD TB FORA RETIRADO DE SUA QUERIDA DIOCESE. ATE HHOJE OS ANTIGOS SENTEM MUITO ESTAS ORDENS DESTE NOVO CONSILIO.

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  6. Infelizmente, no fundo sabemos que o trabalho dos padres que tentam conciliar a Tradição com a obediência a um clero baseado no Vaticano II, na melhor das hipóteses sempre teria o silêncio ante os erros e a regra de não polemizar como consequências lógicas.
    Caso denunciassem em alta voz os erros do Ecumenismo, os atos persecutórios do papa contra os conservadores, o erro da Missa Nova, perderiam a licença em dois tempos.
    É entretanto uma situação delicada a que vivem: são o sustento de milhares de pessoas que estavam à míngua, sem sacramentos, sem doutrina, sem liturgia, sem catequese…
    Será um milagre conseguirem se manter impassíveis na fidelidade, e resistindo a eventuais proibições e represálias.
    Se Francisco transformar o Summorum Pontificum em letra morta, para mim não significaria nada, pois antes do SP havia uma Bula com indulto perpétuo IRREVOGÁVEL chamada “Quo Primum Tempore”.

    Por essas e outras a FSSPX, a União Sacerdotal D. Lefebvre e comunidades amigas não se apertam: tendo o Catecismo Romano e o ensinamento constante da Igreja expresso nas Bulas, Encíclicas e Concílios Ecumênicos DOGMÁTICOS, estão cientes de como fazer para viver e morrer como católicos, assim como sabem distinguir a verdadeira obediência (que leva em última análise ao heroísmo), da falsa obediência que leva à conivência com a destruição da Igreja e a perda das almas.
    De que servirão as paróquias, as capelas, a estrutura física, a aparência de comunhão, quando a Fé está misturada com erros, a consciência está inquieta com as omissões e a língua que deveria ensinar a verdade E DENUNCIAR O ERRO está travada com pactos de convivência?
    O católico que guarda a Fé em sua Pureza já tem tudo.
    O papa não manda ninguém pular da ponte com uma bigorna amarrada na cintura. E se ordenasse, todo mundo ignoraria a ordem sem sentir a menor culpa em suas consciências. Mas se ele exigir a extinção ou restrição do Summorum Pontificum, então vocês acatariam uma ordem irregular a pretexto de obediência?
    Enquanto existir a Quo Primum, qualquer proibição que fizerem contra um padre latino que desejar rezar a Missa de Sempre será irregular.

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  7. Summorum Pontificum: “Por isso é lícito celebrar o Sacrifício da Missa segundo a edição típica do Missal Romano, promulgada pelo Beato João XXIII em 1962 e nunca ab-rogada, como forma extraordinária da Liturgia da Igreja.

    Por que vocês costumam mutilar trecho tão importante do dito documento?

    FratresInUnum: “Em outras palavras, o Papa Ratzinger estava garantindo aquilo já previsto pela bula Quo primum tempore, de São Pio V: mesmo que surgisse alguém que quisesse restringir a celebração da dita forma extraordinária, tal medida seria sempre inválida na raiz, visto que a Missa Tradicional é um rito oficial da Igreja Católica e que jamais foi derrogado validamente por nenhuma disposição anterior — e, ademais, não o poderia ser posteriormente, dado que, “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial”, conforme ele mesmo tentou explicar aos bispos.

    Isso é intelectualmente muito desonesto, não?

    Bento limita-se a dizer que a Missa não foi nem ab-rogada nem ob-rogada, mas tão-somente… derrogada e restringida.

    Assim, fica mesmo muito fácil para o outro lado, viu?

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    1. ESTOU DE ACORDO.

      A missa Tridentina NUNCA FOI PROIBIDA por nenhum Papa. Sempre houve a possibilidade que cada Bispo na sua Dioceses determine uma Paróquia para que se rezem no rito antigo, SE HOUVER POVO PARA ISSO.

