Por Dom Hector Aguer – Rorate-Caeli, 30 de março de 2023 | Tradução: FratresInUnum.com: Celebrei minha primeira missa em 26 de novembro de 1972. Usei o rito então vigente, criado por Paulo VI, cujo autor era o maçom Annibale Bugnini. A missa foi em espanhol, claro, embora tenham sobrevivido, em latim, as orações privadas do celebrante.
Nunca me ocorreu recorrer à “Missa de Sempre”. Aquela que rezamos no Seminário todos os anos da minha formação, com a novidade de que era — na capela de filosofia, diariamente — versus populum. Nunca me ocorreu recorrer – contrariando a proibição pacificamente aceita – à antiga forma. Nem mesmo depois que Bento XVI a acolheu como uma forma extraordinária do Rito Romano por meio de seu motu proprio Summorum Pontificum. Apesar de meus estudos teológicos e litúrgicos, que me deram uma compreensão lúcida do esquecido ritual, nenhuma objeção ideológica ou nostalgia foi imposta a mim; a tradição foi arquivada, e talvez por preguiça não ousei contradizê-la julgando criticamente a novidade que se seguiu ao Vaticano II.
Hoje, penso que Paulo VI poderia ter feito algumas modificações para atualizar a Missa de Sempre, que vigorava há séculos, em vez de inventar um novo rito da Missa. Objetivamente, posso medir a audácia do novo rito, uma vanglória inesperada para muitos do progressismo; muitos séculos foram descartados, jogados fora no turbilhão das mudanças.
Apelei para esta história pessoal para enfatizar que sou livre no meu julgamento: continuo a celebrar a Missa de Paulo VI. Esta posição eclesial, no entanto, permite-me avaliar o dano causado pelo motu proprio Traditiones Custodes, recentemente reforçado por um “rescrito”.
Roma deveria se perguntar por que cada vez mais sacerdotes e leigos – estes últimos sobretudo – se inclinam, com veneração, para o antigo rito. A obsessão antilitúrgica é uma ideologia que canonicamente se torna uma tirania. De fato, a proibição do Missal de João XXIII não é levada em conta pelos jovens, que aspiram a um culto que responda à verdade da Fé: culto a Deus, não ao homem. Roma, por sua vez, continua apegada ao die anthropologische Wende (virada antropológica) de Karl Rahner.
Além disso, na última década, a tradição alitúrgica da Companhia de Jesus entrou em cena. O deslocamento da liturgia dá lugar à imposição, em palavras e atos, de um moralismo relativista.
Inovações antilitúrgicas sucederam-se sem interrupção desde a promulgação da “nova missa”. Este novo começo sinalizou uma mudança desnecessária. O propósito de renovação do Concílio Vaticano II poderia ter sido realizado com ligeiras modificações do Rito Romano existente, ou melhor, com a correção das alterações produzidas na história. A finalidade conciliar foi significativamente chamada de instauratio, isto é, restauração.
A partir da década de 1970, surgiu uma dissidência bruta, diante da teimosia de Roma em se apegar ao novo. Bento XVI, por meio de seu motu proprio Summorum Pontificum, liberou a forma extraordinária do Rito Romano; foi uma solução salomônica que poderia satisfazer as aspirações dos sacerdotes e fiéis ligados à Tradição e, ao mesmo tempo, dar um fundamento sólido para as objeções dirigidas contra a Missa promulgada por Paulo VI.
Esta sensibilidade prudente e pastoral permitiu-nos esperar uma paz estável, com o regresso à obediência de numerosas comunidades que viviam em conflito com Roma. É verdade que as divergências com o Vaticano II iam muito além da ordem litúrgica e se estendiam ao campo doutrinal e jurídico-pastoral. O magistério litúrgico do Papa alemão retomou a teologia da liturgia desenvolvida pelo cardeal Ratzinger, que seguiu os passos de Romano Guardini e Klaus Gamber.
À luz de tudo isso, um infeliz revés ocorreu com o motu proprio Traditiones Custodes, que eliminou a forma extraordinária do Rito Romano e impôs duras condições para a concessão do uso da Missa de Sempre. Nesta perspectiva, pode-se apreciar novamente a gravidade da ação de Paulo VI, que iniciou uma nova etapa em todos os âmbitos da vida eclesial, e deu lugar no período pós-conciliar a erros e mutilações piores do que as sustentadas pelo modernismo do início século XX, condenado por São Pio X.
A linha aberta pelo motu proprio de Francisco foi recentemente ratificada e agravada por um “rescrito”, que impõe aos bispos a obrigação de obter o placet pontifício antes de autorizar o uso da Missa de Sempre. Esta implausível imposição solapa a tão propalada “sinodalidade”; a autoridade dos bispos foi reduzida em uma área essencial de seu munus como sucessores dos apóstolos.
