Nos últimos tempos, o Espírito Santo moveu grupos de Anglicanos a pedir repetida e insistentemente que fossem recebidos em plena comunhão Católica tanto individualmente como corporativamente. A Sé Apostólica respondeu favoravelmente a estes pedidos. De fato, o Sucessor de Pedro, que do Senhor Jesus tem o mandamento de garantir a unidade do episcopado e presidir e tutelar a comunhão universal de todas as Igrejas 1 , não poderia deixar de tornar possíveis os meios necessários para trazer este santo desejo à realização.
A Igreja, um povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 2 foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo como “um sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” 3 . Toda divisão entre os batizados em Jesus Cristo fere aquilo que a Igreja é e o motivo pelo qual ela existe; de fato, “tais divisões contradizem abertamente a vontade de Cristo, escandalizam o mundo, e prejudicam a mais santa das causas, a pregação do Evangelho a toda criatura”4 . Precisamente por esta razão, antes de derramar seu sangue para a salvação do mundo, o Senhor Jesus rezou ao Pai pela unidade de seus discípulos 5 .
É o Espírito Santo, o princípio da unidade, que estabelece a Igreja como uma comunhão. 6 Ele é o princípio da unidade dos fiéis nos ensinamentos dos Apóstolos, na fração do pão e na oração.7 A Igreja, todavia, analogamente ao mistério do Verbo Encarnado, não é apenas uma comunhão espiritual invisível, mas é também visível; 8 de fato, “a sociedade estruturada com órgãos hierárquicos e o Corpo Místico de Cristo, a sociedade visível e a comunidade espiritual; a Igreja terrena e a Igreja favorecida com as riquezas celestiais, não devem ser vistas como duas realidades. Pelo contrário, elas formam uma realidade complexa constituída por um elemento duplo, humano e divino”.9 A comunhão dos batizados nos ensinamentos dos Apóstolos e no partir do pão eucarístico é visivelmente manifestada nos vínculos da profissão de fé em sua integridade, na celebração de todos os sacramentos instituídos por Cristo, e no governo do Colégio dos Bispos unidos com sua cabeça, o Romano Pontífice.10
A única Igreja de Cristo, que professamos no Credo como una, santa, católica e apostólica, “subsiste na Igreja Católica, que é governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. Todavia, muitos elementos de santificação e de verdade são encontrados fora de seus confins visíveis. Enquanto eles são dons propriamente pertencentes à Igreja de Cristo, são forças que impelem à unidade Católica” 11
À luz destes princípios eclesiológicos, esta Constituição Apostólica fornece uma estrutura normativa geral para regular a instituição e a vida das Ordinariatos Pessoais para aqueles fiéis Anglicanos que desejam entrar na plena comunhão da Igreja Católica de maneira corporativa. Esta Constituição é complementada pelas Normas Complementares publicadas pela Sé Apostólica.
I. §1 Os Ordinariatos Pessoais para Anglicanos ingressando em plena comunhão com a Igreja Católica são erigidos pela Congregação para a Doutrina da Fé, dentro dos confins territoriais de uma Conferência de Bispos particular, em consulta com a mesma Conferência.
§2 Dentro do território de Conferência de Bispos particular, um ou mais Ordinariatos podem ser erigidos, se necessário.
§3 Cada Ordinariato possui personalidade juridical pública pela própria lei (ipso iure); é juridicamente comparável a uma diocese.12
§4 O Ordinariato é composto por fiéis leigos, clérigos e membros de Instituitos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou aqueles que receberam os Sacramentos de Iniciação dentro da jurisdição do Ordinariato.
§5 O Catecismo da Igreja Católica é a expressão autorizada da fé Católica professada pelos membros do Ordinariato.
II. O Ordinariato Pessoal é governado conforme as normas do direito universal e da presente Constituição Apostólica, e está sujeito à Congregação para a Doutrina da Fé e aos outros Dicastérios da Cúria Romana, de acordo com suas competências. É também governado pelas Normas Complementares, assim como quaisquer outras Normas específicas dadas para cada Ordinariato.
