Don Nicola Bux, a propagação da Missa Tradicional e a centralidade do Sacrário.

Publicamos abaixo um excerto da entrevista concedida pelo Padre Nicola Bux, consultor para as Cerimônias Pontifícias e das congregações para a Doutrina da Fé e para a Causa dos Santos, ao Padre Stefano Carusi, redator do blog Disputationes Theologicae, do Instituto do Bom Pastor.

Pe. Nicola Bux discursa em congresso sobre o motu proprio Summorum Pontificum em Roma.
Pe. Nicola Bux (à esquerda) discursa em congresso sobre o motu proprio Summorum Pontificum em Roma.

É importante que a Missa antiga — chamada também de tridentina, mas que é mais apropriado chamar “de São Gregório Magno”, como disse recentemente Martin Mosebach — seja conhecida. Ela tomou forma já sob o Papa Dâmaso e depois exatamente Gregório, e não São Pio V, que procurou reordenar e codificar, reconhecendo os enriquecimentos dos séculos precedentes e retirando o que havia de obsoleto. Esta missa, da qual o ofertório é parte integrante, é conhecida antes de tudo com esta premissa. Foram publicadas muitas obras de grandes estudiosos neste sentido e muitos se questionaram sobre a pertinência de reintroduzir o antigo ofertório, para o qual o senhor acena. No entanto, apenas a Sé Apostólica tem a autoridade para agir em tal sentido. É verdade que a lógica que se seguiu ao reordenamento da liturgia após o Concílio Vaticano II levou a simplificar o ofertório, pois se acreditava que ali devesse haver mais fórmulas de orações ofertoriais; agindo assim introduziram as duas fórmulas de benção de sabor judaico e foram mantidas a secreta transformada em oração “sobre as ofertas” e o orate fratres, e pensaram ser mais do que suficiente. Para dizer a verdade, esta simplicidade vista como um retorno à pureza antiga entraria em conflito com a tradição litúrgica romana, com a bizantina e com outras liturgias orientais e ocidentais. A estrutura do ofertório era vista por grandes comentaristas e teólogos da Idade Média como a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, que vai se imolar em oferta sacrifical. Por isso as ofertas já eram chamadas de “santas” e o ofertório tinha uma grande importância. A simplificação posterior da qual falei fez com que muitos hoje procurem o retorno das ricas e belas orações “suscipe sancte Pater” e “suscipe Sancta Trinitas”, só para citar algumas. Mas será através de uma maior difusão da Missa antiga que este “contágio” do antigo sobre o novo será possível. Portanto, a reintrodução da Missa “clássica”, se é que posso usar a expressão, pode constituir um fator de grande enriquecimento. É necessário facilitar a celebração regular em dias de festa da missa tradicional ao menos em cada catedral do mundo, mas também em cada paróquia: isso ajudará os fiéis a conhecer o latim e a se sentir parte da Igreja Católica, e praticamente os ajudará a participar da missa nos encontros em santuários internacionais. […]

[…]  [O homem] deve, antes de tudo, poder encontrar na Igreja aquilo que é a definição por excelência do sagrado: Jesus Eucarístico. O tabernáculo deve voltar ao centro. É verdade, historicamente, nas grandes basílicas ou nas catedrais o tabernáculo era em capelas laterais. Sabemos bem que, com a reforma tridentina, preferiu-se recolocar o tabernáculo no centro, também para combater os erros protestantes sobre a presença verdadeira, real e substancial do Senhor. Mas também é verdade que hoje a mentalidade que nos circunda não só contesta a presença real, mas contesta a presença do divino. Na religião, naturalmente, o homem procura o encontro com o divino, mas esta presença do divino não pode ser reduzida a algo puramente espiritual. Esta presença é “palpável” e isso não se faz com um livro, não se pode falar de presença do divino apenas nos termos relativos às Sagradas Escrituras. Certamente, quando a Palavra de Deus é proclamada, é justo falar da presença divina, mas é uma presença espiritual, não a presença verdadeira, real e substancial da Eucaristia. Daí a importância do retorno à centralidade do tabernáculo e, com isso, à centralidade do Corpo de Cristo presente. O lugar central não pode ser a cadeira do celebrante, não é um homem que está no centro da nossa fé, mas é Jesus na Eucaristia. Caso contrário, termina-se por comparar a igreja a um auditório, a um tribunal deste mundo, no centro do qual se senta um homem. O sacerdote é ministro, não pode ser o centro, o centro é Cristo Eucaristia, é o tabernáculo, é a cruz.