      Portanto, não haverá mudanças. Vocês podem rezar tranquilos no rito antigo, se tiver Padre para isso e nós seguiremos com a missa nova de Paulo VI e todos ficam feliz.

      Mas sem um querer destruir o outro. Que isso fique claro.

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  8. “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial”.
    Pergunto: que força teria isto quando a Igreja de Cristo está coalhada de gente que prega abertamente a idolatria e a dessacralização de tudo, incluso Bergoglio neste esquema?

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  9. Prezado E., há pessoas muito mais competentes do que eu que já encararam a questão, mas se vc me permite tecer o seguinte comentário:

    O Concílio de Trento tratou dogmaticamente da doutrina católica sobre a Missa. Mais especificamente, sobre o Rito Romano, definiu dois dogmas sobre o Rito. O primeiro sobre o Cânon Romano; o segundo dogma sobre as partes da Missa Romana em torno do Cânon, porém fora do Cânon.

    Entendo que como o Concílio era geral (de Trento), ele não intencionou apresentar um Rito já delimitado e pronto, mas cuidou de canonizar (dogmatizar) a parte essencial do Rito, que é o Cânon Romano. Mas, não se esqueceu das outras partes da Missa Romana – tudo objeto de ataque das doutrinas protestantes da época e de hoje. Porém, sobre a parte não essencial da Missa, o Concílio de Trento canonizou essa parte como necessária e como “deveres da piedade”. Obviamente, o Concílio não foi exaustivo ao exemplificar estas partes, digamos secundárias, da Missa; porém, as canonizou com o vínculo do anátema.

    Por que o Concílio de Trento não apresentou o Rito Tridentino já pronto e delimitado? Por uma razão bastante óbvia. O Concílio era geral, ao passo que o Rito Romano é natural da Igreja de Roma. Então cabia ao chefe da Igreja de Roma apresentar a versão definitiva e delimitada. O Concílio de Trento, infalível e dogmático, com a aprovação dos papas da época, tratou das partes mais importantes da Missa Romana; de modo especial definiu estes dois dogmas referentes ao Cânon Romano e às outras partes da Missa. Passou estes dogmas e as diretrizes conciliares para o Papa, quando do término do Concílio, e o Papa então é o que tratou de realizar a reforma do Rito de maneira a apresentar um Rito bem delimitado e tangível que, aliás, em linhas essenciais era o mesmo Rito Romano anterior ao Concílio de Trento.

    Então coube ao Papa a canonização do Rito de uma maneira mais detalhada, isto é, versando sobre o Rito inteiro e completo. Foi o que São Pio V fez. Você precisa compreender um ponto de doutrina que intercepta esta questão: Somente a Sé Apostólica (de Roma) tem o direito e o poder de mexer/alterar no Rito Romano. As Conferências Episcopais nunca tiveram tal poder e nem podem ter, como infelizmente pretendeu o Vaticano II, porque o Rito é natural de Roma. Exemplo: Eu não posso delegar aos armênios o direito de legislarem e definirem sobre o Rito da Tradição Litúrgica de Antioquia etc. Em todo caso, até Pio XII está suficientemente comprovado que somente a Sé de Roma é que tem autoridade sobre o Rito Romano.

    Sobre os dois dogmas do Concílio de Trento a que me referi, especificamente sobre o Rito Romano:

    1º)

    “E, como convém administrar santamente as coisas santas e como este sacrifício é o que há de mais santo, a Igreja católica, para que fosse digna e reverentemente oferecido e recebido, instituiu, há muitos séculos, o sagrado cânon [Canon Missae], tão puro de todo erro que nele nada se contém que não exale, no mais alto grau, santidade e piedade e que não eleve a Deus os espíritos dos oferentes. Pois consta tanto das próprias palavras do Senhor como das tradições dos Apóstolos e também das pias determinações de santos Pontífices.” (CONCÍLIO DE TRENTO, Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 set. 1562, apud DENZINGER; HÜNERMANN, 2015, p. 448).

