Por Monsenhor Antonio Livi* | Tradução: Gercione Lima – Fratres in Unum.com: As considerações que Vittorio Messori publicou no Corriere della Sera a respeito do pontificado do Papa Bergoglio, em 24 de dezembro (republicado pelo La Nuova Bussula Quotidiana do dia 28 de dezembro) têm suscitado, como se esperava, muitas reações diferentes. Muitos manifestaram o seu acordo, outros o criticaram duramente. Não vou entrar no mérito daquelas avaliações, que, em todo caso, considero como legítimas. Trata-se de um jornalista sério, um historiador bem documentado e, especialmente, de um Católico de fé sincera e esclarecida. Há muitos anos que eu o conheço pessoalmente, li todos os seus livros, começando com o primeiro e mais famoso, “Hipótese sobre Jesus”, que dava espaço demais para uma interpretação fideísta de Pascal, mas, ainda assim fez uma apologética eficaz e notável. Nos últimos tempos, sempre li com interesse e prazer sua coluna no jornal Il Timone. Quem dera houvesse mais jornalistas católicos assim! Lamentável, eu sempre disse, que não tenham mais permitido que ele continuasse a escrever no Avvenire [ndr: publicação da Conferência Episcopal italiana]… Teria sido um bem para o “jornal da Igreja Católica” (e também para mim, que também fui literalmente excluído daquele jornal).
Mas, repito, não entro no mérito de suas considerações sobre o pontificado do Papa Bergoglio, porque sou da opinião de que em relação aos acontecimentos dentro da Igreja, os jornalistas deveriam se limitar à informação, que é o seu trabalho e sua missão específica, sem tentar influenciar a opinião pública com suas opiniões pessoais, inevitavelmente parciais, no sentido de que eles conseguem descrever apenas uma parte da realidade eclesial e expressar sobre ela o ponto de vista de apenas uma parte do povo de Deus.
Como eu já escrevi, também aqui na Bússola, eu prefiro que a atualidade da Igreja seja tratada do ponto de vista competente e autenticamente teológico ou do ponto de vista exclusivamente pastoral. Eu mesmo, preocupado, como sacerdote, com a grande desorientação doutrinária que percebo entre os fiéis, intervim muitas vezes sobre a “questão Bergoglio”, exortando os católicos a ignorar aquilo que é o pão de cada dia dos “vaticanistas” (as frases e gestos que sugerem “abertura “ou” fechamento”, nomeações e destituições de altos prelados) e, ao invés, interessar-se mais, de forma inteligente, por tudo aquilo que é propriamente o Magistério da Igreja. Ali, nos documentos do Magistério da Igreja (que em certos pontos-chave são imutáveis e eternos e em outros procedem historicamente com as oportunas “reformas na continuidade”) os católicos, hoje como sempre, encontram o guia seguro de sua consciência, a orientação segura para professar e viver a sua fé em suas vidas diárias.
Mas, agora resolvi intervir na questão Messori, não para aprovar ou desaprovar o que ele escreveu, mas para defendê-lo (como se deve) das críticas violentas e equivocadas de um certo religioso que se apresenta como teólogo e acusa o jornalista de má-fé ou ignorância em matéria teológica. Trata-se de Leonardo Boff. Sua crítica a Messori representa, por assim dizer, a soma de todos os disparates que os ideólogos da “teologia da libertação” já escreveram tanto antes como após a condenação pela Santa Sé, de sua mensagem sobre o Evangelho e a ação da Igreja no mundo.
Boff acusa Messori de desconhecer o papel do “Espírito” que, segundo ele, agiria também e ainda melhor fora da Igreja Católica, a qual não sabe “aprender com os outros.” Com este propósito, Boff, arvorando-se em defensor do ofício daquele que ele chama de Espírito Santo, começa a escrever: “significa blasfemar contra o Espírito Santo pensar que os outros pensam só de modo errado. Por isso é extremamente importante uma Igreja aberta como a quer Francisco de Roma. É necessário que seja aberta às irrupções do Espírito chamado por alguns teólogos de ‘a fantasia de Deus’, por causa de sua criatividade e novidade, na sociedade, no mundo, na história dos povos, nos indivíduos, igrejas e até mesmo na Igreja Católica”, a qual antes de Francisco, teria sido muito ligada a Cristo, “cristocêntrica” demais.