“Resista Maestro, resista!”

Oferecemos a tradução portuguesa (via tradução espanhola de La Buhardilla de Jerónimo) de uma valiosa entrevista de Monsenhor Domenico Bartolucci, de 92 anos, nomeado por Pio XII maestro “ad vitam” da Capela Sixtina, mas afastado do cargo em 1997 devido a uma intervenção de Mons. Piero Marini. Uma medida que foi vigorosamente rechaçada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger. O título do post, de fato, faz referência às palavras do mesmo Ratzinger a Mons. Bartolucci meses antes de que este se retirasse do cargo.

A entrevista se trata de mais uma iniciativa do Abbé Stefano Carusi, do site Disputationes Theologicae, do Instituto do Bom Pastor. Em 2006, Mons. Bartolucci foi convidado a reger um concerto especial em honra ao Papa Bento XVI,  concerto este que foi considerado como que um ato de desagravo tanto ao injustiçado Monsenhor como à verdadeira música sacra. Na mesma época, em entrevista concedida a Sandro Magister, Mons. Bartolucci declarou sobre Bento XVI: “Um Napoleão sem generais”.

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Mons. Bartolucci e Bento XVIMaestro, a recente publicação do Motu Proprio “Summorum Pontificum” trouxe um sopro de ar fresco no desolador panorama litúrgico que nos rodeia; também o senhor pode agora, portanto, celebrar a “Missa de sempre”.

Mas, para dizer a verdade, eu sempre a celebrei ininterruptamente, desde a minha ordenação… Por outro lado, teria dificuldade em celebrar a Missa no rito moderno, uma vez que nunca o fiz.

Nunca abolida, então?

São as palavras do Santo Padre, ainda que alguns finjam não entendê-las e mesmo que muitos no passado tenham sustentado o contrário.

Maestro, será necessário conceder aos difamadores da Missa antiga que ela não é “participada”…

Não digamos disparates! Conheci a participação dos tempos antigos tanto em Roma, na Basílica, como no mundo, como aqui abaixo no Mugello, nesta paróquia deste belo povo, um templo povoado de gente cheia de fé e piedade. O domingo, nas vésperas, o sacerdote poderia se limitar a entoar o “Deus in adiutorium meum intende” e logo pôr-se a dormir sobre o assento… os camponeses continuariam sozinhos e os chefes de família teriam pensado em entoar as antífonas.

Uma polêmica velada, Maestro, a respeito do atual estilo litúrgico?

Não sei se – ai de mim! – já estiveram num funeral: “aleluia”, aplausos, frases risonhas,  alguém se pergunta se essa gente leu alguma vez o Evangelho; Nosso Senhor mesmo chorou sobre Lázaro e sua morte. Aqui, com este sentimentalismo insosso, não se respeita nem sequer a dor de uma mãe. Eu lhes havia mostrado como o povo assistia a uma Missa de defuntos, com que compunção e devoção se entoava aquele magnífico e tremendo “Dies Irae”.

A reforma não foi feita por gente consciente e doutrinariamente formada?

Desculpe-me, mas a reforma foi feita por gente árida, lhes repito, árida. E eu os conheci. Quanto à doutrina, o Cardeal Ferdinando Antonelli, de venerável memória, costumava dizer com freqüência: “como fazemos liturgistas que não conhecem a teologia?”

