Por Padre Jerônimo Brow, FratresInUnum.com, 22 de março de 2022: Ontem, dia 21 de março celebramos a Festa do Trânsito de S. Bento, isto é, o dia em que sua bendita alma passou deste mundo para a glória. São Bento, qual árvore frondosa, morre de pé, com os braços elevados, sustentado por seus discípulos, após receber a Santa Comunhão.
Quanto ao Glorioso Patriarca teremos duas fontes principais: a Santa Regra e a sua vida descrita no II Livro dos Diálogos de S. Gregório Magno. Hoje, onde tudo que outrora era seguro é questionável, chegamos a ter, mesmo entre monges beneditinos, quem questione se a Regra é realmente de S. Bento e, pasmem, se o próprio S. Bento não foi uma história piedosa inventada por S. Gregório.
Deixando esses erros para trás, gostaria de considerar um pouco dois aspectos da Santa Regra que, diante de certos fenômenos contemporâneos, ganham ainda mais importância.
Primeiro é o fato de que S. Bento apresente sua Regra como um caminho para iniciantes e não deixe de apresentar imediatamente outros mestres que deverão ser os guias daqueles mais avançados na vida espiritual.
Ou seja, S. Bento não tem a pretensão de ser um mestre perpétuo, o que é justamente a razão que o torna exatamente isso. Sua humildade considera os preceitos da Regra a base de uma vida espiritual que deverá em sua maturidade ser conduzida por outros autores espirituais, sempre sob a direção do Abade do mosteiro.
E aqui entra o segundo aspecto.
S. Bento traça, para as questões de vida espiritual, conselhos absolutamente perenes e cuja execução são, por natureza, inquestionáveis. Mas também deixa uma grande quantidade de coisas a serem decididas pelo Abade, conforme este julgar mais oportuno. Assim, S. Bento distingue os princípios essenciais dos elementos acidentais e, ao invés de querer propor uma só coisa para todos os que quiserem ser seus discípulos, deixa ao critério dos Abades até mesmo alterar um ou outro ponto da Regra.
Qual a relevância desses dois aspectos para o que vivemos hoje? Simples: São Bento conta com a maturidade dos monges. Essa maturidade não é apenas etária, uma vez que determina que até os mais novos sejam ouvidos. Mas S. Bento inclina a Regra para que o próprio monge seja capaz de saber e de buscar saber o que mais lhe convém.
Uma grande ferida atual é a absoluta falta de maturidade.
Cada vez menos as pessoas apresentam o mínimo de maturidade que a sua própria idade nos faria esperar. Se há alguns séculos um homem de 18 anos, com a força de seu trabalho sustentava dignamente sua esposa e filhos, hoje encontramos homens de 40 anos comprando a espada do Lion, do Thundercats.
Há uma adolescência prolongada (ou uma infância retardada) que gera uma dependência de coisas e pessoas, uma carência doentia. Daí, por exemplo, que certos casais se comportem como coleguinhas de creche, onde a resposta para uma crise é: “Foi você que começou!”
A destruição da família e de sua constituição, tal como desejada por Deus, ainda potencializa essa carência particularmente em torno da figura paterna. Não são poucos os que transferem a figura paterna para um sacerdote ou para um leigo mais experiente.
Sim, o padre é um pai. E também um leigo bem formado poderia, em certo sentido, exercer uma saudável paternidade. Mas, o pai não é o “papai”, nem a tia da creche. A paternidade autêntica (tanto do pai de família, como de um pai espiritual) está em conduzir os filhos para uma sadia autonomia. Fixando neles os princípios, dando-lhes bons exemplos e deixar que voem do ninho.
Tal como um pai de família deve incentivar os filhos a terem a sua independência, a seguirem a sua vida, dentro dos valores cristãos que ele incrustou em suas almas, os pais e mestres espirituais só o serão verdadeiramente na medida em que fizerem os seus filhos/alunos perceberem a necessidade de caminharem com os próprios pés.
Porém, o que temos a lamentar é que, diante da destruição da família e da auto-demolição da própria Santa Igreja, aqueles clérigos ou leigos que assumem um papel importante na vida de muitos fiéis, geralmente no início de suas conversões, acabam criando uma dependência teológica-espiritual-afetiva-psicológica que mais cedo ou mais tarde provoca um caos na alma do fiel.
E isso se deve igualmente à preguiça mental dos alunos desses mestres.
Um exemplo: o Papa promulgou Traditionis Custodes.
E os alunos necessitam que o padre ou professor faça uma live comentando se o documento deve ou não ser obedecido. Ou algo mais, eu preciso saber se o professor assiste ou se o padre celebra missas que não estejam de acordo com o motu próprio para decidir o que eu devo fazer.
Ora, isso é dependência e preguiça mental.
É preguiça de ler o documento do Papa, compará-lo com os anteriores, particularmente com a Bula Quo Primum Tempore de S. Pio V, e chegar à única conclusão que qualquer ser racional poderia chegar.
É claro que é saudável que alguém comente, analise, dê os princípios, aponte contradições menos evidentes. Esse é o papel do autêntico professor.
Mas quem diz o que eu devo fazer não é o professor, é o oráculo, o guru. E isso nunca foi saudável.
Quando um professor (padre ou leigo) se torna um guru, quando ele é visto como alguém absolutamente necessário à minha vida e a quem devo recorrer a cada decisão (particularmente aquelas que simplesmente conhecer os mandamentos já seria o suficiente para saber decidir), a absoluta e crescente imaturidade levará inexoravelmente ao culto da personalidade.
Critica-se o papel (quase) divino que certos grupos razoavelmente recentes dão a seus fundadores, mas cai-se exatamente no mesmo erro, mesmo que (por enquanto) num grau menor.
O bom mestre, mais do que ensinar, exige que o discípulo aprofunde o estudo, conheça mais a verdade, chegue às suas próprias conclusões, em outras palavras, que amadureça.
S. Paulo, que reconhecia a autêntica paternidade que exercia sobre os fiéis que evangelizava, instava-os a crescer, dando como exemplo o leite que a criança recém nascida recebe, mas que deve evoluir para o alimento sólido.
Hoje, muitos mestres e discípulos estão morrendo afogados no leite.