Segundo o ex-franciscano, que quando lhe é conveniente posa de amante da doutrina (a sua), Vittorio Messori é terrivelmente deficiente em matéria de teologia: ele “incorre no erro teológico de cristomonismo, ou seja, somente Cristo conta. Não há realmente um lugar para o Espírito Santo. Tudo na Igreja é resolvido só com Cristo, algo que o Jesus dos Evangelhos exatamente não quer”.
Então, voltando a vestir os panos do anti-dogmático, acrescenta: “sem o Espírito Santo, a Igreja torna-se um instituição pesada, chata, sem graça, sem criatividade e, a um certo ponto, não tem nada a dizer ao mundo que não seja doutrina sobre de doutrina, sem suscitar esperança e alegria de viver”. O pobre Messori também seria um ignorante em matéria de sociologia religiosa, pois não teria ainda compreendido que a América Latina é o verdadeiro centro da Igreja Católica de hoje, apesar do número de latino-americanos que se declaram católicos estar diminuindo exatamente por causa do proselitismo generalizado das seitas protestantes (na verdade, talvez seja exatamente por isso que Boff acredita que a América Latina está na vanguarda).
O cristianismo e a teologia teriam feito grandes progressos na América Latina (no Brasil, que é a pátria de Leonardo Boff, no Peru, que é a pátria de Gustavo Gutiérrez, e na Argentina, que é a pátria de Jorge Mario Bergoglio) pelo fato de terem dado ouvidos ao “Espírito”, graças também à cultura nativa (pré-colombiana) que teria libertado a Igreja da abstração doutrinal da teologia européia, a alemã em particular (o alvo polêmico é sempre Bento XVI, lembrado com carinho por Messori), por saber interpretar o Evangelho em sintonia com os ideais de libertação das massas populares. Convém dizer, a propósito, embora não seja muito importante aqui, que o mito da teologia indígena latino-americana é imediatamente desmentido, sem querer, pelo próprio Boff, quando ele cita como única autoridade teológica seu mestre Johan Baptist Metz, precursor na Alemanha daquela “teologia política” da qual derivam os teólogos da libertação latino-americanos, que foram todos formados na Bélgica, França e Alemanha, começando pelo peruano Gustavo Gutiérrez. E não é justamente do centro da Europa, precisamente da Alemanha, que saiu Karl Marx, o principal inspirador da “teologia da libertação”?
Mas isso que eu disse é apenas um parêntese sarcástico. O discurso sério é o teológico. Em primeiro lugar, porque a abordagem teológica é a única que me interessa quando se fala de atualidade eclesial e de possíveis mudanças na doutrina da Igreja e, depois, porque o tema principal do discurso de Boff é precisamente a “voz do Espírito “, que o Papa Bergoglio teria ouvido humildemente enquanto seus predecessores, particularmente Bento XVI, teriam ignorado por estarem fechados no “cristocentrismo” que para Boff significa dogmatismo, legalismo, tradicionalismo, o centralismo do Vaticano.
Ora, eu me pergunto: que sentido há, teologicamente falando, em arrogar-se exclusividade na interpretação “do que o Espírito diz às igrejas”? E ainda, que sentido há, teologicamente falando, em contrapor à doutrina dogmática e moral da Igreja a sua própria interpretação dos desígnios do Espírito Santo? Discursos dessa natureza são compreensíveis, ainda que ilógicos, na boca dos hereges e cismáticos, na boca dos propagandistas de algumas das muitas seitas que invadiram o Ocidente cristão, vagamente relacionadas com o cristianismo ou diretamente inspiradas pelo budismo, mas não na boca de quem se apresenta como católico e ainda mais como um teólogo católico.