    “Se alguém disser que o cânon da Missa contém erros e, portanto, deve ser ab-rogado: seja anátema.” (CONCÍLIO DE TRENTO, Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 set. 1562, cân. 6, apud DENZINGER; HÜNERMANN, 2015, p. 450).

    Com relação ao Cânon Romano, que era alvo de ataque dos reformadores protestantes, o Concílio fez esta definição infalível e irreformável. Logicamente, há infinitas maneiras de se ab-rogar na prática o Cânon Romano, desde seu mero abandono na celebração da Missa Romana até a sua conservação meramente simbólica, em que na maioria das vezes e quase sempre, ao se executar o Rito Romano, não se utiliza o Cânon Romano, que é a sua parte essencial.

    2º)

    “Como a natureza humana é tal que não se consegue elevar facilmente à meditação das realidades divinas sem recursos exteriores, por isso, a Igreja, mãe piedosa, instituiu certos ritos, a saber: que algumas coisas na Missa fossem pronunciadas em voz baixa, outras em voz alta; também empregou cerimônias como bênçãos místicas, luzes, incenso, vestes e muitas outras coisas do gênero, tomadas da disciplina e tradição apostólica, para que com isso se acentuasse a majestade de tão grande sacrifício e os espíritos dos fiéis fossem estimulados, por estes sinais visíveis de religião e piedade, à contemplação das realidades elevadíssimas que estão escondidas neste sacrifício.” (CONCÍLIO DE TRENTO, Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 set. 1562, apud DENZINGER; HÜNERMANN, 2015, p. 448).

    “Se alguém disser que as cerimônias, vestes e sinais exteriores que a Igreja católica usa na celebração das missas, são antes estimulantes da impiedade do que deveres da piedade: seja anátema.” (CONCÍLIO DE TRENTO, Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 set. 1562, cân. 7, apud DENZINGER; HÜNERMANN, 2015, p. 450).

    Após tratar satisfatoriamente da parte essencial da Missa Romana, que é o Cânon da Missa, o Concílio de Trento não se esqueceu das outras partes da celebração da Missa e, infalivelmente, declarou-as necessárias, condizentes com a importância e gravidade do Sacrifício da Missa e estimulantes da piedade e da contemplação dos fiéis sobre as realidades divinas. São diversos e inúmeros sinais exteriores que, apesar de não integrarem à essência, que é o Cânon Romano, contudo, são deveres de piedade, isto é, algo que a fé dos fiéis exige que eles demonstrem também externamente. O Concílio lista de maneira não exaustiva alguns exemplos destes sinais exteriores de piedade, adoração, reverência, respeito e contemplação que foram se juntando à celebração da Missa. São deveres da religião católica.

    Ainda é digno de menção um terceiro dogma, uma terceira doutrina infalível e definitiva do Concílio de Trento:

    3º)

    “Se alguém disser que se deve condenar o rito da Igreja Romana pelo qual se proferem em voz baixa parte do cânon e as palavras da consagração; ou que só se deve celebrar a Missa em língua vulgar; ou que não se deve misturar água com o vinho para oferecer no cálice, por ser contra a instituição de Cristo: seja anátema.” (CONCÍLIO DE TRENTO, Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 set. 1562, cân. 9, apud DENZINGER; HÜNERMANN, 2015, p. 450).

    Pronto! Declarados estes dogmas, o Concílio de Trento remeteu a execução da Reforma Tridentina ao Papa da época.

    Importante destacar e lembrar que há inúmeras maneiras de a pessoa voluntária e deliberadamente contrariar estas três doutrinas, desde a mera maneira de proceder, o que se pratica, até a negação explícita e pública – o que pesa sobre o progressismo e os progressistas.

