Por Padre Antônio Mariano – FratresInUnum.com, 23 de dezembro de 2021: Contam uma historinha de um homem que tinha um grande laranjal e que constantemente garotos pulavam os muros e comiam muitas laranjas. Achando-se esperto, o homem teve uma ideia. Pôs veneno numa laranja e afixou uma placa na entrada do laranjal com os dizeres: Cuidado! Uma laranja está envenenada. Os garotos, porém, com raiva, fizeram o mesmo que o homem e rasuraram a placa que ele tinha posto, trocando “uma” por “duas”.
Tradidi quod et accepi.
O que aconteceu? Todas as laranjas se perderam, porque se os garotos não podiam comer, por não saberem qual a envenenada, também o dono perde tudo por não saber qual os garotos tinham envenenado.
E nenhuma pessoa ajuizada aceitaria uma laranja, nem de graça, pois, ainda que fossem mil, quem poderia garantir que não era aquela a envenenada?
Assim, diante de um risco desnecessário, uma pessoa prudente escolhe outra opção, sem riscos, segura, certa.
Isso que todos concordariam, não foi o que aconteceu com a Igreja desde a década de 60 do século passado.
Mesmo os defensores mais ardentes do Concílio Vaticano II concordam que certas partes do Concílio são no mínimo dúbias, sendo sempre (ou quase sempre) possível, porém, uma interpretação correta à luz da Tradição da Igreja. E que o Concílio tem coisas boas, trouxe avanços… algumas pessoas de má fé (por acaso, alguns dos que escreveram muitos dos documentos conciliares) é que interpretaram mal os textos do Concílio. Oh, malvados.
Desde o início, o Concílio Vaticano II foi considerado pastoral (expressão semelhante ao “café com leite” das brincadeiras de infância do meu tempo), porém, quando a Igreja foi mais pastoral: quando separou verdade e erro, expôs isso aos fiéis e zelava para que nenhum erro fosse publicado, ensinado etc; ou quando permite que verdade e erro convivam juntas devendo o próprio fiel perceber por si mesmo o que é bom e o que é mau?
É pastoral o pastor que leva as ovelhas para um campo onde estejam presentes, ainda que em pequenas quantidades, ervas venenosas que as ovelhas deverão ter o discernimento de não ingerir? É maternal a mãe que deixa junto aos brinquedos de seu filho um escorpião, porque a criança deverá ter maturidade de não se deixar picar por ele? Não devem o pastor e a mãe proteger não apenas dos males, mas do risco dos males?
O mesmo se aplica à Missa.
Quando se compara a Missa de Paulo VI com a chamada Missa de Pio V não se percebe que elas são no mínimo diferentes? E que a Missa de S. Pio V expressa de forma claríssima verdades que na Missa de Paulo VI não são (tão) expressas? Que a Missa de S. Pio V conduz à uma piedade e devoção que é, ainda que remotamente possível, difícil haurir na Missa de Paulo VI?
Então, uma pergunta simples é: que nome costumamos dar a quem, tendo à disposição o mais fácil, sempre opta pelo mais difícil?
Deixo que você mesmo responda.
Toda essa introdução, caros amigos, é para que percebamos com mais facilidade que o grande erro (deixando o conhecimento das intenções unicamente para Deus) de boa parte da hierarquia católica durante e após o Vaticano II foi de considerar que a solução dos males que se abateram sobre a Igreja era algo tão mau quanto os próprios males e que deveria ser tão ou mais combatido que os males.
A ideia de que se deveria buscar um ponto de equilíbrio entre a observância da Tradição Católica e os “exageros e má interpretação do Concílio” fez o efeito que todos conhecemos: a criminalização da Tradição.
Vale aqui a história daquela pessoa que viu-se sobre um muro. Nosso Senhor, Nossa Senhora, os Santos pediam para a pessoa pular para o lado deles. Os demônios simplesmente observavam. A pessoa então pergunta aos demônios por que não insistiam para que pulasse para o lado do inferno; ao que os demônios respondem que o muro já tinha sido feito por eles.