III. Sem excluir as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano, o Ordinariato tem a faculdade de celebrar a Sagrada Eucaristia e os outros sacramentos, a Liturgia das Horas e outras celebrações litúrgicas segundo os livros litúrgicos próprios da tradição Anglicana que foram aprovados pela Santa Sé, de modo a manter as tradições litúrgicas, espirituais e pastorais da Comunhão Anglicana dentro da Igreja Católica, como um dom precioso alimentando a fé dos membros do Ordinariato e um tesouro a ser partilhado.
IV. Um Ordinariato Pessoal está confiado aos cuidados pastorais de um Ordinário indicado pelo Romano Pontífice.
V. O poder (potestas) do Ordinário é:
a. ordinário: anexo pela própria lei ao ofício confiado a ele pelo Romano Pontífice, tanto para o fórum interno como externo;
b. vicário: exercido em nome o Romano Pontífice;
c. pessoal: exercido sobre todos que pertencem ao Ordinariato;
Este poder deve ser exercido conjutamente com o do bispo diocesano local, naqueles casos previstos nas Normas Complementares.
VI. §1 Aqueles que exerceram o ministério como diáconos, padres ou bispos anglicanos, e que preencherem os requisitos estabelecidos pelo direito canônico13 e não estão impedidos por irregularidades ou outros impedimentos14 podem ser aceitos pelo Ordinário como candidatos às Sagradas Ordens na Igreja Católica. No caso de ministros casados, as normas estabelecidas na Carta Encíclica do Papa Paulo VI, Sacerdotalis coelibatus, n. 42 15 e na declaração In June 16 devem ser observadas. Ministros não casados devem se submeter à norma do celibato clerical do CIC can. 277, §1.
§2. O Ordinário, em plena observância da disciplina do celibado clerical na Igreja Latina, como regra (pro regula) admitirá apenas homens celibatários à ordem de presbítero. Ele pode também pedir ao Romano Pontífice, como uma derrogação do can. 277, §1, a admissão de um homem casado à ordem de presbítero na base do caso a caso, segundo os critérios objetivos aprovados pela Santa Sé.
§3. A incardição de clérigos deve ser reguladas segundo as normas do direito canônico.
§4. Padres incardinados num Ordinariato, que constituem o presbitério do Ordinariato, devem também cultivar laços de unidade com o presbitério da Diocese na qual exercem seu ministério. Devem promover iniciativas pastorais e de caridade comuns, que podem ser objeto de convenções entre o Ordinário e o bispo diocesano local.
§5. Os candidatos para as Sagradas Ordens num Ordinariato devem ser preparados ao lado de outros seminaristas, especialmente nas áreas de formação doutrinal e pastoral. A fim de considerar as necessidades particulares dos seminaristas do Ordinariato e sua formação no patrimônio Anglicano, o Ordinário pode também estabelecer programas de seminário ou casas de formação, que seriam ligadas a faculdades católicas de teologia já existentes.
VII. O Ordinário, com a aprovação da Santa Sé, pode erigir novos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, com o direito de chamar seus membros às Sagradas Ordens, segundo as normas do direito canônico. Os Institutos de Vida Consagrada originários da Comunhão Anglicana e que ingressarem em plena comunhão com a Igreja Católica podem também ser colocados sob sua jurisdição por consentimento mútuo.
VIII. §1. O Ordinário, segundo a norma do direito, depois de ter ouvido a opinião do Bispo Diocesano do local, pode erigir, com o consentimento da Santa Sè, paróquias pessoais para os fiéis que pertencem ao Ordinariato.
§2. Os pastores do Ordinariato gozam de todos os direitos e estão sujeitos a todas as obrigações estabelecidas no Código de Direito Canônico e, em casos estabelecidos pelas Normas Complementares, tais direitos e obrigações devem ser exercidos em assistência pastoral mútua junto dos pastores da diocese local onde a paróquia pessoal do Ordinariato tenha sido estabelecida.