    Concluída a Reforma Tridentina do Rito Romano – que conservou toda a essência deste Rito – São Pio V na sua Bula Quo Primum Tempore estabelece o seguinte:

    1º) O Indulto Perpétuo:

    “Além disso, em virtude de Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula, concedemos e damos o indulto seguinte: que, doravante, para cantar ou rezar a Missa em qualquer Igreja, se possa, sem restrição, seguir este Missal com permissão e poder de usá-lo livre e licitamente, sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se possa incorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isso para sempre.” (PIO V, Bula Quo Primum Tempore, 14 jul. 1570, apud DAVIES, 2019, p. 456; PIO V, 2013, p. 13).

    2º) A Declaração:

    “Da mesma forma decretamos e declaramos que os Prelados, Administradores, Cônegos, Capelães e todos os outros Padres seculares, designados com qualquer denominação, ou Regulares, de qualquer Ordem, não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo que o por Nós ordenado; nem sejam coagidos e forçados, por quem quer que seja, a modificar o presente Missal, e a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua força.” (PIO V, Bula Quo Primum Tempore, 14 jul. 1570, apud DAVIES, 2019, p. 456-457; PIO V, 2013, p. 13).

    O que interessa de minha parte comentar sobre estas duas intervenções de Pio V no âmbito da Bula Quo Primum é:

    Não são apenas normas jurídicas passíveis de revogação ou de restrição ou de limitação. São antes de tudo declarações e normas infalíveis, definitivas, doutrinárias e teológicas, muito bem fundamentadas nas citadas doutrinas infalíveis e definitivas do Concílio de Trento, ligadas sob o vínculo do anátema.

    Portanto, o que confere um caráter infalível e definitivo a tal teor da Bula de Pio V não é simplesmente ou tão somente normas jurídicas, o caráter jurídico-eclesiástico da Bula (Constituição Apostólica), nem apenas a canetada de um Papa muito santo, mas é o plano de fundo, as doutrinas do Concílio de Trento que dão solidez às intervenções de Pio V nesta Bula. Pio V seguiu as infalíveis e definitivas doutrinas do Concílio de Trento referentes ao Rito Romano. E é nesta conformidade que ele procedeu com a Reforma Tridentina e decretou a referida Bula e tudo quanto nela se encontra. O dogmático Concílio de Trento foi aprovado e reconhecido por todos os Papas daquela época – pontífices bastante competentes e prudentes!

    Sobre o Motu Proprio Summorum Pontificum de Bento XVI (2007):

    Está plenamente de acordo com o que foi determinado pelo Concílio de Trento e pela Bula Quo Primum. Aliás este documento era uma dívida, porque nenhuma regulamentação do uso do Rito Tradicional pode ser de tal maneira que acabe inviabilizando ou prejudicando ou restringindo o uso do referido Rito. Porque tal atitude seria contrariar a doutrina do Concílio de Trento e o Indulto e a Declaração de Pio V (1570).

    Assim, a doutrina do Concílio de Trento e a determinação da Bula Quo Primum é que são as normas essenciais e que não podem ser desobedecidas. o Motu Proprio de Bento XVI é apenas uma regulamentação ou detalhamento para uso do Rito Tridentino nas presentes circunstâncias. Conforme já dito, esta regulamentação não pode acaber de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente proibir ou prejudicar o pleno cumprimento do que fora estabelecido pelo Concílio de Trento e pela Bula Quo Primum sobre o Rito Romano da Missa.

    Por isso, frente a perseguição de que a Liturgia Tradicional fora e é ainda hoje objeto e frente à postura de patrocínio e/ou conivências dos bispos diante de tal perseguição, o próprio Bento XVI mandou a Comissão Ecclesia Dei lançar aquela Instrução “Univesae Ecclesiae” de 30 de abril de 2011, em que se determina:

    “garantir e assegurar realmente a quantos o pedem o uso da forma extraordinária, supondo
    que o uso da Liturgia Romana vigente em 1962 é uma faculdade concedida para o bem dos
    fiéis e que por conseguinte deve ser interpretada em sentido favorável aos fiéis, que são os
    seus principais destinatários;” (Instrução Universae Ecclesiae, n. 8, b).

