Dom Fernando Guimarães, bispo da Diocese de Garanhuns (PE), dirigiu na última Quinta-feira Santa a seus sacerdotes e seminaristas uma carta pastoral intitulada “A Eucaristia na Vida do Sacerdote”. Dom Fernando nasceu em 1946 em Recife e fez sua profissão perpétua na Congregação Redentorista em 1969. Doutor em teologia moral pelo Afonsianum de Roma e licenciado em direito canônico pela Universidade de Navarra, trabalhou desde 1994 em Roma como “capo ufficio” da Congregação para o Clero, até ser nomeado Bispo de Garanhuns no ano passado pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI.
Em sua carta, Dom Fernando procura ‹‹ traçar um breve panorama do sentido teológico do Sacerdócio católico e da relação necessária que ele tem com a Eucaristia ››, indicando ‹‹ alguns pontos concretos que podem ajudar a traduzir o pensamento teológico na vida sacerdotal de todos os dias”, concluindo com “uma rápida reflexão sobre a sacralidade da liturgia e do nosso Sacerdócio, indicações importantes, em um mundo secularizado, para a renovação da nossa espiritualidade sacerdotal ›› . Apresentamos seus principais excertos:
O poder do sacerdote sobre o Corpo de Cristo.
‹‹ Através da ordenação sacerdotal, o Padre é ligado à Eucaristia de uma maneira toda especial e excepcional. Podemos dizer que os Sacerdotes existem pela e para a Eucaristia: de certo modo, nós somos responsáveis pela Eucaristia. É interessante relembrar aqui como Santo Tomás de Aquino, nas suas reflexões sobre o sacramento da Ordem, considera-o sempre em uma perspectiva eucarística: é o poder espiritual que diz respeito à Eucaristia e seu caráter sacramental consiste exatamente no poder sobre o corpo de Cristo ›› .
Prossegue o senhor bispo: ‹‹ Uma segunda consequência nos vem desta reflexão, a propósito da relação entre Padres e fiéis. Trata-se da questão sempre atual da relação entre o Sacerdócio ministerial e aquele que o Concílio Vaticano II chama de “sacerdócio comum dos fiéis” (…). A graça sacramental específica da Ordem configura ontologicamente a pessoa do ministro ao Cristo Sacerdote, Mestre e Pastor, “para servir de instrumento de Cristo à sua Igreja. Pela ordenação, a pessoa se habilita a agir como representante de Cristo, Cabeça da Igreja, em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei”. Trata-se de um caráter espiritual indelével, que acompanhará por toda a eternidade a pessoa do ordenado, e o que habilita a agir “in persona Christi Capitis”, para a realização das três funções de ensinar, santificar e de governar a Igreja de Cristo. A santificação do padre torna-se assim uma exigência lógica do seu caráter sacramental e do seu ministério, como ela é uma consequência necessária do seu batismo ›› .
A juventude do altar do Senhor.
‹‹ O culto eucarístico do Sacerdote, seja na celebração da Santa Missa, seja na maneira como ele demonstra seu amor e cuidado pelo Augusto Sacramento, torna-se dessa forma um elemento importante de evangelização e de formação dos fiéis. Se é verdade que o padre exerce a sua missão principal e se manifesta em toda a sua plenitude quando celebra a Eucaristia, tal manifestação é humanamente completa quanto ele deixa transparecer a profundidade e a sacralidade deste Mistério, para que somente o Mistério Eucarístico resplandeça, através do seu ministério, nos corações e nas consciências dos fiéis. (…) [O] Servo de Deus o Papa Pio XII, que afirmava durante o Ano Santo de 1950: “É impossível que o ministério sacerdotal atinja plenamente o seu fim, o de responder às necessidades de nosso tempo de uma maneira adequada, se os Padres não resplandecerem no meio do povo através do exemplo de uma santidade eminente”. Este é o desafio de nosso tempo, para os Padres e para a Igreja inteira. Em meio às profundas mudanças de nosso tempo, após um período doloroso de hesitações e de crise pessoal e institucional, o Padre católico é chamado a redescobrir, na juventude do altar do Senhor (cf. Sl. 43, 4 vulg.), a identidade profunda da sua vocação. A Igreja não pode deixar de se preocupar – para usar uma feliz e bela expressão do Papa São Pio X – em “formar o Cristo naqueles que são destinados a formar o Cristo nos outros” ›› .
A recuperação da espiritualidade sacerdotal para renovação da Igreja.