O eventual equilíbrio da Igreja seria rejeitar a Tradição, mas seguir algumas coisas dela, não permitindo os avanços do modernismo e suas consequências, mas adaptando-se ao mundo moderno e à mentalidade sempre mutável das pessoas.
Sim. Isso é essencialmente contraditório e impraticável. Mas foi isso que pediu-se dos católicos desde o Concílio Vaticano II.
Não sendo possível servir a dois senhores, acabou-se por servir ao mundo. E nessa subserviência ao mundo, a hierarquia da Igreja fez com que a Igreja eterna se tornasse absurdamente mutável, em sua liturgia, em sua moral, em sua fé.
Não poucas vezes os Papas tentaram corrigir certos “avanços imoderados”, mas que nada mais eram que a adequação da Igreja ao mundo que eles mesmos incentivavam.
Se tudo na Igreja deve estar adaptado ao homem contemporâneo, se o que ele encontra na liturgia, por exemplo, é praticamente igual ao que ele encontra no mundo (a língua, os cantos, as vestes…), como frear a consequência lógica de que a moral da Igreja também não deve adaptar-se ao homem moderno? Se a Liturgia, que é o mais importante da Igreja, já se adequa às modas, por que não a moral?
Aqueles padres que eram na década de 70 favoráveis à pílula, na de 90 à camisinha e nos tempos atuais à ideologia de gênero, eram chamados em certos círculos ditos conservadores de heterodoxos, ou até de hereges, mas, lamentavelmente eram apenas coerentes até o fio de cabelo com o aggiornamento proposto pela hierarquia.
A mentalidade de que a Igreja é um carro em que o Papa e os Bispos num momento aceleram e no outro freiam não é possível sem fazer da Igreja um carro desgovernado.
Como dizer a um jovem que frequenta uma liturgia mundanizada que ele não deve ser mundano? As chamadas “aberturas” da Igreja só serviram para que a fumaça de Satanás nela entrasse.
Mas, qual era a solução desses males?
Buscar os pontos positivos do Concílio?
Fazer o malabarismo mental de interpretar o Concílio à “luz da Tradição”, mas sem se render à essa Tradição, fazendo dela um uso seletivo?
Fazer com que a Missa de Paulo VI seja mais próxima da Missa de S. Pio V, mas desprezar a Missa de S. Pio V como algo de um tempo da Igreja?
São essas posturas de encarar o remédio como veneno que nos conduziram exatamente onde estamos. É por isso que até hoje os dubia sobre Amoris Laetitia não foram respondidos, mas os de Traditionis Custodes já.
É absolutamente consequente a ideia que subjaz em Traditionis Custodes e na última Responsa sobre ele de que não apenas a Missa de S. Pio V deve deixar de existir, mas de que ela é como uma praga contagiosa que deve ser afastada para longe das Igrejas Paroquiais e que macula tanto um sacerdote que a celebre que ele pode celebrar no mesmo dia 4 missas de Paulo VI, mas só uma de S. Pio V.
Esse documento tem sua origem na pertinaz negação de reconhecer que só há um remédio para os desvios que se abateram sobre a Igreja: a Tradição. A Tradição autêntica. A Tradição pura. E não a Tradição como um “modo interpretativo”, ou como um pedal de freio.
Traditionis Custodes abre a temporada de caça à Tradição. Essa caça já acontecia, mas num campo menos evidente. Agora essa guilhotina cai sobre qualquer coisa que remeta à Tradição, porque a Tradição da Igreja diz aos fiéis as mesmas palavras de Nosso Senhor: “quem não está comigo está contra mim; quem não recolhe comigo, dispersa”. A Tradição recorda ao fiel que ou se é Católico ou não se é.
E o modo mais próximo dos fiéis se aproximarem da Igreja é a Liturgia, particularmente a Missa. É necessário que um golpe seja desferido sobre a Missa de Sempre para favorecer o golpe contra a Igreja de Sempre.