    O que Bento XVI fez não foi um favor ou uma filantropia para com os fiéis, mas deu cumprimento e observância a quanto foi doutrinária, infalível e definitivamente declarado pelo Concílio de Trento e pela Bula Quo Primum de Pio V edificada sobre os vínculos de anátemas do Concílio de Trento.

    Repetindo, são as doutrinas definitivas do Concílio de Trento que sustentam à perpetuidade o Indulto e a Declaração de Pio V acima citados.

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    1. Quem se dispor a ler seu comentário até o fim poderá tirar muito proveito.
      O Summorum Pontificum e a Universae Ecclesiae na realidade apenas recordam e reforçam verdades proclamadas de maneira IRREVOGÁVEL e DEFINITIVA nos tempos de S. Pio V.
      Nenhum papa presente ou futuro poderá suprimir a Missa, tal como foi reorganizada e depurada por São Pio V. O indulto não apenas é perpétuo, mas condena quem tentar contrariá-lo. Não foi à toa que Paulo VI permitiu a perseguição da Missa, mas não ousou a suprimí-la juridicamente; seria o equivalente a remover uma cláusula pétrea da Constituição de um país.

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    2. Neste mesmo blog, encontra-se insto:

      Do estranho personagem que veste hábito carmelitano: “Em 2012, nós fomos expulsos por desobediência. Havia na ocasião uma ordem expressa do Bispo de celebrarmos, pelo menos, a Missa dominical no rito de Paulo VI e nós recusamos. Entretanto, a instrução que regulamentava o motu proprio de 2007 dava direito aos Institutos de Vida Religiosa de celebrarem, exclusivamente, a Missa Tradicional. Portanto, não podemos ser acusados de desobediência.

      De um comentarista no mesmo post :”É preciso tomar cuidado com o wishfull thinking. O motu proprio Summorum Pontificum diz que institutos religiosos podem celebrar a missa tradicional, mas no caso de ser algo habitual ou exclusivo, é necessária a aprovação do Superior Maior, que, nos casos desses institutos diocesanos, é o bispo. Ora, se este não autorizou, é caso de desobediência. A situação dos religiosos não é a mesma da dos padres seculares.

      Logo, sem liberdade irrestrita para os usos antigos.

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  10. Tudo tem um lado bom.
    Quem sabe assim alguns tradicionalistas saiam de suas confortáveis redomas dominicais e resolvam fazer algo de realmente importante para resgatar a Igreja desses impostores.

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  11. Eu tenho refletido no texto do apocalipse (13:3) “E vi uma das suas cabeças como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou após a besta.”
    Na mensagem que o padre Gobbi recebeu de Nossa Senhora ela diz que o Dragão do texto é o comunismo e que a Besta é a maçonaria. Pode ser que eu esteja errado, mas tenho a impressão de que esta ferida de morte na cabeça pode ter sido a eleição de Ratzinger como papa. Com a eleição do papa Francisco a maçonaria finalmente conseguiu eleger o seu representante. Digo isto porque já está bem claro que a religião que ele promove é a maçônica.

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  12. “O demônio sempre procurou privar o mundo da Missa, por meio dos hereges, constituindo-os precursores do Anticristo, o qual, primeiro que tudo o mais, procurará abolir, e de fato conseguirá abolir, como punição pelos pecados dos homens, o Santo Sacrifício do Altar, conforme aquilo que predisse Daniel: ‘E foi-lhe dado poder contra o sacrifício perpétuo, por causa dos pecados’ (Dan. VIII, 12).”

    (Santo AFONSO DE LIGÓRIO, La Messa e l’Officio strapazzati, Nápoles, 1760; cf. também o parágrafo 10 de sua obra de 1775: Del Sacrificio di Gesù Cristo, onde se alude ao mesmo acontecimento.)