‹‹ É necessário superar a tendência que, ainda hoje, leva muitas vezes a considerar aquilo que o Padre faz, em detrimento daquilo que ele é; é o ser que precede, justifica e fecunda o seu agir. Neste sentido, a recuperação de uma autêntica espiritualidade sacerdotal é uma das tarefas mais urgentes para a verdadeira renovação da Igreja. Como não lembrar aqui a palavra ardente e sempre atual de São Gregório Magno: “É necessário que o pastor seja puro de pensamento, exemplar na ação, discreto no seu silêncio, útil pela sua palavra; que ele seja próximo de todos por sua compaixão e que ele seja, mais do que todos, dedicado à contemplação; que ele seja o humilde aliado de quem faz o bem, mas, pelo seu zelo pela justiça, que ele seja inflexível contra os vícios dos pecadores; que ele não relaxe nunca o cuidado de sua vida interior em suas ocupações exteriores, nem negligencie o cuidado das necessidades exteriores pela solicitude do bem interior ›› .
O esfriamento espiritual causa da infidelidade ao dom recebido.
‹‹ Trabalhando por muitos anos em Roma, a estudar os dolorosos casos de abandono do ministério, pude observar como um dos primeiros sinais da crise destes irmãos nossos não é, em geral, o problema afetivo, mas o esfriamento e o enfraquecimento na vida espiritual, na oração, como também o abandono da celebração diária da Santa Missa. A certeza da fé debilita-se, as opiniões contrárias à fé da Igreja ou carregadas de ideologias se insinuam, e acaba-se por perder o sentido profundo do próprio Sacerdócio, criando-se um vazio no coração do Padre. É somente então, na imensa maioria dos casos, que sobrevém a necessidade humana de preencher este vazio existencial com um laço humano. Estamos já na última fase de um processo que levará definitivamente à infidelidade ao dom recebido ›› .
A sacralidade do Sacríficio da Missa foi instituída por Cristo.
‹‹ Com efeito, é Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que, representado pelo Sacerdote, entra no santuário para oferecer-se ao Pai e que anuncia o seu Evangelho. É Cristo aquele que oferece e é também Ele mesmo a oferta, o consagrante e o consagrado. A Eucaristia é ação santa por excelência, porque é ela que constitui as Sagradas Espécies, as “coisas santas dadas aos santos”, como recitam algumas fórmulas litúrgicas do Oriente. É importante repetir com força que a “sacralidade” da Missa não é algo acrescentado pelos homens à ação de Cristo no Cenáculo, liturgia primária e constitutiva, com a qual o Senhor celebrou sacramentalmente, Ele mesmo como Sacerdote, o mistério da sua Paixão, Morte na cruz e Ressurreição, o seu Sacrifício redentor. A “sacralidade” da Missa é uma realidade instituída por Cristo. (…) O Sacerdote do Novo Testamento oferece o Santo Sacrifício “in persona Christi”, o que quer dizer muito mais do que “em nome de”, ou “fazendo as vezes de”. “In persona” significa uma identificação específica, sacramental, com o Sumo e Eterno Sacerdote, que é o autor e sujeito principal do próprio Sacrifício, no qual Ele não pode ser substituído por ninguém. Ele, e somente Ele, o Cristo, poderia e pode ser realmente “propitiatio pro peccatis nostris … sed etiam totius mundi”. Somente o Sacrifício de Cristo, e de ninguém mais, poderia possuir força propiciadora junto ao Pai, junto à sua transcendente santidade ›› .
Não “fazer da celebração um palco para aparecermos”.
‹‹ Recordemo-nos, queridos Padres, que nenhum de nós é “dono” da Liturgia e, portanto, livres de adaptá-la a nossos gostos e fantasias. Lembremo-nos de que nenhum de nós deve aparecer como centro de atenção ou, o que é lamentável, fazer da celebração um palco para aparecermos. Somo “servos” dela, porque inseridos ontologicamente, por força do Sacramento recebido na nossa ordenação, no próprio mistério do Cristo, Sacerdote e Oferta. Evitemos, portanto, com zelo e amoroso cuidado, qualquer instrumentalização, qualquer particularismo, na celebração litúrgica. Celebremos com amor e devoção como a Igreja nos pede, seguindo fielmente o que ela estabeleceu, não por um mero ritualismo, mas porque imbuídos desta verdade: é Cristo que celebra em minha pessoa. A Igreja tem o dever de garantir e de assegurar o “sacrum” da Eucaristia. Esta missão torna-se ainda mais urgente, quando se vive em uma cultura desacralizada, para não dizer neo-pagã. É de se desejar que a tomada de consciência dos problemas e dos muitos abusos litúrgicos que devem hoje ser enfrentados, possa encontrar modalidades concretas de realização, de maneira a garantir, além de uma correta celebração da Eucaristia, também uma nova vitalidade da fé católica acerca do Augusto Sacramento ›› .
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