Estamos de acordo com o senhor, Monsenhor, mas é certo também que o povo não entendia…

Caríssimos amigos, leram alguma vez São Paulo: “não importa saber mais do que o necessário”, “é necessário amar o conhecimento ‘ad sobrietatem’”? Daqui a alguns anos se tentará entender a transubstanciação como se explica um teorema de matemática. Mas se nem sequer o sacerdote pode compreender até o fundo tal mistério!

Mas como se chegou, então, a esta distorção da liturgia?

Foi uma moda, todos falavam, todos “renovavam”, todos pontificavam, na esteira do sentimentalismo, de reformas. E as vozes que se levantavam em defesa da Tradição bimilenar da Igreja eram habilmente caladas. Inventou-se uma espécie de “liturgia do povo”… quando escutava estas frases me vinham à mente as palavras de meu professor do seminário que dizia: “a liturgia é do clero para o povo”, ela descende de Deus e não de baixo. Devo reconhecer, contudo, que aquele ar fétido se fez menos denso. As gerações de sacerdotes jovens são, talvez, melhores que as que as precederam, não têm os furores ideológicos dominados por um modernismo iconoclasta, estão cheios de bons sentimentos, mas lhes falta formação.

O que quer dizer, Maestro, com “lhes falta formação”?

Quero dizer que queremos os seminários! Falo daquelas estruturas que a sabedoria da Igreja elegantemente cinzelou durante os séculos. Não se dá conta da importância do seminário: uma liturgia vivida, os momentos do ano são vividos “socialmente” com os irmãos… o Advento, a Quaresma, as grandes festas que seguem a Páscoa. Tudo isso educa, e não se imagina quanto! Uma retórica tonta deu a imagem de que o seminário arruína o sacerdote, de que os seminaristas, afastados do mundo, permanecem fechados em si mesmos e distantes do povo. Todas fantasias para dissipar uma riqueza formativa plurissecular e para substituí-la depois com nada.

Retornando à crise da Igreja e ao fechamento de muitos seminários, o senhor é partidário de um retorno à continuidade da Tradição?

Olhe, defender o rito antigo não é ser do passado, mas ser “de sempre”. Veja, comete-se um erro quando a missa tradicional é chamada “Missa de São Pio V” ou “Tridentina”, como se fosse a Missa de uma época particular: é nossa Missa, a romana, é universal em todos os tempos e lugares, uma única língua desde a Oceania até o Ártico. Mas no que diz respeito à continuidade nos tempos, gostaria de lhes contar um episódio. Uma vez estávamos reunidos em companhia de um bispo, cujo nome não me lembro, numa pequena igreja de Mugello, e chegou a notícia da morte repentina de um irmão nosso, imediatamente propusemos celebrar uma missa, mas nos demos conta que só havia missais antigos. O bispo rechaçou categoricamente celebrar. Não o esquecerei nunca e reitero que a continuidade da liturgia implica que, salvo minúcias, se possa celebrar hoje com aquele velho missal empoeirado pego de uma estante e que há quatro séculos serviu a um predecessor meu em seu sacerdócio.

Monsenhor, se fala de uma “reforma da reforma” que deveria limar as deformações que vêm dos anos sessenta…

A questão é bastante complexa. Que o novo rito tenha deficiências é já uma evidência para todos e o Papa disse e escreveu várias vezes que deveria “olhar ao antigo”; contudo, Deus nos guarde da tentação das bagunças híbridas; a Liturgia, com o “L” maiúsculo, é a que vem dos séculos, ela é a referência, não se deve corrompê-la com compromissos “a Dio spiacenti e a l’inimici sui”. [que a Deus despraz e ao inimigo seu]

O que quer dizer, Maestro?