E as palavras “comunhão” e “unidade” serão (indevidamente) usadas para justificar a destruição da comunhão e da unidade. Essas palavras serão uma espécie de passaporte sanitário na Igreja que provavelmente servindo-se da concelebração na Missa Crismal, mostrará os “vacinados” e “não vacinados”. A questão é, obrigando a concelebrar a Missa de Paulo VI, legitimar plenamente o Concílio e a missa subsequente, de modo que o uso da Missa de Pio V seja uma mera questão de gosto. E, se é um gosto, por que não sacrificar “heroicamente” sobre o altar da unidade e comunhão?
Mas a questão avança não apenas sobre o que é Tradicional, mas também sobre o que parecer tradicional.
Então o Bispo chama um padre e pede que em nome da obediência e comunhão ele não celebre mais a Missa de Pio V, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em latim. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que, uma vez que ele é o único que celebra em latim, não o faça mais, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em português, sem acrescentar nem retirar nada. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que ele acrescente na Missa a Campanha da Fraternidade, porque ele era o único padre que não a acrescentava, e o padre obedece. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência, pede que, já que ele agora fala da Campanha da Fraternidade, pare de usar músicas antigas na Missa e use o hinário da CNBB, e o padre obedece. Depois o Bispo chama o padre e diz que é ele é o único que usa batina na sua região, então em nome da comunhão com os demais padres, ele evite usar a batina, e o padre obedece e passa andar de camisa clerical. O Bispo então chama o padre e diz que devido ao calor, a maioria dos padres não usa camisa clerical, e que por isso em nome da unidade…
E assim se destrói o que ainda tenha restado de católico sobre o mundo.
Desse modo, a questão já não é mais se um bom padre vai ter que declarar em consciência que não pode obedecer a essas normas injustas, mas quando ele vai fazer isso.
É claro que para quem cresceu amando a Igreja e desejando morrer por Ela, ser punido pela “Igreja” é o pior pesadelo jamais sonhado.
Mas será esse, salvo uma intervenção direta do céu, o fim dos padres e fiéis que quiserem morrer católicos.
As comunidades da ex-Ecclesia Dei estiveram todo este tempo em cima do muro. Agora perceberem, tarde, mas sem retorno, que afinal estavam no muro não da Tradição mas do compromisso e este leva ao inferno. É o destino que está reservado a elas.
CurtirCurtir
E o papa João Paulo I será canonizado ano que vem… Excetuando Bento XVI e Francisco I, todos os papas pós CV II foram canonizados… É como se quisessem canonizar tudo que foi realizado até agora…
CurtirCurtir
Lembro-me que teria sido assassinado por envenenamento pelo fato que queria realizar interessantes mudanças, consideradas, quem sabe, pela maçonaria e/ou serviçais dela de o papa João Paulo I retroceder em ensinamentos anti modernistas e não lhe foi permitido nem autópsia.
Existe algo de misterioso até hoje!
CurtirCurtir
Não se esquecendo que João Paulo I foi assassinado a mando do Banco do Vaticano, leia-se Paul Marcinkus, por ter mandando investigar a fundo os desmandos e corrupções envolvidas com o banco.
CurtirCurtir
Praticando a mortal roleta russa? Um grupo de 15 pessoas suicidas, por ex. reúne-se num determinado local e há um projétil real numa pistola e essa, convenhamos, no décimo primeiro disparo nesse praticante de harakiri, apontando-a para o próprio ouvido e disparando-a contra si, logicamente falece e os outros estão liberados, sendo um pouco aparentando igual ou similar no caso de uma ou de duas laranjas envenenadas em meio de muitas – é um risco iminente!
Esse caso recorda os suicídios dos kamikazes japoneses na II Guerra Mundial que carregavam cargas mortíferas de bombas nos aviões que se projetavam especialmente contra frota americana e inglesa, se antecipadamente não conseguissem abater esses aviões suicidas, embora para os aviadores japoneses por sua religião xintoísta, sendo reencarnacionista e praticada por mais de 95% do Japão, morrem, contudo, “reencarnam-se” noutras pessoas…
Interessante é que existe no Japão um local ou mais dedicados para a prática desse fúnebre e macabro “esporte” – entra e não mais retorna à vida – do alto de uma pedreira muito alta, lançam-se no mar!
