A ditadura da opinião, segundo o Cardeal Siri.

Entrevista do Cardeal Siri, feita pela revista Renovatio VI, em 1970, e traduzida por Gederson Falcometa. É antiga, mas nela encontramos uma grande consciência dos problemas que agora estão sendo revelados em toda a sua destrutividade mortal.

RENOVATIO – Existe, segundo V. E. R,, uma relação entre a presente situação da sociedade humana no seu complexo e aquela da Igreja? Existe uma relação entre as dificuldades presentes da religião e aquelas da humanidade?

Cardeal Giuseppe Siri.
Cardeal Giuseppe Siri, Arcebispo de Genova, falecido em 1989.

SIRI – Como seria possível ser diferente? A Igreja não vive separada do seu tempo e do seu mundo. As dificuldades que o homem experimenta hoje em viver como homem repercutem na dificuldade que o cristão encontra em viver como cristão.

O mundo hodierno vive da conquista da matéria: mesmo se a ciência lhe revela que a sapiência e a potência da ordem criada superam em qualquer parte a capacidade de previsão da razão, o homem se encontra, porém, fechado na estrutura mundana que ele construiu. O homem descobriu poder conquistar a matéria, poder torná-la instrumento da sua vontade: isto lhe tirou o senso de uma prudência superior e fez da conquista do mundo o seu saque , a perda da realidade humana mais profunda: o espírito.

O espírito é a pedra angular do homem e do mundo: todavia, essa é a pedra que os construtores da nossa presente sociedade quiseram esquecer e rejeitar. Chegamos assim a um mundo em que a pessoa humana não tem valor porque o homem não tem mais significado, e não é mais considerado a imagem de Deus.

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“Aqui não estamos mais na heresia, mas na completa apostasia”.

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O sacro não é somente o rito: é a presença no rito da realidade que ele significa.

Quando se mitiga o rito, se perde o sentido da substância que ele contém.

Não é de se admirar, portanto, que para alguns a Eucaristia se torne apenas uma simples festa da fraternidade humana, na qual Deus se torna apenas um espectador.

Aqui não estamos mais na heresia, mas na completa apostasia.

Pensamento do Cardinal Giuseppe Siri tratto dalla rivista “Renovatio”, VI, 1970

Créditos: Gercione Lima

Clergyman? Melhor a batina!

Cardeal Giuseppe Siri.
Cardeal Giuseppe Siri.

Entendo oportuno chamar a atenção para um problema que está se tornando extremamente importante: o problema do hábito eclesiástico. […] De fato, estamos testemunhando a maior decadência do hábito eclesiástico. […] O hábito condiciona fortemente e, às vezes, até forja a psicologia de quem o veste. O traje [eclesiástico], de fato, é um compromisso quando de sua tomada, em sua conservação e em sua substituição. É a primeira coisa que se vê, a última que se depõe. Ele lembra o compromisso, a pertença, o decoro, o vínculo, o espírito de conjunto, a dignidade! Isto o faz de forma contínua. Cria, portanto, limites à ação; evoca constantemente esses limites; aciona a barreira do pudor, do bom nome, do próprio dever, da repercussão pública, das consequências das interpretações maldosas. […]

O hábito não faz o monge por inteiro, mas certamente o faz em uma notável parte; em sua maior parte, conforme cresce a sua fraqueza de temperamento. […] Por esta razão, a questão de um uniforme se agiganta no campo eclesiástico e requer a atenção de todos os que querem salvar as vocações e ter perseverança nos deveres, disciplina, piedade e santidade que aceitaram! […]

Acontece que, em algumas cidades da Itália (não citaremos nomes, obviamente, mas estamos completamente certos do que dizemos), por causa da ausência do recato imposto pelo “sagrado uniforme”, chega-se a entretenimentos ainda proibidos pelo Código de Direito Canônico [de 1917]: boates, casas de má reputação e pior. Estamos a par das prisões de seminaristas feitas em cinemas infames e em outros locais menos recomendáveis. Tudo por causa do hábito traído! […] O balanço que se faz. Aqui está:

– descrédito;

– desconfiança;

– insinuações fáceis e, às vezes, graves;

– padres que, começando pelo hábito e pelo desmantelamento da primeira humilde defesa, acabam onde acabam…

– crises sacerdotais, totalmente culpáveis aos responsáveis, porque começadas com a recusa das cautelas necessárias, exigidas pelo Direito Canônico e pelo Conselho dos Bispos…, com resultados ruinosos e insensatos…

– seminários que se esvaziam e não resistem, enquanto no mundo, tanto na Europa como na América, os seminários estão cheios, quando ordenados de acordo com a sua verdadeira origem, com hábito eclesiástico rigoroso, na verdadeira obediência ao Decreto conciliar Optatam totius;

– almas que se arrastam pela vida sem ter mais nenhuma capacidade de decisão, após a contaminação delas com o mundo.

[…] Eu creio que, em nosso tempo, justamente por suas características, possa ser difícil existir o espírito eclesiástico sem existir o desejo e o respeito pelo hábito eclesiástico.

[…] Aqui não estamos falando apenas de “hábito eclesiástico”, mas de batina. E tenhamos a coragem de encarar os fatos, sem medo algum do que pode ser dito. […]

Alguns, para boicotar o uso da batina, ou para se justificar por ter cedido à moda atual contrária à batina, afirmam: “de qualquer maneira, a batina é um hábito litúrgico”, pretendendo, assim, esgotar o eventual uso da batina apenas na liturgia. Isto é claramente falso e capciosamente hipócrita! […] Francamente, é claro que o clergyman […] não é a solução mais desejada. Quem não ama a sua batina será capaz de continuar a amar o seu serviço a Deus? O próximo não substitui a Deus! Não é um soldado quem não ama a sua farda. […] A direção a ser tomada é:

– que, mesmo que a lei permita o clergyman, este não representa, no meio de nosso povo, a solução ideal;

– que quem entende possuir o integral espírito eclesiástico deve amar a sua batina; […]

– que a defesa da batina é a defesa da vocação e das vocações.

Meu dever como pastor me obriga a olhar muito longe. Tive que constatar que a introdução do clergyman, além da lei e das depravações do hábito eclesiástico, são a causa, provavelmente a primeira, do grave declínio da disciplina eclesiástica na Itália. Quem ama o sacerdócio, não brinque com o seu uniforme!

[Excerto: Card. Giuseppe Siri, A Te sacerdote, vol. II, Frigento: Casa Mariana, 1987, pp. 67-73].

Fonte: Cordialiter | Tradução: Giulia d’Amore