Tomemos como exemplo as inovações dos anos sessenta. Algumas “canções populares” beat e horríveis e tão em moda nas igrejas em 68, hoje já são fragmentos de arqueologia; quando se renuncia à perenidade da tradição para se afundar no tempo, se está condenado ao mudar das modas. Me vem à mente a Reforma da Semana Santa dos anos cinqüenta, feita com certa pressa sob um Pio XII já cansado. E bem, só alguns anos depois, sob o pontificado de João XXIII (quem, além do que se diga, em liturgia era de um tradicionalismo convencido e comovente), me chegou uma chamada de Mons. Dante, cerimoniário do Papa, que me pedia preparar a “Vexilla Regis” para a iminente celebração da Sexta-feira Santa. Respondi: “mas a aboliram”. No que me respondeu: “O papa quer”. Em poucas horas organizei as repetições de canto e, com grande alegria, cantamos de novo o que a Igreja havia cantado pelos séculos naquele dia. Tudo isso para dizer que, quando se fazem rasgos no tecido litúrgico, esses buracos são difíceis de cobrir e se vê! Em nossa liturgia plurissecular, devemos contemplá-la com veneração e recordar que, no afã de “melhorá-la”, corremos o risco de apenas lhe fazer danos.

Maestro, que papel teve a música neste processo?

Teve um rol importante por várias razões. O melindroso cecilianismo, ao qual certamente Perosi não foi alheio, introduziu com seus ares pegadiços um sentimentalismo romântico novo, que nada tinha a ver com aquela densidade eloqüente e sólida de Palestrina. Certas extravagâncias de Solesmes haviam cultivado um gregoriano sussurrado, fruto também daquela pseudo restauração medievalizante que tanta sorte teve no século XIX. Difundia a idéia da oportunidade de uma recuperação arqueológica, tanto na música como na liturgia, de um passado distante do qual nos separavam os assim chamados “séculos obscuros” do Concílio de Trento… Arqueologismo, em suma, que não tem nada a ver com a Tradição e que quer restaurar o que talvez nunca existiu. Um pouco como certas igrejas restauradas em estilo “pseudo-românico” por Viollet-le-Duc. Portanto, entre um arqueologismo que queria remeter-se ao passado apostólico, prescindindo dos séculos que nos separam deles, e um romantismo sentimental, que despreza a teologia e a doutrina numa exaltação do “estado de ânimo”, se preparou o terreno para aquela atitude de suficiência com relação ao que a Igreja e nossos Padres nos haviam transmitido.

O que quer dizer, Monsenhor, quando ataca Solesmes no âmbito musical?

Quero dizer que o canto gregoriano é modal, não tonal; é livre, não ritmado, não é “um, dois três, um dois três”; não se devia desprezar o modo de cantar de nossas catedrais para substituí-lo com um sussurro pseudo-monástico e afetado. Não se interpreta um canto do medievo com teorias de hoje, mas se o toma como chegou até nós; ademais, o gregoriano sabia ser também canto do povo, cantando com força nosso povo expressava sua fé. Isso Solesmes não entendeu, mas tudo isso seja dito reconhecendo o grande e sábio trabalho filológico que fez com o estudo dos manuscritos antigos.

Maestro, em que ponto estamos, então, da restauração da música sagrada e da liturgia?

Não nego que haja alguns sinais de recuperação. Contudo, vejo o persistir de uma cegueira, quase uma complacência por tudo que é vulgar, grosseiro, de mal gosto e inclusive doutrinariamente temerário… Não me peça, por favor, que dê um juízo sobre as “chitarrine” e sobre as “tarantelle” que ainda nos cantam durante o ofertório… O problema litúrgico é sério, não se deve escutar aquelas vozes que não amam a Igreja e que se lançam contra o Papa. E se se quer curar o enfermo, há de recordar que o médico piedoso faz a chaga purulenta…

“Disputationes theologicae”: está aberto o debate.

Cerimônia de beija-mãos do Padre Stefano Carusi (centro) e Diácono Raffray à direita do padre.

O Instituto do Bom Pastor acaba de lançar um site de estudos teológicos chamado “Disputationes theologicae” (versões em francês e italiano); o coordenador do projeto é o Padre Stefano Carusi (centro), que conta com a colaboração do Diácono Matthieu Raffray (à direita do padre). Ambos foram também os responsáveis, a convite da Fraternidade de Cristo Sacerdote e Maria Rainha, pela instrução de quinze sacerdotes no Rito Tradicional nas I Jornadas de Formação Litúrgica para Sacerdotes, em novembro do ano passado, em Cuntis e Pontevedra, Espanha.