É de recear que esta obstinação antilitúrgica dê novamente origem a atitudes contrárias à “unidade” que Roma pretende professar. Da mesma fonte vem – me parece – a ilusão de uma reforma eclesial, que teria sido solicitada pelo conclave que elegeu o atual papa. A Companhia de Jesus sempre foi uma força de reentrincheiramento da Igreja na sociedade, em contraposição à Maçonaria. O Vaticano hoje, porém, está cheio de maçons, e o papa tenta fazer uso deles. Acho maravilhosamente surpreendente a complacência do Papa em sua década de governo, e a ficção de atribuir sucessos a seus colaboradores; mas um problema crônico da Sociedade tem sido o da humildade.
O aliturgismo inclui a devastação do que vem da Tradição na liturgia do Rito Romano. A obsessão antilitúrgica, que já mencionei, vai ao extremo do boicote à sinodalidade. Um bispo, para autorizar um padre a celebrar com o Missal de João XXIII – ou seja, a Missa de Sempre – precisa pedir permissão a Roma. Tal é o teor do recente rescrito: uma verdadeira tirania pontifícia que desqualifica os sucessores dos apóstolos no cumprimento de seu ministério em matéria tão fundamental.
Essa nova orientação permite que a devastação da liturgia [isto é, o Novus Ordo] avance impunemente. Novamente, direi que esta liberdade contradiz o que o Concílio prescreve, na Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, a saber, que ninguém, mesmo sendo sacerdote, deve alterar, acrescentar ou subtrair dos ritos litúrgicos por sua própria iniciativa . A liberdade de devastação anda de mãos dadas com a perseguição aos tradicionalistas.
Uma flagrante contradição: os tradicionalistas são perseguidos, mas consente-se a integração no Rito Romano de ritmos percussivos e dançantes e a adoção de ritos pagãos, hindus ou budistas, segundo os princípios da Nova Ordem Mundial, concorrendo com a Maçonaria. Nas visitas às várias nações, considera-se aceitável introduzir na liturgia ritos tribais da cultura ancestral dos povos visitados. Assim, a deformação do culto divino beira a idolatria.
Esta atitude se repete em muitos países, como uma perversão do diálogo inter-religioso. Em 2019, o Papa assinou em Abu Dhabi o Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Coexistência Comum, no qual se afirma: “O pluralismo e a diversidade de religião, cor, sexo, raça e língua são uma sábia vontade divina, pela qual Deus seres humanos criados. Esta Sabedoria divina é a origem da qual deriva o direito à liberdade de crença e à liberdade de ser diferente.” Deus, o Criador, seria então o autor do politeísmo!
Esta afirmação equivale a renunciar à missão essencial e original da Igreja, expressamente afirmada no Evangelho: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). Tal renúncia só pode ser vista como apostasia.
A mesma atitude se encontra em 2020, na aceitação da proposta de um dia de oração e jejum de todas as religiões, no dia 14 de maio. O Pontífice referiu-se à aceitação da proposta: “Aceitei a proposta do Alto Comitê para Fraternidade que, no próximo dia 14 de maio, os fiéis de todas as religiões se unam espiritualmente em um dia de oração e jejum e obras de caridade.” Fica evidente assim que a Igreja ignora sua missão original de anunciar o Evangelho da salvação e se junta ao concerto politeísta mundial, participando assim, como uma das religiões da Nova Ordem Mundial preconizada pela Maçonaria. Isso não seria possível se o Vaticano já não estivesse infiltrado pela Maçonaria. Nesta perspectiva, pode-se compreender a incorporação dos ritos pagãos na liturgia. Também explica a perseguição aos tradicionalistas, que com sua recusa impedem a plena inserção da Igreja nesta Nova Ordem Mundial; assim a Igreja caminha para o reinado do Anticristo. A confusão dos crentes é a consequência; é o mysterium iniquitatis implantado pelo diabo.
O documento de Abu Dhabi implica a apostasia da fé católica para aderir – como já escrevi – à Nova Ordem Mundial. Não há compatibilidade entre esta e a fé cristã; a confusão em que os crentes são lançados não poderia ser maior. Esse contraste aparece em cada intervenção do Pontífice, o que prova que é assim que ele entende a missão da Igreja, e assim é entendida a sua tarefa de governo.
Um exemplo muito claro se encontra na carta dirigida a ele por políticos argentinos por ocasião do décimo aniversário de seu pontificado: “Queremos expressar nossa admiração por seu trabalho em favor da Humanidade [dessa forma, com letra maiúscula no original], em particular das pessoas excluídas e dos povos pobres, sua firme defesa da paz mundial e sua promoção permanente de uma Ecologia integral [letra maiúscula no original], que nos permite ouvir o grito da Mãe Terra e do Ser Humano [linguagem politeísta e maçônica] diante de situações destrutivas que ameaçam as pessoas e a natureza.”
Neste contexto, explica-se a paixão antilitúrgica contra a “Missa de Sempre”, na qual brilha com clareza a verdadeira Fé e a coerência com a vontade de Jesus Cristo e a missão tradicional da Igreja.
Uma nova compreensão da sinodalidade é agora insinuada: se um bispo deseja autorizar um padre a celebrar a missa antiga, ele deve pedir permissão a Roma. Estamos lidando aqui com uma obsessão que não tem mais limites.
