Extra omnes!

Continuamos nossas análises ao motu proprio Traditionis Custodes. Toda a série pode ser encontrada aqui.

Por FratresInUnum.com, 23 de julho de 2021 — No início do conclave, quando solenemente os cardeais entram na Capela Sistina para o primeiro escrutínio, o cerimoniário papal dirige-se à porta, que será fechada com chave (cum clave) e diz aquelas famosas palavras cerimoniais: “extra omnes”, “todos fora”.

The City and the World: Extra omnes.

O rito se refere não apenas à despedida de todos aqueles que não pertencem ao colégio dos cardeais eleitores do próximo romano pontífice, mas de algum modo é uma reminiscência daquela outra despedida que acontece durante o período catecumenal, em que os candidatos ao Santo Batismo eram despedidos para as suas casas antes que se iniciasse a chamada Missa dos Fiéis, que começava com o ofertório – a parte anterior era chamada de ante-missa ou missa dos catecúmenos, justamente porque era até o Credo que eles podiam participar.

Em seu Motu Proprio Traditionis Custodes, o Papa Francisco realiza a degradação das degradações: expulsa da missa não apenas os catecúmenos, mas inclusive os fiéis.

No art. 3 § 2 do documento, ele afirma:

“O bispo, nas dioceses nas quais até agora existe a presença de um ou mais grupos que celebram segundo o Missal antecedente à reforma de 1970: indique um ou mais lugares onde os fiéis que adiram a estes grupos possam reunir-se para a celebração eucarística (porém, não nas Igrejas paroquiais e sem erigir novas paróquias pessoais)”.

Em outras palavras, Francisco expulsa das paróquias não apenas os fiéis tradicionais, mas especialmente a própria missa tradicional, que teria de ser, segundo o seu texto, relegada a lugares secundários de culto (capelas ou oratórios públicos ou semi-públicos), muitas vezes não adaptados para a celebração segundo o Vetus Ordo.

A medida não é ingênua. É bastante calculada.

Talvez o leitor desconheça um dado interessante: em 2007, quem foi o primeiro a erigir um oratório para a Missa na forma extraordinária, em obediência a Summorum Pontificum? Ninguém menos que o Cardeal Bergoglio. Contudo, não sem um “porém”: a missa, proibida de se celebrar em uma paróquia, foi destinada ora a uma capelinha de bairro,  ora à cripta de outra igreja, com uma mesa descolada do retábulo do altar, com leigos (homens e mulheres) fazendo as leituras de um lecionário pós-conciliar… Diante da queixa dos fiéis, o padre encarregado da celebração, que era tudo, menos tradicionalista, escusava-se dizendo que não havia um lugar mais apropriado, que era pequeno, mas que não era para atrair muita gente, que os jovens não deveriam participar, pois se tratava de uma celebração mais para pessoas velhas, que era pouco acessível, mas que estava tudo bem, etc. etc. E que tudo era ordem do Cardeal Bergoglio! Naturalmente, os fiéis desapareceram, pois não queriam uma missa híbrida e, consequentemente, a celebração foi interrompida [leia aqui nosso post de 2013].

Em outras palavras, Bergoglio agora está “provendo” a Missa tradicional segundo os modos traiçoeiros com que ele a proveu em Buenos Aires. Ele simplesmente quer tornar impossível a celebração na forma extraordinária.

Pior: ele proíbe os bispos de erigirem novas paróquias pessoais, justamente para dificultar ao máximo não apenas a recorrência a estes lugares de culto, mas para sobretudo tornar pura e simplesmente inviável a celebração. Note-se que ele escreve que o bispo deve indicar “um ou mais lugares”, sem dizer se são sacros ou profanos. Em tese, pode ser debaixo de uma árvore, na garagem de uma família, no salão de uma obra social, em suma, qualquer lugar que demande uma completa reconfiguração de todo o espaço cada vez que se célebre a Missa tradicional.

Se ele está perseguindo a criação de paróquias pessoais, o que dizer de administrações apostólicas pessoais ou de padres deste tipo de circunscrição zanzando pelas dioceses para celebrar a Missa tradicional? Será necessário uma bola de cristal para prever que os próximos alvos serão justamente essas instituições e pessoas? Não adianta Dom Rifan e o Mons. Jonas dizerem que não é com eles, que este é um problema de progressistas e tradicionalistas, etc. O clima mudou: agora, trata-se de erradicar a própria celebração da missa tradicional e torná-la inacessível. E de, no máximo, dar tempo para que os rígidos sejam reeducados para adotarem o novo missal. Não se sabe por que ainda a Administração Apostólica não deu esse sinal de filial obediência ao desejo agora explícito do Papa.

Em outras palavras, Francisco, dizendo que os bispos são a autoridade exclusiva sobre a liturgia de suas dioceses no que tange ao rito romano (sic!), trata-os imediatamente como seus coroinhas e os obriga a não disporem de suas paróquias (territoriais) nem de seus fiéis (paróquias pessoais) ao proverem a missa tradicional, a qual, no mesmo ato, ele mesmo está boicotando e obrigando-os a boicotarem por todos os meios possíveis (territoriais e pessoais).

Em síntese, mais uma vez ele manda o impossível e, deste modo, invalida o seu próprio comando. O texto deste Motu Proprio é uma sucessão de contradições. Revela apenas o maquiavelismo do seu autor e o desespero em querer, de qualquer modo, aproveitar o tempo que lhe resta para espezinhar aqueles que ele escolheu como inimigos.

3 comentários sobre “Extra omnes!

  1. Mobutu Za Banga foi um ditador do Zaire. Descia o cacetete na oposição, uma espécie de Floriano Peixoto sem bigode mas com chapéu de onça na cabeça.

    Pensando na quase homofonia Mobuto proprio / Motu proprio quando essas palavras são ditas de carreira, rapidamente, penso que o tal Motu proprio podia melhor se chamar “Mobuto próprio” como singela homenagem ao tiranete do Zaire.

    Indo além da semelhança fonética, melhor nome seria “Mobuto proprio Maldição de Mummes” ou “Mobuto próprio Maldição da Múmia” o que dá na mesma por razão de homo fonia e de conteúdo, res et verba.

    Em latim ficaria mais sonoro, embora mais soturno:
    “Mobuto proprio Maledictio mummiae”, Rito de Memphis.

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