Conforme o Padre Phillipe Laguérie, superior geral do Instituto, a iniciativa “participa deste trabalho de interpretação e de recepção do Magistério autêntico pedido aos membros do Instituto no ato da sua fundação”. Trabalho já realizado desde 1997 de maneira informal pelo G.R.E.C. – Grupo de Reflexão entre Católicos – em reuniões onde se encontram representantes de todas as tendências dentro do mundo que se convencionou chamar “Tradição católica”: Fraternidade São Pio X, Fraternidade São Pedro, Instituto Cristo Rei, Instituto do Bom Pastor, etc, e que agora vai tomando um caráter oficial dentro dos muros eclesiais com o este trabalho do IBP e as vindouras discussões doutrinais entre Santa Sé e Fraternidade São Pio X.

A arte sutil de contornar as perguntas embaraçosas e espinhosas.

Segundo o Abbé Carusi, “já há alguns anos os estudos eclesiásticos parecem esmorecer num estado que, sem ter renunciado ao debate teológico, contudo, voluntariamente pôs de lado a instituição da disputa teológica, afogando a ciência de Deus numa vulgata que canta em uníssono e que freqüentemente renuncia à especulação rigorosa, ao aprofundamento convincente, à argumentação estruturada, à refutação decidida de uma tese falsa”. Segundo o Padre, o irenismo teológico contemporâneo “parece ter levado um número de teólogos a produzir publicações prolixas (…) que se distinguem sobretudo pela ausência de escolhas teológicas e pela arte sutil de contornar as perguntas embaraçosas e espinhosas”

A crise no cerne da Cristandade.

Continua o padre: “Em muitas universidades, infelizmente mesmo romanas – nas quais alguns dos nossos colaboradores estudam ou ensinam – pura e simplesmente se renunciou a fazer teologia. Assiste-se assim a uma inversão da atitude acadêmica que deixa cada dia mais perplexo: enquanto são postos em discussão dogmas solenemente definidos, é impossível aprofundar e mais ainda contestar teses que são, na melhor das hipóteses, simples opiniões teológicas”.

O valor “magisterial” dos documentos do Concílio Vaticano II.

Sobre o assunto o site publica a opinião de Mons. Brunero Gherardini, o último grande teólogo da chamada “Escola Romana”, decano da faculdade de teologia da Lateranense e cônego da Basílica de São Pedro desde 1994. Autor de cerca de oitenta obras e inúmeros artigos, sua última publicação trata do diálogo inter-religioso sob o título “Que acordo entre Cristo e Belial?”

Afirmando que todo Concílio, independente de seu caráter, tem um valor magisterial e é sempre o Supremo Magistério da Igreja, Mons. Brunero distingue que isso não significa que seja absolutamente vinculante de modo a requerer um assentimento incondicional, que engaje a fé, de todos, embora o fato de provir de uma cátedra de tão grande autoridade nos requeira uma homenagem religiosa interna e externa.

Relembrando as palavras de Mons. Pericle Felice acerca dos limites impostos ao caráter vinculante do Concílio Vaticano II por João XXIII, Mons. Brunero não exclui a possibilidade de haver erros nos documentos do Vaticano II. Depois de cinqüenta anos de euforia pelo hosana contínuo que cercou o Concílio, “no entanto os problemas não faltam, e são extremamente sérios. Não falo, evidente, de heresia, mas de sugestões doutrinais que não estão na linha da Tradição de sempre e que não se pode por conseguinte facilmente conduzir ao “quod semper, quod ubique, quod ab omnibus” do Padre de Lérins, dado que lhes faltam a continuidade do “eodem sensu eademque sententia” de seu Commonitorium”.