A norma fundamental de um discurso autenticamente teológico, como deixei claro no meu tratado sobre a verdadeira e a falsa teologia (onde Leonardo Boff não é mencionado, mas são citados os seus mestres) é a intenção de explicar racionalmente a verdade revelada por Deus em Cristo Jesus, o qual confiou a interpretação autêntica do seu Evangelho à sua Igreja, isto é, aos Apóstolos e seus legítimos sucessores, os bispos em comunhão com o Papa, o qual goza individualmente do carisma da infalibilidade.
Em termos práticos, isto significa que alguém como Boff, que despreza os dogmas e atribui a si mesmo aquela infalibilidade que não reconhece no Magistério da Igreja, não fala como teólogo. Claro, eu reconheço o seu direito de ter suas idéias, ainda que sejam as mais loucas sobre o cristianismo, mas, se ele fala em público, dirigindo-se aos católicos, eu tenho o dever de alertar aos fiéis de que ele não possui a autoridade que compete a um teólogo da Igreja Católica. Como eu sempre digo nesses casos, trata-se de um falso profeta ou um mau mestre. E isso eu já disse várias vezes sobre Vito Mancuso e Enzo Bianchi, e não hesitei em dizer o mesmo também sobre Bruno Forte e Gianfranco Ravasi, que ocupam postos de destaque na hierarquia da igreja [ndr: o primeiro, secretário do Sínodo para a Família nomeado pessoalmente por Francisco e rejeitado, recentemente, pelos bispos italianos em eleição para vice-presidente da Conferência Episcopal; o segundo, Cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura]. Quem quiser dar ouvidos às suas teorias, que saibam pelo menos que o fazem por sua própria conta e risco (da alma, é claro). E disso eu adverti a todos que eu podia.
Para terminar com Boff, eu pergunto: o que um cristão sabe do Espírito Santo, que como Deus é absolutamente transcendente? Sua Pessoa, no seio da “Trindade imanente”, é particularmente inacessível ao conhecimento humano, tanto assim que ele é chamado de “o Deus desconhecido”, e também a sua ação no mundo (a chamada economia trinitária) é totalmente invisível, senão por revelação pública. Mas a revelação pública é aquela do Filho de Deus, o Verbo Encarnado, Emmanuel, “Deus conosco”.
Aquilo que podemos saber dos mistérios de Deus é apenas o que Cristo revelou. Como é possível que alguém queira contrapor sua própria pretensão de conhecimento da ação do Espírito ao que o mesmíssimo Espírito nos revelou em Cristo? E Cristo nos revelou que o Espírito Santo foi enviado diretamente por Ele e pelo Pai no dia de Pentecostes, para tornar eficaz em todo o mundo, por todo o tempo da história, a ação salvífica da Igreja de Cristo, mediante o anúncio do Evangelho e da graça dos sacramentos. Isto é o que nós sabemos do Espírito Santo e apenas isso pode ser dito teologicamente, ou seja, com seriedade, com a pretensão de ser ouvido pelos fiéis.
O verdadeiro teólogo explica e aplica ao seu tempo e às pessoas a quem se dirige a verdade contida na revelação pública, ou seja, na doutrina da Igreja. O verdadeiro teólogo não pretende, como fazem os gnósticos, saber mais do que se pode saber sobre os mistérios de Deus. Ele é como qualquer outro fiel, uma pessoa que em um tempo qualquer acolheu com fé sincera a revelação divina. O verdadeiro teólogo, acima de tudo, não substitui a verdade divina por suas próprias conjecturas pessoais e arbitrárias, seja lá qual for a sinceridade com a qual essas sejam propostas ao povo (pior ainda se mentem deliberadamente sabendo que mentem, então esses falsos profetas não seriam apenas uns iludidos, mas verdadeiros “enganadores”, como o Anticristo do qual nos fala as Escrituras).
* Antonio Livi, ex-aluno de Étienne Gilson e professor da Universidade Lateranense de Roma, é sacerdote e filósofo.
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