Fraternidade e fome ou Hipocrisia e fartura?

Por FratresInUnum.com, 28 de fevereiro de 2023 – Como todos os católicos brasileiros já estão cansados de saber, a Campanha da Fraternidade 2023 tem como tema “Fraternidade e fome” e, como lema, “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde informou que 55,7% dos brasileiros está acima do peso, índice que, decerto, é muito maior entre o clero.

De fato, enquanto muitas pessoas passam fome e moram debaixo das pontes, significativa parte dos padres (com honrosas e menos exibidas exceções — Deo gratias!) se exibe nas redes sociais fazendo check-in em restaurantes caros, tomando cerveja soberbamente, quando não outras bebidas, fazendo cruzeiros e cuidando muito, muito bem de sua aparência física (não faltam, inclusive, os que ostentam seus tratamentos estéticos, como harmonização facial, implante capilar, limpezas de pele e outras futilidades que, comumente, ocupam mais o público feminino).

O mais interessante, porém, é ver os nossos venerandos epíscopos, dos quais muitos rechonchudos (e também com honrosas, e aqui muito menos numerosas, exceções), pregando o moralismo socialista da partilha e da solidariedade, sem se darem conta que as suas caras imensas e as suas barrigas enormes – o calvário para a cruz peitoral, dizem, gracejando – são o próprio desmentido daquilo que sua boca fala.

A CNBB – em sentido que seria muito mais quaresmal, diga-se de passagem –, deveria fazer uma campanha pelo jejum, a começar pelos bispos, passando pelos padres. Essa obesidade expressiva do nosso clero deveria, inclusive, mobilizar os agentes da pastoral da saúde. Deveriam começar uma nova pastoral: a dos “gulosos anônimos”, com a proibição expressa de ter lanchinho no final da reunião – sim, porque, como diz o povo, não fica bem ir a uma reunião contra a gula e… “comer feito um padre”.

Embora estes temas sejam ainda tão pouco transcendentais, o que repugnaria enormemente a sanha horizontalista dos nossos bispos, mesmo sendo, assim, tão naturalistas, tão nada sobrenaturais, pelo menos conversariam mais com a realidade e, sobretudo, não pecariam pela incoerência.

Sabe-se de casas paroquiais que têm despesas altíssimas com comida. Sim, porque os nossos padres (novamente, não esqueçamos das valorosas exceções!), geralmente,  apesar de terem vindo de famílias pobres, gostam de coisas muito boas, como queijos refinados, vinhos importados, frios nobres, além de muitos outros requintes gastronômicos. E os bispos não ficam atrás, porque frequentemente recebem como presentinho aquelas cestas de comida, para não falarmos dos bajuladores que não perdem a ocasião de lhes levar uma feijoada ou qualquer outra comida paroquial que lhe possa encher o estômago.

É verdade que o drama da insegurança alimentar atinge grande parte da população brasileira e que o país, lamentavelmente, voltou ao mapa da fome, ainda que a metodologia para tais estudos possa ser questionada. Porém, ao invés de ficar no palavrório, talvez o nosso estimado clero pudesse fazer um gesto concreto, como gostam eles de dizer: possivelmente, se deixassem de comer as iguarias caras e gordas que comem, poderiam sustentar com arroz, feijão e carne algumas famílias, pois o que falta na mesa do pobre sobre na mesa do clero.

Até mesmo o bezerro de ouro da CNBB, há pouco, afirmou que: “Se nós produzimos alimento demais no planeta Terra e, se neste país, a gente produz alimento demais, e tem gente com fome, significa que alguém está comendo mais do que deveria comer para que o outro pudesse comer um pouco”. Há na CNBB muita audiência para esse tipo de groselha, não? Pois que a ouçam!

Há um tempo, um padre petista ultra-libertador, exibia-se dizendo que só consome produtos orgânicos e que faz suas compras nos supermercados mais especializados em boa alimentação, luxos dos quais não podem desfrutar os pobres paroquianos que, trabalhando de sol a sol, dão o seu dinheiro sofrido para sustentarem uma Igreja que se diz engajada na luta do povo, enquanto se enfatua com manjares que são até desconhecidos por aqueles que os pagam.

Em tempos nos quais padres vão ao master-chef, talvez faltem mais padres que se resignem ao jejum do Evangelho e imitem Cristo em seu deserto quaresmal.

O jejum e a abstinência na lei da Igreja.


Jejum e abstinência no Novo Código de Direito Canônico de 1983.

Os dias e períodos de penitência para a Igreja universal são todas as sextas-feiras de todo o ano e o tempo da Quaresma [Cânon 1250]. A abstinência de carne ou de qualquer outro alimento determinado pela Conferência Episcopal deve ser observada em todas as sextas, exceto nas solenidades. [Cânon 1251].

A abstinência e o jejum devem ser observados na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa. [Cânon 1252]. A lei da abstinência vincula a todos que completaram 14 anos. A lei do jejum vincula a todos que chegaram à maioridade, até o início dos 60 anos [Cânon 1252].

Jejum e abstinência tradicionais conforme o Código de Direito Canônico de 1917.

Entre 1917 e o Novo Código de 1983, certos países tinham dias de jejum e abstinência particulares, e.g., os Estados Unidos tinham a vigília da Imaculada Conceição em vez da Assunção como dia de abstinência; dispensas para S. Patrício e São José, etc. Não é possível relacioná-los todos. Publicamos as prescrições do código de 1917, com menção da extensão do jejum e abstinência até meia noite do Sábado Santo que foi ordenada por Pio XII.

Dias de jejum simples:

O jejum consiste numa refeição completa e duas menores, que juntas são menos que uma refeição inteira. Não é permitido comer entre as refeições, mas líquidos podem ser tomados. É permitido comer carne em dia de jejum simples. Os dias de jejum simples são: segundas, terças, quartas e quintas-feiras da Quaresma. [Cânon 1252/3]

Todos eram vinculados à lei do jejum a partir dos 21 até os 60 anos.

Dias de abstinência:

A abstinência consiste em abster-se de comer carne de animais de sangue quente, molhos ou sopa de carne nos dias de abstinência. A abstinência era em todas as sextas-feiras, a não ser que fosse um Dia de Guarda [cânon 1252/4]. A lei da abstinência vinculava a todos que tinham completado 7 anos de idade. [Cânon 1254/1].

Dias de jejum e abstinência:

O jejum e abstinência consistem numa refeição completa e duas refeições menores que juntas são menos que uma refeição inteira. Não era permitido comer carne de animais de sangue quente, molhos e sopas de carne. Não era permitido comer entre as refeições, embora bebidas pudessem ser tomadas. Esses dias eram: quarta-feira de cinzas, toda sexta e sábado da Quaresma (até meia noite no Sábado Santo), em cada uma das Quatro Temporas, Vigília de Pentecostes, Assunção, Todos os Santos e Natal. [Cânon 1252/2]

Os dias tradicionais de abstinência aos que usam o Escapulário de Nossa Senhora do Monte Carmelo são Quartas e Sábados.

Fonte: The year of Our Lord Jesus Christ 2009, The Desert Will Flower Press.

(Post originalmente publicado na quaresma de 2009)