IX. Tanto os fiéis leigos como os membros de Instituto de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, originariamente parte da Comunhão Anglicana, que desejam ingressar no Ordinariato Pessoal, deve manifestar este desejo por escrito.
X. §1. O Ordinário é auxiliado em seu governo por um Conselho de Governo com seus estatutos próprios aprovados pelo Ordinário e confirmados pela Santa Sé. 17
§2. O Conselho de Governo, presidido pelo Ordinário, é composto de, ao menos, seis padres. Ele exerce as funções especificadas no Código de Direito Canônico do Conselho Presbiteral e do Colégio de Consultores, assim como naquelas áreas especificadas nas Normas Complementares.
§3. O Ordinário deve estabecer um Conselho de Finanças segundo as normas estabelecidas pelo Código de Direito Canônico, que exercerá os deveres aí especificadas.18
§4. A fim de favorecer a consulta dos fiéis, um Conselho Pastoral deve ser constituído no Ordinariato.19
XI. Requer-se que a cada cinco anos o Ordinário venha a Roma para uma visita ad limina Apostolorum e apresente ao Romano Pontífice, através da Congregação para a Doutrina da Fé e em consulta com a Congregação para os Bispos e a Congregação para a Evangelização dos Povos, um relatório sobre o status do Ordinariato.
XII. Para casos judiciais, o tribunal competente é o da Diocese na qual uma das partes é domiciliada, ao menos que o Ordinário tenha constituído seu próprio tribunal, cujo caso o tribunal de segunda instância é o designado pelo Ordinariato e aprovado pela Santa Sé.
XIII. O decreto estabelecendo um Ordinariato determinará a localização da Sé e, se apropriado, a igreja principal.
Desejamos que nossas disposições e normas sejam válidas e efetivas agora e no futuro, não obstante, fosse necessário, as Constituições Apostólicas e ordens publicadas por nossos predecessores, ou qualquer outras prescrições, mesmo aquelas que requeira menção ou derrogação especial.
Dado em Roma, em São Pedro, em 4 de novembro de 2009, memória de São Carlos Borromeu.
BENEDICTUS PP XVI
_________________
1 Cf. Second Vatican Council, Dogmatic Constitution Lumen gentium, 23; Congregation for the Doctrine of the Faith, Letter Communionis notio, 12; 13.
2 Cf. Dogmatic Constitution Lumen gentium, 4; Decree Unitatis redintegratio, 2.
3 Dogmatic Constitution Lumen gentium, 1.
4 Decree Unitatis redintegratio, 1.
5 Cf. Jn 17:20-21; Decree Unitatis redintegratio, 2.
6 Cf. Dogmatic Constitution Lumen gentium, 13.
7 Cf. ibid; Acts 2:42.
8 Cf. Dogmatic Constitution Lumen gentium, 8; Letter Communionis notio, 4.
9 Dogmatic Constitution Lumen gentium, 8.
10 Cf. CIC, can. 205; Dogmatic Constitution Lumen gentium, 13; 14; 21; 22; Decree Unitatis redintegratio, 2; 3; 4; 15; 20; Decree Christus Dominus, 4; Decree Ad gentes, 22.
11 Dogmatic Constitution Lumen gentium, 8.
12 Cf. John Paul II, Ap. Const. Spirituali militium curae, 21 April 1986, I § 1.
13 Cf. CIC, cann. 1026-1032.
14 Cf. CIC, cann. 1040-1049.
15 Cf. AAS 59 (1967) 674.
16 Cf. Congregation for the Doctrine of the Faith, Statement of 1 April 1981, in Enchiridion Vaticanum 7, 1213.
17 Cf. CIC, cann. 495-502.
18 Cf. CIC, cann. 492-494.
19 Cf. CIC, can. 511.
Fonte: Bollettino
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