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  13. 1) Prezado E. novamente,

    Referente ao seu comentário:

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    “Neste mesmo blog, encontra-se insto:

    Do estranho personagem que veste hábito carmelitano: “Em 2012, nós fomos expulsos por desobediência. Havia na ocasião uma ordem expressa do Bispo de celebrarmos, pelo menos, a Missa dominical no rito de Paulo VI e nós recusamos. Entretanto, a instrução que regulamentava o motu proprio de 2007 dava direito aos Institutos de Vida Religiosa de celebrarem, exclusivamente, a Missa Tradicional. Portanto, não podemos ser acusados de desobediência.”

    De um comentarista no mesmo post :”É preciso tomar cuidado com o wishfull thinking. O motu proprio Summorum Pontificum diz que institutos religiosos podem celebrar a missa tradicional, mas no caso de ser algo habitual ou exclusivo, é necessária a aprovação do Superior Maior, que, nos casos desses institutos diocesanos, é o bispo. Ora, se este não autorizou, é caso de desobediência. A situação dos religiosos não é a mesma da dos padres seculares.”

    Logo, sem liberdade irrestrita para os usos antigos.”

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    Se sou eu a ser privado da Missa Tridentina, ou constrangido a participar da Missa Nova, então eu entendo que deveria fazer o que meus avós e pais fizeram: rachar fora e procurar um lugar onde a verdadeira Igreja Católica está.

    Quando eu digo que as intervenções de Bento XVI estão plenamente de acordo com a Bula Quo Primum de S. Pio V, é porque em minha análise eu não detectei nada de substancial que contrarie a norma fundamental. Mas, na hipótese de se encontrar tais inconformidades, sempre valerá a norma fundamental, essencial. Nas referidas intervenções de Bento XVI há também pontos com os quais não concordo.

    Eu acho que, nas presentes circunstâncias, Bento XVI (no seu pontificado) deu um passo importante sobre a matéria. Melhor do que nada!

    Após uma análise mais cuidadosa, de vários anos, eu condeno a Missa Nova, retornando à posição original da União Sacerdotal São João Batista Maria Vianney.

    Exemplo: Se eu fosse um padre que tivesse assinado a Orientação Pastoral Sobre o Magistério Vivo da Igreja e outros documentos, da Administração Apostólica, eu teria me arrependido de ter assinado e, hoje, eu não seria padre daquela instituição por livre decisão pessoal.

    Contudo, eu respeito a prudência e a sensatez de espírito de alguns padres mais velhos da ADM que estão sofrendo no silêncio e no retiro a presente situação. Eles são dignos de nosso respeito, apoio e consideração.

    Um grande abraço!

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    2) Prezada Anna Maria Villac de Faria,

    É uma imensa honra ser tão próximo de padres tão corajosos e sábios, padres com P maiúsculo. Muito bom saber que vc é irmã de um dos Padres de Campos.

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    3) Prezado Bruno Luís Santana,

    Muito bom ver seus comentários aqui no Fratres. Você e a FSSPX acertaram sobre a matéria há muitos anos. Eu preciso ir retificando meus posicionamentos desde então.

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  14. Caros Fratres;

    Há muitos anos atrás fomos “obrigados” a celebrar apenas a “missa conciliar”…
    Portanto, meus caros, desde já, fiquem sabendo que muitos, mas muitos, daqueles que celebram de acordo com o Missal de João XXIII, preferirão o conforto de suas Paróquias e Dioceses, do que a fidelidade à Fé!
    Quando isso acontecer e as máscaras caírem, muitos irão perceber que a Tradição Católica é muito maior que batinas, paramentos brocados e bordados em dourado, alvas e sobrepelizes com rendinhas, cálices enfeitados com pedraria e de gosto duvidoso…
    Tradição é muito mais!
    Tradição é manter-se fiel à Doutrina e, por conseguinte, à simplicidade, à pobreza e à castidade.
    Que o Bom Deus tenha misericórdia de nós!
    Imaculado e Doloroso Coração de Maria, rogai por nós!

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