CurtirCurtir
Em termos sociológicos, a Igreja Católica vive um “regime de exceção” desde 1965, em situação análoga ao Império da Rússia que em 1917 foi assaltado pela revolução bolchevista que perdurou 70 anos, e acabou naufragado em suas próprias contradições. Não foi à toa que Nossa Senhora pediu em Portugal a consagração da distante Rússia. Como o regime soviético, o partido revolucionário que assumiu o controle da Igreja em outubro de 1958 (e não em março de 2013) foi ora endurecendo ora abrandando a tirania sobre os católicos conforme seus líderes foram revezando o trono. Bento XVI foi um Nikita Kruchov que quis amenizar a ditadura. Ambos renunciaram num sistema de governo em que a renúncia é impensável. Francisco é um Stálin ou um Brezhnev que retoma com fúria os princípios da revolução conciliar, e todo católico consciente de estar vivendo numa ditadura, seja leigo ou sacerdote, precisa entender que acabou a possibilidade de acordo com o “comitê central” da igreja revolucionária. Se as coincidências persistirem, logo o estado revolucionário vaticano entrará em irreversível colapso, graças a Deus.
CurtirCurtir
Interessante ilustração do artigo. O que me faz lembrar uma frase que ouvia nas missas de um padre “conservador”: a pior moeda (falsa) é a que mais se parece com a verdadeira. Fazendo uma leitura rápida, desde seu nascimento a Santa Igreja sempre esteve sob ataque. Nos três primeiros séculos foi mais físico, mártires pelas lanças, espadas, feras, pedras. As heresias que passeavam lado a lado da Igreja, algumas nascendo de clérigos, autoridas, mas que ao serem detectadas eram condenadas e expurgadas dos templos. O Protestantismo foi ao ataque direto, e logo foi condenado. Surge já no século XX o Modernismo. Tendo com caractéristica fazer mais aparente com a verdade. Razão pela qual foi tão bem “recebido”, afinal era a verdade mais flexível. Hoje, já não se estranha “diversidade religiosa”, todas são boas. Todas encaminham para o bem. Não se condena mais os erros, os pecados, afinal “quem sou eu, somos nós para julgar”. Enfim, temos hoje o evangelho adaptado ao mundo atual. Às necessidades da evolução, ao homem moderno. A vida regrada, a vida contida, a vida temente a Deus, deve ser excluída, afinal Deus é bom. Deus tudo perdoa, tudo aceita, a todos ama. Uma liturgia mais “humanizada”, mas conectada com a natureza é algo mais humano. O homem deve viver suas paixões, seus prazeres sem restrições. Mandamentos, Sacramentos, Doutrina, isso é coisa de ultrapassada, rígidez desnecessária, sem motivo. Modestia, pudor, mortificação, deixa isso, coisa de velhas carolas. Enfim, temos que voltar a igreja primitiva, hábitos simples, repartir o pão, comer com os pecadores a exemplo de Cristo. E assim, vão cozinhando o sapo em água fervendo sem ele sentir.
CurtirCurtir
Nao, nao. O modernismo nao foi prontamente aceito. Tivemos a bravura de Sao Pio X e sua exuberante Pascendi de 1907 que o nominou e condenou…tivemos Fátima em 1917… Mas os remedios de Deus sao finitos! O homem tem de querer. Os modernistas se camuflaram na Igreja e desenvolveram a Nouvelle Teologie, base dos “conservadores” papas pós 1960. Modernista camuflado de intelectualismo e duplos sentidos… Já Francisco é modernista descarado. Parem de o chamar de comunista! Vamos chama-lo com a nomeclatura que a propria Igreja sã estabeleceu.
CurtirCurtir