+ Hector Aguer
Arcebispo Emérito de La Plata
Buenos Aires
30 de março de 2023
Bendito seja Deus ! ainda existem santos pastores nesse mundo.
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Tudo isto é o corolário de um princípio estabelecido décadas atrás que a religião católica precisaria mudar, se “atualizar no tempo”, adquirir modos dos tempos modernos e coisas tais e que muitos católicos absorveram isto com grande facilidade e agora vem o arrependimento.
O judaísmo não mudou, o budismo não mudou, o taoismo não mudou, o islamismo não mudou e todas, sem exceção, embora em alguns casos sem o mesmo deus, têm algo em comum: o fato de que introduzem conceitos para que o Homem mude.
A religião não tem que mudar. Quem tem que mudar é o Homem, a humanidade.
Esta é a principal mensagem de Cristo.
Quando vemos um homem que se diz papa afirmar e derrubar os conceitos teológicos da imutabilidade de Deus, para mais adiante visivelmente querer mudar a religião católica, então percebemos que não temos um papa mas um antipapa e algo precisa ser feito.
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– A Instrução Permanente da Alta Venda, foi um documento secreto redigido no início do século XIX no qual se descreve um plano de subversão da Igreja Católica. A Alta Venda foi a mais importante loja dos Carbonários, uma sociedade secreta italiana ligada à Maçonaria e que, juntamente com ela, foi condenada pela Igreja Católica (conforme 1.The Catholic Encyclopedia, Vol. 3 (New York: Encyclopedia Press, 1913), págs. 330-331);
– Os papéis secretos da Alta Venda que caíram nas mãos do Papa Gregório XVI abrangem um período que vai de 1820 a 1846. Eles foram publicados, por solicitação do Papa Pio IX, por Cretineau-Joly em sua obra L’Église romaine en face de la Révolution (A Igreja Romana em face da Revolução).
Com o Breve de aprovação datado de 25 de fevereiro de 1861, dirigido ao autor, o Papa Pio IX GARANTIU A AUTENTICIDADE desses documentos, mas não permitiu que ninguém divulgasse os verdadeiros membros da Alta Venda implicados nessa correspondência;
– A Instrução fez um chamado pela difusão de idéias liberais em toda a sociedade e dentro das instituições da Igreja Católica, de modo que leigos, seminaristas, clérigos e prelados seriam, ao longo dos anos, gradualmente imbuídos de princípios progressistas.
Com o tempo, essa mentalidade estaria de tal modo difundida, que as concepções dos novos padres a serem ordenados, dos bispos a serem consagrados e dos cardeais a serem nomeados estariam em consonância com o pensamento moderno enraizado na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa e em outros “Princípios de 1789” (igualdade religiosa, separação de Igreja e Estado, pluralismo religioso, etc.).
Finalmente, o Papa que seria eleito dentre esses novos religiosos iria liderar a Igreja no caminho da “iluminação” e da “renovação”. Os idealizadores desse plano afirmaram que não tencionavam colocar um maçom na Cátedra de Pedro. Seu objetivo era criar um ambiente que produziria, com o passar do tempo, um Papa e uma hierarquia que já teriam assimilado completamente as idéias do Catolicismo liberal, ao mesmo tempo em que se considerassem católicos fieis.
Esses líderes católicos, então, não se oporiam mais às idéias modernas da Revolução (como havia sido a prática constante dos Papas desde 1789 até 1958 — com a morte do Papa Pio XII —, que condenaram esses princípios liberais), mas, ao contrário, iriam reuni-las dentro da Igreja. O resultado final seria o clero e os leigos católicos marchando sob a bandeira do Iluminismo, acreditando marchar sob a bandeira das chaves apostólicas.
Prezados: tudo o que esse arcebispo apontou é resultado desta conspiração que GREGÓRIO XVI (1831-1846) já tinha conhecimento!
E esse mesmo arcebispo que enxergou os efeitos, será que ele conhece as causas? Será que ele SEM SABER já não é mais um maçom sem avental? Se ele reza a Missa da maçonaria, feita por um homem que ele mesmo chama de maçom, o que o difere dos erros que ele denuncia? Uma vertente maçônica conservadora? Mais uma hermenêutica da continuidade? Mais um girondino, mais um menchevique, mais uma versão do clero juramentado como os que aceitaram a Constituição Civil do Clero francês?
Retenham o que é válido, mas não se entusiasmem demais: entre denunciar a maçonaria e ser CATÓLICO APOSTÓLICO ROMANO, e portanto, anti-maçônico, há um grande hiato.
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Que feliz contrapeso do clero argentino. Que Deus o conserve Dom Hector.
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Para os católicos que sobraram – os que rejeitam o concílio e a missa nova, ou tradicionalistas – Francisco equivale ao que foi Nero para os primeiros cristãos. Excelente texto de monsenhor Hector Aguer. Rezemos pra que ele avance na sua compreensão e entenda (e aceite) que a causa de crise é o Concílio Vaticano II e abandone a pseudo-missa de Bugnini-Montini.
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