Por fim, Mons. Brunero sintetiza seu pensamento « salvo meliore iudicio » ao concluir que o “Concílio Ecumênico Vaticano II é indubitavelmente magisterial; sem dúvida alguma ele não é dogmático, mas pastoral, dado que sempre se apresentou como tal; suas doutrinas são infalíveis e irreformáveis somente onde são retiradas de declarações dogmáticas; as que não gozam de fundamentos tradicionais constituem, tomadas em conjunto, um ensino autenticamente conciliar e portanto magisterial, embora não dogmático, que gera por conseguinte não a obrigação de fé, mas um acolhimento atento e respeitoso, na linha de uma adesão leal e deferente; aquelas, finalmente, cujas novidades aparecem inconciliáveis com a Tradição ou mesmo opostas a ela, poderão e deverão ser seriamente submetidas a um exame crítico com base na mais rigorosa hermenêutica teológica”.

Fala um dos fundadores.

Pe. Christophe Héry, um dos fundadores e assistente geral do Instituto do Bom Pastor, ordenado padre por Mons. Lefebvre em 1988, é um dos protagonistas do acordo com a Santa Sé e da convenção do IBP com a diocese de Bordeaux; publicou recentemente a obra “Non-lieu sur un schisme” na qual refuta magistralmente as acusações de cisma por conta das sagrações episcopais de 1988 realizadas por Mons. Marcel Lefebvre.

O Instituto do Bom Pastor recebeu as atenções especialmente por causa de sua exclusividade litúrgica pelo rito tradicional, mas segundo o Padre ele merece maior atenção sobretudo por conta de sua posição com relação ao Concílio Vaticano II. Conforme Pe. Hery, “alguns desejam que seja dado ao concílio ‘um assentimento inequívoco’. Ora, não há equívoco na nossa posição. Trata-se de uma missão de vigilância teológica. Ela se inscreve na clareza do pensamento do papa. Perante o falso ‘espírito do Concílio’ que ele nominalmente rejeitou em 22 de Dezembro 2005 perante a Cúria como causa de ‘rupturas’, ‘em vastas partes da Igreja’, Bento XVI afirma que é chegado o tempo de submeter o texto do Vaticano II a uma releitura para dar-lhe uma interpretação autêntica, ainda por vir. Nesta perspectiva, somos convidados por nosso ‘empenho fundador’ (assinados no dia da nossa fundação), a participar de maneira construtiva num trabalho crítico. O debate fundamental, sufocado há quarenta anos, se abre enfim na Igreja sem espírito de sistema nem de revanche, sobre os pontos de descontinuidade doutrinal postos pelo concílio Vaticano II, sujeitos a reservas”.

Para o pe. Hery, por ter se proclamado ‘pastoral’, o “Vaticano II não se impõe à Igreja como objeto de obediência absoluta de fé (cf. Canon 749), mas como objeto ‘de recepção’” que deve dar-se através de “uma vasta operação de pôr em questão (no sentido escolástico); de esclarecimento (no sentido de discernir) entre o que vale ser guardado e o que não o vale; e além disso, uma interpretação correta do que pode ou deve ser guardado”.

Continuem!

Bento xvi e Abbé FourniéNum encontro com o Papa Bento XVI na Praça São Pedro no dia 1º de abril, alguns membros do Instituto do Bom Pastor, encabeçados pelo Padre René-Sébastien Fournié, receberam do Santo Padre um incentivo para seu apostolado na Cidade Eterna. Pe. Fournié falou ao Santo Padre do documentário apresentado por KTO (televisão da diocese de Paris) sobre a casa do IBP em Roma, que respondeu: “Eu o vi”. O IBP acaba de se mudar para uma casa maior e mais apropriada para receber os clérigos que estudam na cidade. Além dos estudos, o apostolado na Cidade Eterna se volta também para as confissões administradas pelo Pe. Fournié e as aulas de catecismo dadas pelos seminaristas numa paróquia romana. Após dar algumas lembranças e agradecer o Santo Padre por “agir e sofrer pela paz da Igreja”, o grupo recebeu do Sumo Pontífice seu incentivo: “Continuem!”.